Como é que as subculturas chegam ao mainstream?

Tiago luis sacramento
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8 min readNov 9, 2023

O caso KFC

1- Existe uma fórmula para viralizar?

Como marketeer, parece que hoje em dia ficar viral é o grande objetivo nas redes sociais. Muito mais que passar uma mensagem, impactar a vida dos seguidores ou até produzir conteúdo de qualidade.

No entanto, a verdade é que todas estas coisas estão interligadas. Conteúdos virais, apenas atingem este milhões de visualizações porque representam algo para um grupo de pessoas, mais ou menos amplo, que os quer ver e consumir. Para muitas equipas de marketing, “viralizar” é o grande objetivo pois deste modo conseguimos atingir milhões de pessoas com um investimento de tempo e dinheiro bastante reduzido. Isto significa que o custo por visualização será praticamente nulo, o que é bastante vantajoso para qualquer empresa.

Para além desta vantagem financeira, a empresa beneficia ainda das menções em outras meios e publicações do meio. No marketing, a este fenómeno de Earned Media, algo que autores de especialistas em marketing definem como: “ (…) conteúdo disseminado em meios públicos por entidades externas à marca, como jornalistas ou os próprios consumidores, e onde a marca não tem qualquer controlo.” (gra et al., 2015). Foi ainda provado que este fenómeno tem um impacto bastante positivo no Brand Equity das marcas e empresas juntos dos consumidores. Em suma, estas tornam-se mais credíveis aos olhos consumidor.

Sumário das vantagens do viral

Agora fizemos esta pequena contextualização sobre os aspetos atrativos de produzir conteúdos virais, podemos avançar de forma informada para a leitura do resto do artigo. Durante os parágrafos a seguir vamos abordar a forma como certos conteúdos viralizam no tiktok e mais em concreto, de que modo é que a subculturas e os nichos podem chegar ao mainstream?

Estás preparado para aprender mais sobre este assunto? Se sim, não percas mais tempo e continua a ler.

2- Mas afinal, o que é uma subcultura?

Na literatura, o termo “subcultura” é definida de uma forma ou de outra, de maneira relativamente consensual, «(…) as subculturas são grupos de pessoas que têm algo em comum umas com as outras (i. e. elas partilham um problema, um interesse, uma prática) que as distingue de um modo significativo dos membros de outros grupos sociais». (Thornton, 1997: 1).

Estas não são apenas estilos de vida ou modos de expressão, são maneiras de resolver os problemas vividos pelos indivíduos de uma sociedade que os posiciona como diferentes. Este modo de expressão adotado apenas por certos indivíduos de uma sociedade, cria um nicho muito específico. Os conteúdos produzidos por este nicho têm, não só uma linguagem própria, mas também um aspeto visual bastante distinto.

2.1- O Shitposting e a ligação ao Dadaísmo

Agora que estabelecemos as bases, subcultura que vou estudar em concreto chama-se Shitposting. Este termo foi primeiramente cunhado em plataformas como 4chan, twitter e reddit, no início dos anos 2000. Com a ajuda da Cambridge University, podemos melhor definir o shitposting como: “Something put on the internet that is not especially funny or interesting and does not make much sense, or does not have anything to do with what is being discussed, especially in order to make it difficult for other people to discuss something”.

Para contextualizar, vou elaborar pouco mais sobre esta subcultura que muitos acreditam ter como base o movimento artístico do Dadaísmo. Este foi um dos movimentos que surgiu início do século XX. O seu nome é derivado da palavra dada, que, no fundo, não tem significado. Isto dá ainda mais força a um Surgiu para contrariar a racionalidade, privilegiando o nonsense (ausência de significado). Para suportar esta ideia recorri a um artigo da New Media & Digital School da University of Amsterdam, que afirma: “(…) This frequently involves what could be compared to the dadaist technique of collage. They adapted the technique used by the cubists to aggregate objects from everyday life, forming “a chaotic visual diary of modern life.”

