Luciana Godoi
Comunidade da Escrita Afetuosa
2 min readSep 25, 2023

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vinte e três

Em setembro de 2018, quando completei trinta e um anos, eu também estava perto do mar, eu também era morada para o existir de outro alguém.

Naquele dia 23, escrevi que o melhor da vida estava acontecendo dentro de mim, mas eu não sabia o que vinha pela frente.

Na praia, as ondas eram calmas, iguaizinhas as emoções que eu sentia em chutinhos, soluços e expectativas. Tudo dizendo que bastava eu me deitar e deixar o sol bater, porque o resto se fazia sem esforço.

Meses depois, no entanto, o maremoto me afogou.

Em trinta e seis anos de existência, nada me mudou tanto quanto ser mãe. Nada me colocou mais em prova. Nada testou mais os meus limites físicos e psicológicos. Nada provou mais a minha força, meus valores, meu valor. Nada me deixou mais a fim de viver para sempre. Nada me explicou tanto. Nada me fez sentir os extremos de tudo.

Daquele dia 23 para este dia 23, eu me enganei com a calmaria das ondas, sucumbi embaixo da força delas, me desfiz em grãozinhos de areia e tentei me refazer, igual, tantas vezes depois.

Daquele dia 23 para este dia 23, juntei minhas pás, baldes e conchas e desisti do castelo perfeito, do bronzeado perfeito, do mergulho perfeito.

Em algum momento desses cinco anos, resolvi tomar o caminho das pedras, aquele que circunda a praia e nos leva pra outra e outra e mais outra, sabe? Fui com a roupa do corpo mesmo e tenho visto as paisagens mais lindas.

Foi percorrendo esse caminho que cheguei aqui, nessa praia, nesse mar, nesse dia 23. Outra vez sendo morada para o existir de outro alguém.

As ondas estão calmas, mas, dessa vez, já espero pelo maremoto.

Tenho tomado fôlego para prender a respiração, tenho desenhado estratégias para juntar os grãozinhos depois. Não vou mentir, metade de mim é medo e… bem, eu poderia dizer que a outra metade é medo também, mas não…

a outra metade é o melhor da vida, já existindo do lado de fora e, outra vez, começando a existir dentro de mim

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