Resenha: Apologia da História ou o Oficio do Historiador

Introdução e Cap. 1

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Com uma indagação inicial acerca da utilidade da história, o autor de “Apologia da História ou o Oficio do Historiador”, Marc Bloch, introduz seu livro propondo uma reflexão ampla sobre o conteúdo da história e de quem pesquisa a história. Na perspectiva de um cenário amplo, trata os elementos historiográficos de modo a fazer o leitor refletir inicialmente sobre o dilema da utilidade ou não da história para os homens (gênero humano). Aqui poderíamos discorrer bastante, dada às diversas alternâncias narrativas acerca de uma história “utilitarista”, que não aparece na obra de Bloch tão abertamente, mas que podemos tomar a liberdade de interpretá-lo assim. Entretanto, o autor não vai definir objetivamente a esta inquietude e vai apresenta-nos para outros tantos organismos de pesquisa que precisam ser levados em consideração antes de se afirmar qualquer coisa. Certamente ele busca esgotar o máximo de narrativas possíveis para que não nos deixe duvidar que, de fato, estamos sendo inseridos no emaranhado das ciências humanas. Mas há um importante ponto que é preciso estar exposto antes que definamos qualquer coisa sobre o papel da história, ponto esse que Bloch trata de forma bastante qualitativa ao fazer referência à história enquanto uma ciência em sua infância. Neste sentido, podemos afirmar com alguns cuidados, que ainda estamos vivendo o estudo do “homem no tempo” dar seus primeiros passos; é preciso, portanto, avançar diante de uma totalidade de fatores que compõem tais conhecimentos para antes dizer-nos o que de fato trabalha o estudo histórico.

É diante desse cenário que Bloch vai avançar sobre a construção do conhecimento histórico, somos mais uma vez apresentados a pensar uma interdisciplinaridade antes de se pensar um método em si. Assim, é possível entender que antes mesmo de estudarmos a história, estudamos também as mudanças das ciências humanas de forma ampla. Dessa forma, as mudanças acompanham as ciências humanas, ora política, ora sociologia, ora jornalismo, mas nem sempre parece ser história, as mudanças do presente alteram consideravelmente como se observa a história das coisas no passado. A importância dessa compreensão se da pela busca de um conhecimento dos objetos históricos qualitativamente. A negação do universalismo no estudo histórico só pode desse modo, produzir especialistas sobre determinados assuntos, não mais do que isso. “Toda ciência, tomada isoladamente, não significa senão um fragmento do universal movimento rumo ao conhecimento” (pág. 50). Isso fica cada vez mais em evidência quando contrastamos com as abordagens da atualidade[1]. Alguns intelectuais praticam o caminho inverso desse estudo, partindo da particularidade ao todo, o que só pode trazer problemáticas[2] para o entendimento do próprio estudo do homem na temporalidade. O que Bloch está tentando nos dizer aqui é que assim como a ciência da natureza tem que considerar inúmeras variantes para se chegar concretamente em um objetivo, sem que um esteja desconexo com o outro; a ciência histórica também o faz atribuindo a competência de entender os homens no tempo e dentro de um campo universal e nessa soma das coisas é que poderemos construir um diagnóstico para estabelecer a consciência de determinados povos, sua cultura e o papel que o contexto em que se insere nosso objeto de estudo para poder absorver com o máximo de honestidade possível as factualidades e as subjetividades que ali se encontram. Sempre buscando o caminho do complexo até o particular, não o contrário. Na mesma direção de um universalismo histórico, encontramos na obra de Bloch a questão da “interferência na pesquisa”. Quer dizer, não uma interferência negativa, mas uma interferência que trás inquietações para serem respondidas pelo próprio pesquisador. Assim como o autor viveu em tempos de guerra[3], num cenário de cerceamentos e perseguições contra intelectuais da história, seus estudos sofreriam por óbvio uma forte interferência. A imparcialidade nesse sentido, ela é inexistente. Mesmo que Bloch não vivesse tal circunstância, suas questões particulares ainda moldariam seu objeto de estudo, diferentemente, por exemplo, da relação pesquisador e pesquisa nas ciências naturais.

As propostas metodológicas de Marc Bloch para a ciência histórica são fundamentais para uma renovação do estudo histórico como conhecemos, deixando uma vasta escola de pensadores que bebem diretamente de seus estudos. A interdisciplinaridade, a questão da pergunta-problema, e tantas outras formas de se estudar a história que ele apresenta ao longo do livro, dão ao leitor um grande arsenal de possibilidades. Esse arsenal torna-se importante para superar algumas limitações que antes tínhamos, como os positivistas. Não é possível tratar a história apenas enquanto uma leitura externa dos acontecimentos, ela está inserida na própria humanidade. Supera as metodologias mecanicistas, os dogmáticos e os deterministas. Entretanto, é necessário ficar atento para que não acabemos confundindo a crítica desses elementos, com a exclusão deles das nossas percepções, isso seria um erro. A superação dessas limitações não perpassa pelo afastamento desses elementos, mas ao contrário, pela maior aproximação e suporte qualitativo. Elas isoladas podem ser negativas e sugerir alguns vícios para o pesquisador, mas quando unidas a outros elementos, podemos avançar de forma qualitativa na compreensão de uma ciência mais madura.

[1] A atualidade enquanto pós-modernidade trás átona o irracionacionalismo como figura presente no âmago das ciências humanas, que apresenta uma abordagem que direciona o estudo da parte em direção ao todo, bebendo de uma grande característica em Nietzsche, atribuindo o sujeito histórico como um sujeito isolado da sociabilidade histórica. Podemos constatar isso no extenso estudo promovido pelo filósofo húngaro Gyorge Lukács, no seu livro “A Destruição da Razão” (2020, pág. 277, Ed. Coleção Fundamentos)

[2] É sempre problemática a ideia de uma história particularista, o qual concebe a identidade acima do todo, pois pode promover deformações no método de analise e dificilmente poderemos traçar com exatidão uma história que integre povos diversos.

[3] Marc Bloch participou ativamente da Primeira Guerra Mundial e mais tarde, na França, foi capturado pelo exército nazista e executado em 1945.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. In: _______. Introdução e Capítulo I: A história, os homens e o tempo. RJ: Jorge Zahar Ed. 2001.

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