Uma ida ao mercado

Bruno Tavares
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readJul 25, 2023
Fonte: Jornal Taguacei

Os dias eram marcados do A ao Z. Amilton, o marido, saia cedo para trabalhar no táxi. Beijava Zélia, a esposa, desejava um bom dia e ia cumprir sua rotina de levar pessoas de um lado a outro da cidade. Casados há poucos anos, os jovens companheiros tinham uma filha, Marina, de tenra idade. Depois que o marido saia, Zélia começava seus afazeres. Escovava os dentes, passava um café solúvel, lavava a roupa, arrumava a casa… naquele dia tinha que ir ao mercado. Fazia suas tarefas enquanto cuidava da pequena. Gostaria de ter mais tempo para si, mas não via como. Havia tanto para fazer naquela casa, na periferia de Brasília, onde tudo era longe, solitário e poeirento.

Independente de suas vontades, Zélia era diligente. Jurava a si mesma que as coisas iam melhorar, que a decisão de deixar o Pernambuco e vir morar no Planalto Central tinha sido correta. Lentamente, um pensamento se infiltrava em sua cabeça: como teria sido sua vida caso tivesse negado o pedido de noivado? Mas os afazeres domésticos a tiravam dos devaneios… tinha que ir ao mercado, longe que só, uma hora de caminhada para ir e outra para voltar.

Nair, a vizinha, tinha uma vida parecida. O mesmo trabalho doméstico, o marido pedreiro, os filhos pequenos, os questionamentos internos. Por isso, as duas haviam se aproximado, tornando-se amigas. Quando a tarde chegava, elas seguiam o combinado do dia anterior. Retiravam-se de casa, deixando os filhos adormecidos, para irem correndo fazer as compras. Sabiam dos riscos… sufocamento, engasgo, queda. Tinham dúvidas se era o correto a fazer, mas qual era a escolha?

Uma a uma, todas as mulheres do bairro viviam a mesma história quando se dirigiam ao longínquo mercado. Voavam num pé e voltavam no outro, apressadas, suarentas, esbaforidas. Xeque-mate para aquela que chegava depois da cria acordar. Zélia sempre conseguia voltar a tempo, mas o preço a pagar ela só notou depois: perder-se de si mesma enquanto desfiava um alfabeto de tarefas dia após dia.

(Essenciais — Escrever a partir da história do outro — Aurora, módulo 1)

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Bruno Tavares
Comunidade da Escrita Afetuosa

Um publicitário que adora viajar, seja nos livros, nos filmes ou na vida real