Uma mulher de fibra
Josefa. Papai a chamava de dona Zefa. Mulher baixinha. Negra. Tinha 49 anos. Era a única mulher em uma turma de 30 cortadores de cana. Papai era o motorista do ônibus dos rurais que às 4h da manhã passava nos pontos para pegar a turma. Ela nunca se atrasou, fizesse chuva ou não, era a primeira a embarcar com seu bornal nos braços.
Uma vez por mês formava fila no portão de casa para receber o cheque da usina. Eu era criança e ficava de longe, observando aquelas pessoas tão pobres, mas sempre com um sorriso nos lábios. E nos olhos. Ficava admirada de ver aquela única mulher baixinha no meio daquele mundaréu de homens. Pagamento feito, corria em torno de papai para enchê-lo de perguntas. Principalmente sobre aquela baixinha arretada.
Papai contava, admirado, da força sobre-humana de dona Zefa. Disse que mesmo pequenina e magrinha, ela cortava toneladas a mais do que a maioria daqueles homens. Além de trabalhar mais que eles, ainda levava marmitas a mais para alguns, que não conseguiam cortar cana nem o suficiente pra comer. Tinha 7 filhos e não queria essa vida para nenhum deles. Dizia que preferia trabalhar de sol a sol, mas que seus filhos iam estudar. Não tinha o sonho nem a esperança de ver nenhum virar doutor. Sua realidade era muito dura para acreditar em contos de fadas. Queria apenas que suas meninas trabalhassem em algum escritório ou virassem faxineiras. E seus meninos fossem trabalhar no comércio ou fossem auxiliar de pedreiro. Ir pra roça não. Isso não era trabalho de gente. Ela foi porque precisou assumir o lugar do marido. Que morreu de cansaço. O médico falou que foi do coração. Mas ela sabe que trabalhar debaixo de sol e chuva com pouca comida na barriga, era uma morte anunciada. Ficou viúva no sertão do Piauí. Mas antes de morrer, seu marido falou do sonho de vir fazer fortuna no interior de São Paulo. Dona Zefa não pensou duas vezes: arrumou suas parcas coisas e veio de mala e cuia. Seus filhos foram chegando aos poucos. Logo a família estava completa. Ela dizia que homem na sua vida nunca mais. Somente os filhos e netos.
Meu pai aposentou e pouco depois morreu. Nunca mais vi a dona Zefa no portão de casa. Mas sua história nunca me saiu da cabeça. Minha mãe disse que não faz muito tempo, encontrou nessas andanças da rua uma de suas filhas. Ela disse que a mãe está velhinha, mas tem uma saúde de ferro. Que é amada pelos filhos e realizou seu sonho. Nenhum deles trabalhou cortando cana. Mas foi com o dinheiro da cana, que todos cursaram um curso técnico e estão empregados. Disse que em breve a família fará uma viagem. A primeira de avião. A matriarca quer comemorar seus 80 anos de vida em sua cidade natal. Ao lado dos irmãos que ainda estão vivos e dos sobrinhos que nunca viu. Contos de fadas podem não existir. Mas que um final feliz existe. Existe.
Marex2