Eleições nos EUA: a decadente busca pelo “menos pior”

Parece que o centro de toda atrocidade internacional, a máquina imperialista estadunidense, resolveu renovar seus trapos reacionários e jogar toda carcaça ‘desnecessária’ para a margem (apenas no âmbito da fraseologia e da modesta aparência conservadora, evidentemente). Há discussões sobre o fato de se ter ou não um saldo positivo nisso. Acusam como uma derrota da extrema-direita. Provavelmente é o ápice de o otimismo colocar como positivo uma candidatura que massacrou todos os resquícios de um mínimo “progressismo” no interior da disputa política (eliminando a possibilidade do Sanders estar encabeçando o processo — sendo ele o menos direita da direita), polindo todas as aparências para apresentar um candidato à altura do cachorro louco do Trump: um direitista de ótima argumentação, “preocupado” (muitas aspas) com nossa Amazônia, decidido a defender a razão e etc. Um candidato para barrar o irracionalismo — concordam todos os mecanismos midiáticos e propagandísticos da burguesia (interessante a reflexão sobre o motivo pelo qual a burguesia resolveu adotar Biden como seu candidato).

<Mas para além desse jogo de compadres na alta política nacional, vale um adendo aqui quanto as mobilizações de base, a organização das massas que protagonizam uma justa luta no interior da esquizofrênica sociedade estadunidense nos últimos períodos. Trabalhador é trabalhador, seja no capitalismo central ou no capitalismo dependente. O saldo que o partido comunista estadunidense vem acumulando no embrião da luta de classes ianque apesar de tímido, é algo que deve ser sempre lembrado como algo positivo. E se estamos procurando algo de positivo nos EUA, poderíamos parar por aqui, porque não há nada para além disso>.

Biden se apresenta como a oposição (ou uma espécie de efeito reverso) ao avanço da extrema-direita a nível internacional — analisam alguns intelectuais. Entretanto, essa condição que legitimam a figura dele não passa de uma leitura metafísica da realidade. Os intelectuais pequeno-burgueses tendem a romantizar o processo eleitoral norte-americano, embelezando os míseros detalhes na disputa entre figuras da mesma face; num processo viciado e fadado ao projeto da ditadura burguesa. É difícil aceitar a ideia de que o partido democrata tenha qualquer saldo positivo no constrangimento do avanço da extrema-direita. Quem decifrou o dilema metafísico dessa condição, foi o próprio Bolsonaro — efetivando um pronunciamento mais lúcido do que os próprios intelectuais pequeno-burgueses, reconhecendo que “Trump não é a pessoa mais importante do mundo”. Em outras palavras, o projeto da burguesia que se expressava na figura de Trump, não acaba nele, nem se limita a ele. É complicado tentar imaginar que o partido democrata seja um freio na contramão da constituição autocrática e neonazista pelo mundo, assim como no Brasil. Bolsonaro tem algumas opções para demonstrar que não caí diante desse novo fato político; pelo contrário, pode se fortalecer — através de um discurso demagogo em direção ao falso nacionalismo, criando uma aparente oposição ao governo Biden, enquanto desfacela tudo em nome da burguesia nativa — sobre a tutela democrata no norte.

Não da para fazer previsões, mas é possível perceber no campo da história como vem se comportando as figuras do partido democrata. Não é preciso ir muito longe, basta observar o governo Obama, com o próprio Biden como vice. Imputa-se a ideia de que um personagem caricato, moderado e polido com a palidez e tenacidade dos limites formalistas da democracia burguesa, podem animar e criar um novo sentimento de rechaço às políticas da extrema-direita pelo mundo. Esquecem que mesmo Obama, um presidente que se elegeu na condição de representante da classe afro estadunidense, esteve, por exemplo, de forma efetiva e incisiva no apoio ao golpe e instauração do governo neonazista na Ucrânia, em 2014. Também em 2014, Obama relutou em condenar o nazismo como crime, quando estava em votação na ONU — 115 países votaram por criminalizar, somente 3 foram contras: Canada, Ucrânia e EUA. O oposto do rechaço à extrema-direita pode ser verdade. A crescente massificação das políticas extremistas do capital tem evoluído no âmago do governo democrata, desde 2010 isso é evidenciado como uma tendência. Para além da própria KKK, que sempre aparece como a ala de maior radicalismo nos EUA; há também outro movimento de extrema-direita que ganha força, conhecido como Tea Party, que tem sua elevação nos governos de Obama. O movimento teve importância considerável na organização dos setores de extrema-direita nos EUA, dado o fato de não serem uma caricatura envelhecida como as capas brancas.

