O relacionamento e conexão do fandom do produto transmídia Rebelde após 15 anos do fim da banda

Uma análise da produção de conteúdo de um fã clube à luz da cultura de fãs.

Juliana Mondaini
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12 min readNov 7, 2023

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Se você foi pré-adolescente ou adolescente nos anos 2000 no Brasil, certamente acompanhou a febre que foi a novela mexicana Rebelde, veiculada em televisão aberta entre 2004 e 2006. Se não for o caso, puxe a cadeira e sinta-se confortável que lá vem história.

A trama audiovisual contava a história de seis alunos do colégio Elite Way School, que buscavam se descobrir como indivíduos enquanto viviam conflitos da juventude. Conflitos que, em meio a veiculação da novela, os espectadores reconheciam e se identificavam, tal como a magia do primeiro amor, a importância da amizade, a força e coragem para seguir seus sonhos, questões sobre sexualidade, crises familiares, desigualdade de classe e outros temas que, sendo franca, não eram tão abordadas em canais abertos naquela época. Todas essas questões e as experiências da adolescência trazidas pelo enredo ressoaram com uma geração que se enxergou vivendo a história.

Novela Rebelde

(1) RBD — Abertura Rebelde — 1 Temporada — YouTube

Durante a desenrolar da novela, esses seis indivíduos tão diferentes uns dos outros acabam encontrando uma paixão em comum: a música. E daí que surge a banda RBD. Inicialmente, a perspetiva artística iria ser restrita ao mundo fictício. O que aconteceu é que a banda transcendeu as telinhas e ganhou muita força em meio aos adolescentes, se tornando um verdadeiro fenômeno mundial. A força e identificação era tanta que, mesmo após o fim da novela em 2006, a banda continuou arrastando uma legião de fãs pelo mundo e especialmente pelo Brasil, realizando 4 turnês mundiais em 4 anos, todas sucesso de bilheteria e que contaram com visita a mais de 20 país e mais de 110 cidades. O sucesso inclui cenários de grande importância como Madison Square Garden, Coliseum e Maracanã. O RBD foi a banda latino-americana de maior bilheteria, com mais de 10 milhões de ingressos e 15 milhões de cópias vendidas.

Banda RBD

(1) RBD — Solo Quedate En Silencio — YouTube

No total, o grupo lançou 9 álbuns de estúdio, 6 de vídeo, 5 álbuns ao vivo, 2 EP, 21 singles, 7 singles promocionais e 15 videoclipes. O sucesso também veio com o reconhecimento de prêmios, como a dupla nomeação ao Grammy Latino, prêmios Billboard Latin Music Awards, Premios Oye!, Premios Juventud, TVyNovelas, Lo Nuestro, Orgullosamente Latino e muitos outros. Os seus discos, na época se esgotavam em horas nas lojas. RBD também colecionou inúmeros discos de platina, ouro e diamante e, até hoje, ocupa o segundo lugar entre os artistas internacionais que mais venderam discos no Brasil, ficando atrás apenas de Michael Jackson. A banda se transformou em marca, lançando bonecas, produtos de higiene e alimentação e material escolar.

Jenkins define como produto transmídia um produto em que histórias e narrativas são frequentemente contadas em várias mídias e plataformas, permitindo que os espectadores explorem o universo da narrativa de várias maneiras. Ou seja, o que começou como novela, se transformou em uma banda, discos, shows, redes sociais, videoclipes, marca e muitos outros.

Banda RBD

Ser fã de Rebelde, na época, era colecionar e trocar figurinhas para o álbum, era pedir para a mãe um tênis ou mochila da novela, era saber todas as músicas e ensaiá-las na hora do intervalo com seus melhores amigos e discutir quem seria qual personagem. Era trocar opiniões sobre os acontecimentos da novela, aprender espanhol para saber o significado da letra e ver a entrevistas nas revistas adolescentes para saber as últimas novidades. E para quem teve uma festa de aniversário com a temática Rebelde, você venceu na vida! E claro que, na lista de presentes do aniversário tinha que ter a boneca da personagem favorita, que no meu caso era a Mia. Durante a época, era comum encontrar jovens com as famosas estrelas na testa, cabelos tingidos de vermelho ou com roupas do Elite Way School, tradicional caracterização dos personagens.

