Uma yorkshire velhinha
Olhinhos de jabuticaba, pretos, pequenos e perdidos em uma carinha amassada e confusa. Andava de um lado para o outro no meio da arrumação da mudança, a segunda em menos de duas semanas. Ia e voltava, trazia e guardava, mexia e parava, atordoava. No meio da confusão, ouviu:
– Ó, se deixar aqui já era. Vai perder. — Era uma das suas coisas mais queridas no mundo. Pequena, gasta, meio encardida que a acompanhava a vida toda.
Virou-se para mim e, do meio da sala, respondeu arreganhando os dentes e sacudindo a cabeça.
Medo. Aquele paralisante. Aquela pontada na barriga. Aquele sentimento ancestral. Dei um passo para trás. Arregalei os olhos. Coração acelerou. Racionalmente, não fazia sentido aquele medo, pela distância que estava, pelo tamanho, pela idade, pela força da mordida. Não era uma ameaça real. O medo era real.
– Que isso, minha filha?
– Você me mostrou os dentes.
– Não, pelo amor de Deus, eu tenho muito respeito por você. Você é mulher do meu filho.
– Você me mostrou os dentes. — Encerrei o assunto ali. Parece que ninguém viu nem ouviu nada na sala lotada. Só nós duas. Aquela coisinha pequena, de cara confusa e amassada e de dentadura sabe botar medo. Criei um raio de distância segura. Seguimos.