É inegável a condição geopolítica nos termos anteriores, não é possível vislumbrar grandes diferenças entre democratas e republicanos, uma vez que a política estadunidense é maior do que seus chefes de Estado. Vale ainda lembrar aqui da vez em quê a gestão de Obama grampeou a ex-presidente Dilma e a Petrobras (2015) — o vice-presidente, Biden, também estava na operação. De igual modo, um pouco mais tarde (2017), Biden visitaria o Brasil para conversar diretamente com Temer para sacramentar o golpe e pensar políticas de “modernização econômica” (leia-se desarticular todas as forças organizativas da classe trabalhadora, destruir direitos históricos e etc.). Se nesse momento abriam-se caminhos para a fascistização no Brasil, o candidato democrata, Biden, dava seu pontapé inicial. Para além do nosso continente, o governo Obama também avançava ferozmente no Oriente, efetivando golpes e financiando guerras civis brutais, promovendo um verdadeiro genocídio de muçulmanos civis, alçando o governo que mais disparou míssil (ultrapassando o próprio governo Bush — conhecido como governo de guerra). Talvez um dos momentos mais marcantes na gestão de Obama, foi o espetáculo e a busca incansável por Kadhafi e a destruição da soberania na Líbia. Um verdadeiro show de horrores apresentado amplamente pela mídia como uma gigantesca vitória para a “democracia”.

Percebam, mesmo com todos os elementos mais brandos colocados na figura de Obama, ainda assim o saldo para a extrema-direita continuou à avançar, bem como se intensificaram as intervenções estadunidenses. Um contraste irônico a se fazer é na diferenciação dos governos Trump e Obama. Se colocarmos o cachorro louco ao lado do primeiro presidente negro, o republicano torna-se um mero aprendiz em arrasar as terras alheias. Por outro lado, mesmo representando o ápice do irracionalismo político e ideológico, Trump (muito bem assessorado) conseguiu efetivar uma política diplomática regular para as predições que se faziam à época. O encontro com o líder norte-coreano, Kim Jong Un, é um fato memorável e histórico. Não é palpável imaginar uma medida desse nível vindo dos democratas. Entretanto, não é possível avançar mais do que isso na defesa das políticas de Trump. As políticas do republicano foram em sua maior parte de grande hostilidade dentro do seu próprio terreno. Mas vale aqui a menção de outros momentos em que o cachorro louco esteve perturbando terras alheias, tais como a Venezuela, tentando interferir no processo democrático venezuelano, na capciosa missão de depor um presidente eleito (Maduro) para colocar um cachorrinho do imperialismo, como Guaidó. Bem como os casos no Oriente, no que diz respeito ao Irã e a própria Síria. Para estes povos, o governo Trump pode ser identificado como um governo de terror.

Outro elemento que vem se celebrando nas circunstâncias da eleição de Biden, trata-se especificamente da sua vice, Kamala Harris — uma mulher negra. Boa parte do eleitorado de Biden foi influenciada pela presença de uma mulher negra na chapa, isso como reflexo da massiva insatisfação das bases populares que se intensificaram no meio desse ano, com manifestações extremamente expressivas. Mas esse é um elemento que vale mais atenção do que a própria celebração. O indentitarismo por si só não pode promover vitórias, principalmente quando falamos na máquina imperialista ianque. Parecem se fazer esquecer que os EUA já tiveram uma mulher negra despontando nas lideranças dos governos nacionais estadunidenses, conhecida como Condoleeza Rice, secretária de Estado de George W. Bush (2001–2008). Uma ferrenha combatente do “terror” no Oriente. Rice defendeu inúmeras vezes aquilo que ela chamava de “guerra ao terror” — política expansionista e de ataques deliberados aos países no Oriente que os EUA julgavam “suspeitos de estarem promovendo o terror”. Ela também enfatizou como foi benéfico o golpe armado pelos ianques no Iraque em 2002. Em suma, uma mulher que promoveu e participou ativamente nas políticas do governo Bush contra os povos soberanos mundo afora.

A história está aí para não deixar mentir. A busca pelo “menos pior” só pode acabar num jogo metafísico para saber se atingimos algum saldo desprezivelmente positivo. A derrota de Trump não pode significar necessariamente a derrota da extrema-direita no estrito senso, como vimos aqui. Essa eleição e a mudança na administração imperialista só faz realinhar as políticas da extrema-direita no plano dos limites estéticos do formalismo da democracia burguesa. É preciso observar com cuidado os próximos passos dessa nova fase na política estadunidense. Devido aos elementos apresentados anteriormente, não conseguimos exprimir qualquer celebração na vitória de Biden. Pelo contrário, observamos de forma crítica essa nova guinada, atentos para a atualização da extrema-direita nos termos da placidez e tenacidade no conservadorismo estadunidense.

--

--