Shitposting vs Dadaísmo

Se analisarmos as características do Dadaísmo, com ajuda da imagem acima podemos observar que existe um paralelismo claros com o Shitposting.

Característica do movimento:

1. Qualquer matéria serve para a composição heterogênea dos temas;

2. Cores berrantes aplicadas de forma grosseira, uso de colagens;

3. Uso de tendências surrealistas e abstracionistas.

Marcel Duchamp e a sua obra “Fonte” em 1917, são por muitos considerados a obra e o Dadaísta mais reconhecida de sempres. O Dadaísmo é um movimento que negava totalmente a cultura mainstream, defendia o absurdo, a incoerência, a desordem, o caos. Hoje em dia, com o surgimento das redes sociais, o Shitposting é a forma mais conhecida de expressão Dadaísta.

3- Análise do caso KFC Portugal

Agora que introduzimos brevemente as subculturas e estamos cientes das vantagens de produzir conteúdos virais para as empresas estamos prontos para analisar o caso do KFC.

Cada plataforma tem uma linguagem específica, saber identificar e reproduzir essa linguagem ditará o sucesso do conteúdo produzido. O caso do KFC Portugal e sua campanha viral é bastante interessante, não só por ter como base uma subcultura underground mas também pelo tiktok ter sido a plataforma escolhida para a por em prática. Conteúdos que antes eram produzidos de forma estática, foram agora adaptados a vídeo de uma forma bastante bem sucedida.

Foi na data de 10/10/2022 que foi postado o primeiro vídeo no conta de tiktok do KFC Portugal. Este teve apenas 2100 visualizações e não teve grande impacto. Podes encontrar este vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=NQtJ5Jxy3uE

Foi apenas 33 vídeos depois, no dia 19/12/2022 que o primeiro vislumbre do viral é adquirido. Com 17.7 mil visualizações este ainda era um número baixo mas já conseguimos começar a ver o potencial. Percebemos ainda que existiu um curva de aprendizagem de cerca de 2 meses e 33 tentativas diferentes. Consciente ou inconscientemente existem algumas regras que começam a ser formadas e que quando seguidas de forma consistente, apresentam resultados. Falaremos delas mais à frente no capítulo “Os 8 mandamentos do viral”. Podes encontrar o primeiro vídeo a atingir as 10.000 visualizações aqui: www.tiktok.com/@kfc_pt/video/7178923308711234822

O primeiro momento viral ia chegar quando vemos o primeiro vídeo a pagar o milhão de visualizações. Este bom trabalho foi rapidamente seguido de um vídeo com 2 milhões e 5 milhões na mesma semana. Apesar de existir um certo grau de aleatoriedade, a cada vídeo reparamos que existem pontos em comum e podemos começar uma receita para o sucesso. O ponto mais importante e evidente começa a ser “Transições, cortes, cores, mudanças de ângulo, são importantes para prender a atenção do espetador, devem a cada 3s.”, algo antes inexistente e agora mais prevalente. Reparamos que o administrador desta página começa agora a dominar esta arte cada vez mais. O primeiro vídeo a ficar verdadeiramente viral, pode ser encontrado aqui: www.tiktok.com/@kfc_pt/video/7201186278065360133

Durante o próximo mês, vamos o cimentar desta presença online com vários vídeos a passar as 500 mil views. É ainda atingido um novo record de views situado nos 7.9 milhões. Começamos agora a reparar de uma forma ainda mais clara que anteriormente que a marca se foca ainda mais em fazer o remix de tendências que estão já decorrer na plataforma.

No geral podemos considerar esta campanha bastante bem sucedida, pois de forma orgânica geraram mais de 70 milhões de visualização. Isso traduz-se num aumento das receitas assim como da brand equity e brand awereness.

