A estratégia de construção de conteúdo no perfil de um influenciador digital e a transformação de seguidor em fã

Andressa Brum
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Published in
10 min readNov 9, 2023

O consumo de conteúdo nas redes sociais, como fonte de informação, entretenimento e busca ativa por conhecimento faz parte da rotina do usuário padrão destas redes. E com estratégia, frequência e alinhamento de discurso, o produtor de conteúdo consegue ser mais do que um “perfil no feed”, ele passa a ocupar o lugar de persona íntima desse usuário.

Mas primeiro, para entendermos a relação do usuário com os influenciadores no Brasil precisamos ir um pouco mais fundo e entender a relação dele com as plataformas de redes sociais. Segundo um estudo realizado pela Comscore em 2022 e apresentado em 2023, o Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais no mundo, ficando atrás apenas da Índia e Indonésia, com 131,5 milhões de usuários conectados.

E não é qualquer rede! Segundo o mesmo estudo, o brasileiro consome majoritariamente o YouTube, Facebook e Instagram, que atingem alcances de 96,4%, 85,1% e 81,4%, respectivamente. Com esses dados, podemos concluir que a maior parte da massa que deve ser engajada e abastecida ainda se encontra em plataformas mais “antigas”.

E se você acha que não vale a pena ser influencer no Brasil, está enganado! A pesquisa também mostra que engajamento de conteúdos promovidos por influenciadores representou 22,3 bilhões de ações em 2022, ou seja, 59% do engajamento das plataformas. No total, os influencers foram responsáveis por 9% dos conteúdos publicados durante todo o ano de 2022.

Diante de todos esses números, o que faz o usuário se tornar seguidor? E o que torna esse seguidor um fã? Não podemos negar que a oferta de conteúdos nas redes é imensa, mesmo com uma demanda muito densa de usuários conectados. E vamos partir da premissa, que neste texto abordaremos o seguidor como um usuário comum, que não interage, não curte ou comenta, não compartilha e não se posiciona frente ao conteúdo que recebe. Já o fã torna essa interação um vínculo pessoal, engajando nas publicações porque sabe o valor disso, curtindo, comentando, compartilhando e, sempre que possível, defendendo seu “ídolo” de todos os ataques sofridos.

Para ilustrarmos este texto, analisaremos o perfil da influenciadora digital brasileira Virgínia Fonseca. Com o intuito de entender seu conteúdo, linha editorial e estratégias que tornam seus seguidores em fãs e que a reconhecem como uma marca para além da pessoa.

Levando em conta que para analisarmos o perfil usaremos a associação feita por Recuero de que as conexões são feitas através de interações. Sendo elas curtidas, comentários, compartilhamentos ou outras formas de interação com o conteúdo publicado. Para analisarmos esses fatores, vamos usar como primeiro degrau os valores estabelecidos por Raquel Recuero, como visibilidade, popularidade e legitimidade. Segundo a autora “quanto mais conexões associativas alguém tem, maior a sua visibilidade, que dá acesso a valores como popularidade, no sentido de serem conhecidos pelos demais atores. Assim, a partir das ações individuais para construir melhor acesso à informação, os atores decidem a quem desejam conectar-se ou não. Ao efetivar essa decisão, cada um contribui diretamente para a popularidade de determinados nós e a não popularidade de outros, tornando certos atores mais visíveis e outros menos.”.

Pensando por este lado e olhando para nosso objeto de estudo, Virgínia possui em seu Instagram 44,5 milhões de seguidores e uma média de 1,5 a 2,5 milhões de curtidas em suas publicações. Sua visibilidade é constatada através de seus números expressivos e gigantescos na plataforma. Quanto maior o número de seguidores, maior o número de vezes que a conta é sugerida a outros usuários. Quanto mais conexões ela possui, mais o conteúdo é direcionado a usuários que podem se interessar por ele. Regra básica do algoritmo das redes sociais e que ela sabe utilizar muito bem a seu favor.

Para este conteúdo circular com eficácia, Virgínia precisa ser autêntica e agarrar outro valor também estabelecido por Recuero como importante neste aspecto: a legitimação. Para a autora, ele se define como “o reconhecimento do outro como presente na rede”. Ou seja, quanto maior a visibilidade, mais conteúdos circulando, maior sua popularidade na rede, mais pessoas sabendo quem é essa persona e mais ela se torna propriedade de fala sobre aquele conteúdo. Seguindo sua linha editorial e formato, Virgínia consegue com esses conceitos ser melhor, maior e forte no que se propõe a compartilhar dentro de suas plataformas.

