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Tic- Tac….Gelado

Sempre precisei de silêncio quando estou tentando memorizar ou aprender algo. Pode até haver uma música ao longe, conversas em outro cômodo da casa ou o som do trafego. Esses ruídos entram no pano de fundo e não me atrapalham. Não capturam minha atenção e, portanto, sigo lendo ou estudando. Mas ruídos que colam na minha audição, capturam a minha atenção têm a capacidade de me enlouquecer, vão consumindo meu equilíbrio. Parece uma tortura que me levará a loucura.

Na época da faculdade, morávamos em um apartamento de três quartos com oito meninas. O curso era muito difícil com textos intermináveis, pesquisas que nunca acabavam e provas, muitas provas. O fim de bimestre parecia o fim dos tempos. As exigências não cabiam em 24 horas; comer, tomar banho e dormir disputavam espaço com montanhas de texto em diferentes idiomas. Uma insanidade que levava a exaustão.

Eu sou uma pessoa que funciona bem, acordando cedo e dormindo em torno de 8 horas. Nessa hora, tudo é mais silencioso e o sono é tranquilo. Cambaleante de cansaço e sono, ia para minha cama.

Nosso quarto tinha três camas de solteiro. Sueli dormia à minha direita, eu no meio e Terê à esquerda. Terê tinha um ritmo de sono diferente do nosso; deitava-se por volta das 20 horas e acordava para estudar de madrugada. Dizia que o silêncio a ajudava a aprender. Só ela na casa zanzava sorrateira e silenciosa durante a madrugada.

Ela possuía um despertador redondo, com dois sinos na parte superior, que fazia um tica tac amplificado e quando despertava parecia o sino de uma catedral chamando os fiéis. Sempre odiei acordar com barulhos altos, parecia que ficava fora do prumo o dia todo. É como se fosse lançada com muita força a algum lugar para começar o dia. A partir daí fico mal-humorada e lenta para raciocinar, demorando para voltar ao meu ritmo. Minha mãe me acordava falando baixinho e afagando meus cabelos. Abrir os olhos assim me alegra e me deixa desperta e atenta. Minha filha costumava dizer que meu bom humor de manhã era irritante, desde que não houvesse despertador.

Terê colocava o despertador as 2 horas da manhã. Não conseguia acordar, então colocava-o as 3 horas e depois as 4 horas, quando finalmente levantava. A cada sino tocando era um susto e uma dificuldade para retomar o sono. Sueli e eu começamos a pedir que parasse, pois não estávamos conseguindo dormir. Ela irredutível, insistia em continuar com o despertador tocando de hora em hora durante a noite. Durante a semana de provas, eu parecia um zumbi. O que fazer? Minha vontade era jogar o despertador do alto do prédio para que não sobrasse nada. Não consegui. Mas uma ideia maluca começou a tomar forma: como poderia escondê-lo, silencia-lo? Tirar esse torturador dos meus ouvidos? Ela não tirava os olhos do despertador, e eu não abandonava meu plano de escondê-lo.

Uma solução brilhante finalmente surgiu. Ela ia para cama as 20 horas, adormecia e eu entrava no quarto, pegava o vilão, embrulhava-o em uma toalha de rosto para abafar o som e o colocava no congelador. Passava a noite lá. Todo mundo dormia, inclusive ela, que acordava com o movimento da casa. O despertador já tinha voltado ao seu lugar. Paz no front de guerra. Ela não entendia, o relógio funcionava bem durante o dia, mas não à noite. Foi ao relojoeiro que atestou sua integridade, mas ele não tocava mais a noite e nem fazia o tic-tac amplificado. Ela remexia e remexia no relógio e ele ficava congelado toda noite. No final do ano ela se mudou e contou que o relógio voltou a despertar, Só na nossa festa de 10 anos de formadas, é que ela desvendou o mistério, quando contei a ela. Depois de tantos anos só podíamos rir, do tic- tac gelado e das aventuras que tivemos que fazer para formar.

Janisse Mahalem

Franca 25 de setembro de 2024

Setex1

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