Resultados da campanha após 1 ano

3.1- A cultura do remix

“A ideia de “redes sociais” é uma metáfora estrutural para que se observem grupos de indivíduos, compreendendo os atores e suas relações. Ou seja, observam-se os atores e suas interações, que por sua vez, vão constituir relações e laços sociais que originam o “tecido” dos grupos.” (Recuero, 2017)

“O Remix, é definido como prática social e comunicacional, o intercâmbio criativo de informação a partir das TIC, apoia-se na apropriação, recombinação e reutilização de aspetos de uma cultura partilhada. É este conjunto de práticas a constituir pilar da cibercultura em que, segundo diversas vozes, nos encontramos atualmente (…)” (Lemos, 2005). Este Remix é portanto bidirecional, ou seja, tanto a marca influência os conteúdos criados pelos outros utilizadores, como os outros utilizadores influenciam conteúdos criados pela marca.

Como podemos ver de forma clara, o exemplo abaixo encara nitidamente o que foi dito por André Lemos no ano 2005. Podemos observar que os utilizadores participam e interagem de forma ativa com o conteúdo, criando as suas próprias replicas e iterações do que vêm.

Vídeo que exemplifica a cultura do remix

Com este vídeo podemos perceber que o que André Lemos disse em 2005 é cada vez mais verdade. Hoje em dia, não são apenas os utilizadores que interagem com as marcas, mas também as marcas com os utilizadores. Estas procuram trends e movimentos que possam aproveitar para produzir conteúdos. É possível concluir que esta interação é portanto bidirecional.

Os 8 mandamentos do viral

No ponto final deste artigo, vou fazer uma análise à conta de tiktok do KFC Portugal, analisar todos os conteúdos produzidos e perceber de que forma conteúdos produzidos com base na mesma subcultura podem variar entre milhares e milhões de visualizações.

8 Mandamentos do viral

Após a análise destes conteúdos, consegui encontrar algumas “regras” que condensei nestes 8 mandamentos do viral:

1- No início, quantidade sobre a qualidade;

2- Publicar o máximo de vezes possível.

3- Usar sons/músicas populares, mesmo que estejam em mute;

4- Vídeos em loop fazem o espetador ver o mesmo vídeo mais vezes;

5- Duração de cerca de 20 segundos, não mais;

6- Estar atento às trends que vão surgindo:

7- Os # não importam.

8- Transições, cortes, cores, mudanças de ângulo, são importantes para prender a atenção do espetador, devem a cada 3s.

Apesar de existir um fator de aleatoriedade em relação ao algoritmo do TikTok, estas foram as semelhanças que todos os vídeos que viralizaram tinham. Apesar de esta não ser uma lista definitiva do que funciona ou não, ela consegue começar a encontrar as semelhanças entre eles e a construir uma base mais acertada de regras a seguir.

Espero que com este breve artigo tenhas ficado a perceber mais sobre as subculturas e aprendido mais um pouco sobre uma campanha de marketing bastante interessante e bem sucedida.

E não te esqueças, caso queiras ser uma artista de shitposting, usa os 8 mandamentos do viral. 😉

Referências bibliográficas

Baetzgen, A., & Tropp, J. (2015). How can brand-owned media be managed? Exploring the managerial success factors of the new interrelation between brands and media. International Journal on Media Management, 17(3), 135–155.

GUARNIERI , JP de Magalhaes. Shitposting: an analysis of its practices and meanings. New Media & Digital School da University of Amsterdam, 2017. Disponível em: <https://mastersofmedia.hum.uva.nl/blog/2017/09/24/shitposting-an-analysis-of-its-practices-and-meanings/> Último acesso: 25/10/2022

Lemos, André (2005). “CIBER-CULTURA-REMIX”. Comunicação apresentada no seminário Sentidos e Processos, no evento Cinético Digital, Itaú Cultural, agosto de 2005, São Paulo. Disponível em: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/remix.pdf

Recuero, Raquel. Introdução à análise de redes sociais — Salvador: EDUFBA, 2017. 80p.: (Coleção Cibercultura).

THORNTON, Sarah. Club cultures: music, media and subcultural capital. Hanover. Wesleyan University Press, 1996.

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