E como nossa influencer constrói esses conteúdos? Simples. Virgínia não é composta somente por uma pessoa física, mas uma equipe de conteudistas e profissionais de marketing que estudam seu público e suas características todos os dias. De forma bem objetiva, vamos analisar com conteúdos e detalhes do perfil de Instagram do nosso objeto.

Se manter destacado em uma plataforma onde 9% dos conteúdos são feitos por influenciadores não é uma tarefa fácil. Para isso, vale-se olhar para um último conceito de valor de Raquel Recuero que usaremos neste texto, o da reputação. Por ela, observamos que “é construída pela percepção dos demais das ações de cada ator em cada ferramenta, através dos investimentos compartilhados e pela legitimação da “face” ou identidade cujos valores se deseja ter associados.”. Mas quais os valores transmitidos pela Virgínia Fonseca?

Em sua maioria, a influencer posta conteúdos relacionados às suas filhas, seu esposo e a rotina da família, sejam em viagens, shows, festas e eventos mais íntimos. Com isso Virgínia constrói seu primeiro valor, o familiar. É muito importante frisar que no Brasil, onde os valores familiares são aclamados e abraçados por uma população grande de direita e extrema direita, digamos que ela soube pescar bem esse público.

Feed Instagram Virgínia Fonseca

Outro valor importantíssimo para esse mesmo público, que ela cativa com a família, é o religioso. Segundo a pesquisa Global Religion 2023, produzida pelo instituto Ipsos, nove em cada dez brasileiros dizem acreditar em Deus. A pesquisa acontece em 26 países e classificou o Brasil como o primeiro no ranking quando o assunto é acreditar em um Deus ou poder superior. Isso leva nossa influencer direto a um ponto onde a maioria dos brasileiros se enquadra: a religião. Trazer isso para dentro do seu conteúdo, de forma discreta e quase imperceptível como estratégia, é o ponto de sucesso. Além de manter no perfil sua preferência religiosa dando “Toda honra e glória a Deus”, Virgínia usa o nome de Deus em diferentes momentos. Seja para comemorar uma viagem, promover sua marca ou postar um conteúdo com as filhas. Sempre vai haver algum agradecimento a um poder superior.

Descrição da biografia do perfil
Foto com as filhas em férias na Disney

Outro olhar interessante neste mesmo ponto de vista é sobre o que de fato o fã quer ver. Não podemos discordar que até aqui Virgínia segue impecável sua linha editorial, trazendo valores agregados à sua imagem e se transformando em uma marca sólida e condizente com seus discursos.

“…pensar sobre os tipos de conteúdo desejados e necessários para essas comunidades, e que melhor forneçam matéria-prima para as conversas e as atividades que já são do interesse de tais grupos.”. Nesse trecho, Henry Jenkins nos mostra que o conteúdo precisa ser produzido em função do fã, não de um desejo pessoal. As linhas demarcadas precisam ser seguidas à risca. E nisso, trago dois exemplos claros. Um post seguindo o conteúdo proposto pela influencer e o segundo com conteúdo de sua marca própria, com características que ela não tem em seu perfil “pessoal”.

Na primeira, observamos o apoio e carinho dos fãs, interagindo e comentando sobre a família, a filha e a relação das duas. As expressões podem ser percebidas pela linguagem e pelos emojis utilizados nos comentários. Outra coisa que se nota com facilidade é a quantidade de curtidas que a publicação possui, mais de 1.8 milhões.

Já nesta segunda imagem, uma postagem em seu perfil com conteúdo de divulgação para um produto de sua marca. Ao se mostrar mais sensual, como uma campanha publicitária normal, ela é atacada por alguns seguidores, porque eles estão dentro do seu perfil, e defendida por seus fãs, que se fazem presente para argumentar em favor dela. Uma imagem completamente comum, mas que foge a linha editorial principal que ela se propôs a fazer. Além dos ataques, a imagem também mostra uma diminuição de mais de 1 milhão de curtidas no conteúdo. Não só o ódio ou crítica construtiva disfarçada, mas os seguidores não aprovam e não criam conexão alguma com um conteúdo que foge do foco principal, o real motivo que os trouxeram até ali.

Uma ferramenta que convida o usuário a ser cada vez mais participativo no conteúdo que consome, o influenciador precisa se moldar a esses apelos e interrupções em tempo real. Se reinventar e criar estratégias que agradem o seu público todos os dias.

Para além de uma pessoa, que se expõe e mostra sua rotina, Virgínia chegou a um tamanho e uma força tão grandes que a transformam em uma marca. E podemos observar alguns aspectos interessantes e claros dessa afirmação. Ilustrando de forma mais clara, trouxe alguns tópicos do código de conduta das Lovemarks (Kevin Roberts).

1) Não se esconda.

Mesmo diante de muitas polêmicas, que em vezes podem ser causadas por ela mesma para gerar visibilidade, Virgínia sempre está divulgando seus produtos, empresas, compromissos, parcerias e inclusive a carreira do esposo, o cantor Zé Felipe. Se tornar visível e não se esconder, traz a ela o holofote que ela precisa para ser popular.

2) Guarde sua reputação de forma zelosa.

Como disse anteriormente, Virgínia também se envolve em polêmicas, mas todas muito controladas e quase “plantadas” para seu próprio benefício. Com o apelo religioso e familiar muito forte, ela se mantém atrás da linha de celebridades que gostam de estar na mídia por pautas negativas.

3) Forneça um ótimo design.

Podemos observar de forma muito clara a estética utilizada pela influencer em seu perfil. Respeitando uma paleta de cores já estabelecida, as fotos não fogem do tom que parece acompanhar todo o feed. As imagens, mesmo que ilustrando a rotina de vida, estão sempre muito bem produzidas seja em maquiagem, figurino e cenários, que não mostram falhas quanto à estética. Outra coisa muito sutil, mas que segue todos os conteúdos são os emojis. Virgínia utiliza os mesmos pictogramas em todas as suas publicações, caracterizando seu conteúdo e trazendo reconhecimento visual para quem a segue.

4) Mereça confiança.

Este conversa perfeitamente com o conceito de reputação abordado no início deste texto. Com a construção de uma linha editorial pautada em valores claros e que abraçam seu seguidor, Virgínia se torna confiante e tem seu discurso validado por todos que consomem o que ela propõe vender.

Diante de tantos números expressivos e conquistas dentro das plataformas, Virgínia consegue se aproximar do seu seguidor e torna-lo fã por entregar o conteúdo que ele quer consumir. Trazer esse usuário que só acompanha para um local participativo, contribuinte, ouvinte e coprodutor, faz com que esse simples seguidor interaja de forma colaborativa e ativa, tornando-o um fã.

Justificando minha afirmação acima, trago ainda mais alguns números que mostram o poder da pessoa e marca Virgínia Fonseca dentro do seu nicho.

Em 2021, no período pós-pandemia, Virgínia criou a marca wepink. Uma marca de cosméticos, perfumaria e maquiagem voltada para mulheres jovens. A empresa já é dona de muitas conquistas desde sua inauguração. Além de possuir 2 milhões de seguidores no Instagram, ela faturou nos dois anos de mercado mais de R$ 378 milhões de reais. E apenas no formato live marketing, atingiu o número de R$ 59 milhões em produtos vendidos. Essas lives duram em torno de 12 a 13 horas seguidas, com uma miscelânea que vai de shows do Zé Felipe a dancinhas coreografadas pela Virgínia.

Com os números de ticket médio ocultados do público, a empresa possui preços bem acima da média de mercado brasileiro e algumas polêmicas no currículo. Sendo a maior delas a base da empresa, que chegou a custar R$ 199 nos primeiros dias e hoje custa R$ 139, e recebeu uma enxurrada de críticas e avaliações negativas quanto à sua qualidade. O também influenciador brasileiro Felca fez um dos vídeos mais polêmicos e podemos dizer hilários sobre a base. Onde ele testa o produto, usando de forma incorreta e com muita ironia. O vídeo no YouTube tem mais de 14 milhões de visualizações.

Outra notícia atual, onde mostra o poder de influência e visibilidade da Virgínia é que ela foi convidada pela emissora brasileira de televisão, SBT, para começar a testar o formato de um programa de auditório. O “Sabadou com a Virgínia” tem a promessa de ir ao ar a partir de 2024 e tem como ideia inicial trazer para o público quadros musicais e dancinhas das plataformas de redes sociais. A principal ideia de emissora é trazer anunciantes de peso e o apelo de um público ultrapopular, que enxerga na influenciadora um potencial muito forte.

Com todos esses números e resultados, é difícil não validar a consistência e sucesso na construção do perfil da influenciadora Virgínia Fonseca e sua perfeita estratégia em transformar seus seguidores em fãs assíduos dela como pessoa e como marca.

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