Fandom RBD nos anos 2000

Em 2008, ainda no auge do grupo, os integrantes anunciaram a separação e fim da banda, deixando milhares de fãs desolados. Entretanto, o grupo foi capaz de conquistar uma legião de admiradores com uma fidelidade — desculpe, isso é spoiler — que ainda perdura até hoje, mesmo depois de 14 anos do seu encerramento. Importante lembrar que, nessa época, a rede social popularizada no país era o Orkut, uma plataforma que operou até 2014 no Brasil, e junto aos blogs, eram as plataformas usadas para compartilhamento e criação de comunidades e conteúdos. Não estávamos nem perto da quantidade de redes e plataformas que temos hoje, quanto menos da produção que os fandoms mais recentes realizam atualmente.

Mas isso não impediu a continuação da história. Pelo contrário, o fandom acompanhou as transformações tecnológicas, novas redes, novas trends e sobreviveu por anos e mais anos, mesmo sem novela, concertos ou produções musicais novas. O amor de fã foi mantido e alimentado pela nostalgia de ser criança e adolescente nos anos 2000 e abrigado pelo acompanhamento das carreiras solo e vidas pessoas dos integrantes.

Os “RBDmaníacos” passaram exatos doze anos sem nenhuma novidade do conjunto. Entretanto, em 2020, após batalhas judiciais por direitos autorais, parte da discografia foi disponibilizada nas plataformas digitais. O lançamento das músicas atingiu recorde de playlist mais escutada em 24 horas, com acúmulo de 175 mil streams. No mesmo ano, em meio à pandemia, 4 dos 6 integrantes do grupo de reuniram e participaram de uma live de reencontro chamada Ser o Parecer, The Global Virtual Union, que foi exibida mundialmente e contou com mais de 1 milhão de espectadores simultâneos.

Live Ser o Parecer em 2020

(1) RBD — Live Ser o Parecer 2020 Completo — YouTube

Após 15 anos separados, em janeiro de 2023, RBD anunciou a volta aos palcos com 5 dos 6 integrantes. O quinteto vem trazendo com a “Soy Rebelde Tour”, desde o início dos concertos, momentos repletos de nostalgia com os maiores sucessos do grupo, visuais icônicos com muitas referências e claro, muita emoção, tanto por parte dos fãs como dos ídolos. No total, serão 53 apresentações, sendo 8 datas no Brasil, que tiveram seus ingressos esgotados em minutos.

Poster Soy Rebelde Tour 2023

Os fãs, que costumavam colecionar itens da banda, usar um adesivo de estrelinha na testa e encenar performances na escola agora estão na faixa etária de 20 a 30 anos, competindo por ingressos para os shows que chegam a custar 850 reais. Vários desses fãs passaram mais de década produzindo conteúdos e compartilhando notícias, fan art, fanfics, remixando cenas da novela e videoclipes e mantendo viva a emoção e criatividade do “ser fã”.

Fandom RBD 2023

Um exemplo dessa relação duradoura e fiel combinada à produção de conteúdo é o portal de fãs The Best of RBD, que surgiu quando a banda ainda existia, em 2007, no formato de uma rádio online. A proposta era interagir com os fãs do Orkut e levar informações da banda o mais rápido possível, já que por ser mexicano, as informações não chegaram com a mesma velocidade que nos dias de hoje. A rádio foi um dos maiores e mais movimentos tópicos das comunidades oficiais da rede e ficou online anos com músicas, informações e interações ao vivo.

Radio The Best of RBD

Com a chegada do Facebook, o The Best of RBD migrou para a rede a fim de continuar partilhando memes, montagens e notícias sobre a banda, além de interagir com os fãs. Assim como fez com cada rede social que foi surgindo e ganhando espaço, sempre acompanhando a linguagem e a forma de relacionamento e conteúdo de cada plataforma.

Em 2019, a TBO, junto a outros grandes fã clubes do RBD, criou o evento Show do RBD sem o RBD, que surgiu de um meme postado no Facebook do portal. Um evento fictício no Facebook já contava com 50 mil pessoas confirmadas e se tornou um grande evento presencial no Hopi Hari, em São Paulo. para quase 5 mil pessoas.

Atualmente, a The Best of RBD está presente no Facebook, Twitter, Instagram, Tik Tok e voltou a atualizar o site de notícias e segue com o seu propósito inicial, que segundo seus membros, é de unir a geração, divertir e informar os RBD maníacos.

The Best of RBD nas redes

O que motivou esse fenômeno e como isso foi possível? Será pura nostalgia e lembranças da infância e adolescência, ou existe algo mais profundo relacionado ao fã? Como os membros do The Best of RBD sustentaram sua relação com os ídolos e manteve a sua idolatria ativa e leal por tanto tempo mesmo não havendo novas produções? Qual foi o papel das novas tecnologias na manutenção da comunidade de fãs da banda RBD?

Tais perguntas podem ser respondidas em reflexão ao que Henry Jenkins chama de Cultura da Convergência, que ele diz ser caracterizada por várias mudanças significativas na maneira como as pessoas consomem, produzem e participam de conteúdo de mídia, ou seja, a transformação das relações entre produtores e consumidores de conteúdo. Dessa forma, as fronteiras tradicionais entre mídias se tornam cada vez mais permeáveis e interligadas.

É possível notar a presença dessa convergência ao observar a movimentação de conteúdos por meio de diferentes plataformas no estudo do objeto, o portal de fãs The Best of RBD. Jenkins afirma que a convergência é um processo, que vai se adaptando a cada novidade tecnológica lançada ou a cada novo modo de consumo de um conteúdo, o que o fã clube realizou nos 16 anos da sua atividade.

Além disso, a cultura participativa é presente a todo instante, visto que os consumidores de mídia, que antes eram apenas telespectadores da novela, não são mais apenas receptores passivos de informações. Eles estão, atualmente, envolvidos na criação e distribuição de conteúdo.

Em sua obra Cultura da Conexão (2014), Henry Jenkins observa como as tecnologias digitais e a internet têm um papel central na transformação da cultura contemporânea, permitindo uma maior conectividade, interação e participação das pessoas na criação e compartilhamento de conteúdo. Em uma cultura da conexão, as pessoas estão interconectadas por meio de dispositivos digitais e mídias sociais. Isso leva a mudanças na maneira como as pessoas se comunicam, interagem, compartilham informações e participam da cultura. Tal fato é notável ao compararmos como era a relação e interação entre os fãs da banda em 2008, e como é hoje com o advento das redes sociais. O que antes era um material centralizado, hoje é disperso e disponível em diversos locais. O que antes nem tinha interatividade, hoje proporciona uma participação livre. Com o passar dos anos, o que contava apenas com a aderência, hoje conta também com a propagabilidade, que segundo Jenkins, se trata do potencial que os conteúdos possuem de serem compartilhados.

O autor também destaca como essa participação ativa dos fãs não apenas enriquece a experiência do consumidor, mas também tem implicações significativas para a produção e a indústria de mídia como um todo. Ele observa que os fãs desempenham um papel fundamental na criação, expansão e reinterpretação das obras de mídia que amam. O fã clube The Best of RBD retrata um exemplo de participação ativa de fãs, assim como mostram o engajamento de longo prazo que é uma característica dessa cultura. Jenkins afirma que os fãs podem permanecer envolvidos por anos ou até décadas, continuando a apoiar e contribuir para a comunidade de fãs. Ademais, o fã tem uma influência significativa nas próprias obras de mídia. Os criadores muitas vezes reconhecem e respondem aos desejos dos fãs. Exemplos disso são as outras versões e reboots da novela e até mesmo a volta da banda.

Rebelde Brasil (2011)
Rebelde Netflix (2022)

Por falar em volta da banda, a nostalgia que o fã do RBD carrega consigo se dá por alguns fatores. Primeiramente, ao fato de ter começado como uma telenovela, que pelo próprio formato mobiliza milhares de telespectadores fiéis que relembram as narrativas como momentos da infância. Isso acontece devido a identificação que as narrativas geram e com os laços afetivos que são criados. Quando essa nostalgia está relacionada à uma memória coletiva, segundo Maurice Halbwachs, ela ganha dimensões muito maiores e mais confiáveis. Se a lembrança individual pode se basear também na lembrança de outras pessoas, “os fatos passados assumem importância maior e acreditamos revivê-los com maior intensidade, porque não estamos mais sós ao representá-los para nós (2006, p.30).

No Facebook, o fã clube conta com seu maior público em um total de 782 mil seguidores. Nessa plataforma, os membros postam montagens, fan art, notícias da banda e da nova turnê, compartilham informações sobre eventos e publicam memes. Anos atrás, o grupo também criava álbuns com fotos de fãs e de eventos anuais que organizavam.

Conteúdo compartilhado no Facebook no início da conta no Facebook (2012)

No Youtube, única plataforma que não foi atualizada neste ano, eram adicionados vídeos de entrevistas, reposts de notícias, unboxing de itens da marca Rebelde, jogos e curiosidades. A rede conta com 830 inscritos e tem vídeos de até 14 mil visualizações.

(1) Desafio Torta na Cara — The Best of RBD — YouTube

Já no Instagram, a página coleciona exatos 200 mil seguidores, com conteúdos diversos e no auge do engajamento proporcional ao número de seguidores. Na rede, são compartilhados memes, reels, notícias, posts de ajuda aos fãs que vão aos shows, fotos e vídeos dos últimos shows da turnê e montagens de cenas da novela e shows antigos.

Instagram

O fã clube também está presente no Twitter, com 22 mil seguidores, onde compartilha notícias de forma mais rápida, realiza coberturas ao vivo de shows e possui uma forte interação com outras páginas de fã clubes e outros fãs.

Na plataforma Tiktok, o portal conta com 8158 seguidores e 277 mil curtidas, compartilhando produções próprias e também de outras contas. Dentre as postagens estão, em sua maioria, compilação de cenas da novela e da banda, vídeos dos shows desse ano e produções engraçadas seguindo trends da plataforma.

Tiktok

Por último, no site oficial do fã clube, são compartilhadas as notícias da banda, assim como a discografia, letras de músicas, videoclipes e informações sobre a história do grupo.

Após a análise das redes, da transformação do tipo conteúdo e do entendimento dos termos definidos por Henry Jenkins, é possível concluir que a convergência das mídias e a cultura da conexão desempenharam um papel fundamental na sustentação da relação entre os fãs do RBD e a banda, mesmo após o término das produções. A participação ativa, a criação de conteúdo, a influência da nostalgia e da memória coletiva e o sentimento de comunidade contribuíram para manter vivo o fandom, além de sustentar a produção ativa das páginas do The Best of RBD.

Os administradores da página, por 16 anos, continuaram a criar conteúdo relacionado ao produto transmídia, como vídeos de tributo, fan art e eventos. Essa atividade criativa permitiu que os fãs mantivessem viva a memória do grupo. A convergência das mídias permitiu que os fãs revisitassem memórias associadas à novela e à banda, e essa nostalgia fortaleceu os laços emocionais entre eles, não só dos membros, mas também dos fãs que acompanhavam as publicações.

Fazer parte de uma comunidade de fãs é uma forma de pertencimento e expressão de identidade pessoal. Essa conexão entre os próprios fãs no aspecto de comunidade, definitivamente, tiveram uma importância significativa na sustentação do fandom.

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