Titia!

brizam
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readMar 22, 2023

Já ouvi na chegada do salão de festas. Era Tiago, meu vizinho do sétimo andar. Pediu pra mãe mudar de cadeira e disse: “Tiago senta aqui e titia, na preta”. Aí, ficou sem saber o que fazer com a lancheirinha do almoço, que levou pra comer lá embaixo. A mãe disse que ajudava e eu expliquei que ia dar um mergulho na piscina antes. “Tudo bem?”, “Tudo bem”. “Titia, olha meu almoço”, “Que almoço bonito, Tiago!”. E ele riu. Tiago ri muito. Ri quase o tempo inteiro. A não ser quando para pra pensar. E ele para pra pensar na mesma medida em que ri. Você fala e ele avalia a informação. Quase dá pra ver as engrenagens do cérebro de 2 anos (quase 3) de idade, funcionando pra ver se encontra sentido no que é dito. Às vezes encontra, às vezes não. Quando isso acontece, Tiago ri é de você. Depois, de me mostrar o almoço, mostrou o velocípede (que ele fala de um jeito tão, mas tão difícil, que não consigo repetir aqui). “É azul”, “Verdade, azul igual a tua camiseta e teu chinelo”. Ele olhou para os três, como se precisasse confirmar e riu. “Olha mamãe: azul, azul e azul”. Depois de falar da escola e perguntar das minhas gatas, disse: “Titia, eu tenho uma maleta de ferramentas”, “Caramba, Tiago, tu pode consertar aquela cadeira quebrada ali”. Novamente, analisou com o olhar e me respondeu: “não, titia, é de mentirinha”. E riu. Da minha inocência, acho. Surgiu um dilema: a mãe de Tiago precisava subir pra trabalhar e ele queria buscar a maleta de ferramentas pra me mostrar. “Então, você vem com Tia Rosa, que mamãe precisa trabalhar”, “Não, Tiago vem com mamãe”, “Mamãe precisa trabalhar, filho”. Fiquei imaginando até onde ia aquele cabo de guerra, certa de quem venceria. Tiago voltou com Tia Rosa e a maleta. “Titia!”, sentou na borda da piscina e começou a me mostrar os “objetos”. Sim, ele chama os brinquedos de objetos. “E tem massinha também, ó”. Tia Rosa falou que ele colocou na maleta de ferramentas só pra me mostrar. Fizemos cobras, pizzas, bolinhas, até que ele quis um parafuso. Ok, vamos lá. Parafuso pronto. “Mas, titia, ele não cabe juntos dos outros”. Ok, vamos lá de novo. Dessa vez, deu certo. E Tiago riu, riu, riu. “Parafuso de massinha”. Acho que pra extravasar a alegria que não cabia no corpinho franzino, começou a correr. Peguei a massinha vermelha e coloquei na palma da mão. Quando ele chegava muito perto da água, eu dizia: “sinal vermelho, pa-rou!”. Em determinado momento, ele me disse: “titia, isso não é um sinal”. “É sim, Tiago! Vermelho, ó”. “Não, titia, não é…”. Briza de 2 anos (quase 3), pegou uma reguinha com três buracos na maleta de ferramentas e colocou em cada uma deles uma bolinha diferente: vermelha, amarela e verde: “viu? Agora, é um sinal de verdade”. Ele parou por quase 30 segundos, antes de começar a rir (muito) de novo e “não é não, titia”, que também precisava subir pra trabalhar, mas disse que voltava outro dia pra brincar mais. “Outro dia não, hoje”. Nessa idade, Tiago já aprendeu que não existe depois. Mas, o meu agora precisava ser numa reunião chata em frente ao computador. Ele ainda fez tentativas pra que eu ficasse: pulando como sapo, voando como avião e dizendo que eu não podia subir toda molhada. Por fim, disse que eu estava congelada na parede e não podia me mover. Tive que encenar o descolar com dificuldade e ele riu de novo, mas sem tanta vontade. Assim, como eu, sem tanta vontade, apertei o botão do elevador e dissemos muitos tchaus um pro outro, antes da porta fechar. E eu ficar só naquele espaço minúsculo, cheio de vazio, onde deveriam sobrar gargalhadas.

--

--

brizam
Comunidade da Escrita Afetuosa

alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate.