Bookstagrammers: que táticas de Marketing utilizam?

Catarina Palma
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Published in
11 min readNov 6, 2023

Promoção literária pelo mundo

A leitura é uma prática que tem sido influenciada por várias questões sociais, geográficas, culturais e económicas ao longo dos anos. Mais recentemente, no contexto da Sociedade em Rede, a acessibilidade à literatura cresceu surpreendentemente não só através dos diversos formatos em que os livros são apresentados e dos dispositivos utilizados para leitura, mas também em questões de visibilidade e do consumo deste produto. Cada vez mais leitores têm vindo a considerar a experiência literária como uma atividade coletiva global, ao invés de uma atividade individual.

O chamado “universo literário” tem sofrido inúmeras alterações no que toca ao comércio, á promoção e ao próprio consumo de livros. Por exemplo, atualmente, existem plataformas de subscrição que permitem o acesso a uma vasta seleção de livros e audiobooks, como é o caso da Scribd e da Audible, mas também de Bibliotecas Digitais.

Neste contexto, o mercado da edição também expandiu globalmente e está cada vez mais longe do que era o modelo tradicional de tradução e distribuição de livros selecionados pelas grandes editoras.

Rudolf Steiner (2018) indica que as estruturas do mercado literário estão em constante desenvolvimento, sendo que os sucessos e fracassos relacionados com a circulação de livros no mercado literário tornaram-se cada vez mais imprevisíveis, o que se reflete num mercado caracterizado pela presença de várias entidades ou organizações literárias ligadas às poucas grandes editoras.

J. B. Thompson refere que todos os processos associados à distribuição e divulgação do livro estão associados às vendas e ao marketing. Esta tarefa é de uma relevância especial na paisagem comunicacional atual, já que vai permitir apresentar o livro aos consumidores, suscitar o seu interesse e disponibilizá-lo para venda em pontos relevantes para o seu consumo. Devido à competição pela atenção mediática, esta etapa revela-se especialmente desafiante, o que obriga os profissionais envolvidos a desenvolver estratégias eficazes inovadoras para cumprir este objetivo.

Outra característica interessante de observar no mercado editorial é a dinâmica entre a indústria cinematográfica e literária, sendo que o cinema passou a ser um dos principais pontos de promoção entre os consumidores literários e as editoras. Um exemplo deste fenómeno é o livro Gone Girl da autora Gillian Flyn (2012), que verificou um aumento exponencial nas vendas aquando do lançamento da versão cinematográfica baseada no livro ou mais recentemente, a série “Lupin” (Netflix) que fez disparar o interesse pela série de livros do francês Maurice Leblanc. O mesmo vale para “Bridgerton”, outra produção da Netflix, que gerou uma procura pelas obras da norte-americana Julia Quinn.

Além destas mudanças, também ocorreram evoluções tecnológicas impulsionadas por grandes empresas tecnológicas da atualidade, como por exemplo, criação de serviços que possibilitam a publicação de livros de autores independentes, como é o caso do Kindle Direct Publishing ou o Wattpad, que é essencialmente uma plataforma social onde os usuários se conectam com seus escritores favoritos, leem e escrevem histórias originais.

Desta forma, as áreas de vendas, marketing e comunicação encontram-se completamente interligadas com o uso tecnológico e a visibilidade dos serviços de subscrição ou de tecnologias híbridas que permitem consumo de livros aos seus consumidores através da comunicação online em plataformas.

Apesar destes dados indicarem que as compras em lojas digitais ainda não são as preferenciais em Portugal, o facto é que esta vertente está a ganhar terreno, levando as editoras tradicionais a procurar novos modelos de negócio e estratégias de marketing e focarem-se cada vez mais na promoção nos livros considerados êxitos de venda. Este conceito enquadra-se no campo do marketing estratégico, que é definido por Wardaya (2016) como sendo uma atividade que aborda um mercado específico e desenha um plano de comunicação e publicidade adaptado ao mesmo.

Das páginas para as Redes

A partir de 2020, durante a pandemia da Covid-19, o distanciamento social fez com que as redes sociais, potencializassem novas formas de manutenção dos laços sociais entre os indivíduos nesse período de isolamento, transformando-se então numa extensão da sua vida cotidiana.

Segundo uma pesquisa da Opinion Box, a rede social que ganhou mais destaque neste período foi o Instagram, pois 72% do público entrevistado passou a utilizar essa rede social com maior frequência. Esse fato deve-se, principalmente, à capacidade de criação de conexões com outros indivíduos e aos assuntos que essa plataforma disponibiliza.

Assim, o Bookstagram, também chamado de Bookgram ou IG literário, surgiu como uma comunidade on-line que reúne indivíduos que partilham para além do gosto pela leitura, a paixão pelos livros e pela experiência proporcionada por esses objetos.

A comunidade literária do Instagram atualmente conta, para a hashtag “#bookstagram”, com mais de 58 milhões de publicações, segundo dados da própria rede. Nela é possível encontrarmos conteúdos relacionados ao tema, como por exemplo resumos, fotos e vídeos de livros, onde estes indivíduos expressam as suas opiniões acerca do objeto literário.

A compra de livros físicos e e-books, por exemplo, por meio do e-commerce, obteve crescimento em 2020, sendo 44% maior que no ano anterior, segundo dados da Neotrust/Compre&Confie, evidenciando o protagonismo do comércio on-line nesse período de isolamento. Nessa perspetiva, nota-se também o aumento no interesse pela leitura durante a pandemia. Segundo a pesquisa divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o volume de livros vendidos cresceu 131,27% no quarto período de 2021, em relação ao mesmo período de 2020.

Marketing de parcerias

Uma pessoa vê um produto, encontra uma marca que têm uma opinião positiva sobre aquele produto e a dai surge um interesse. Mais tarde essa pessoa vai para casa, fala com os amigos sobre o produto, procura nas redes sociais e percebe que toda a gente está a falar sobre este mesmo produto. Em quem é que esta pessoa iria confiar mais de forma a comprar realmente este produto? Nos amigos, pois existe uma proximidade e uma confiança de que eles iram dar uma opinião mais sincera do que uma marca daria.

Tendo consciência deste pensamento, no panorama das editoras, os Bookstagrammers são “amigos” dos seus seguidores. Ou seja, são vistos como pessoas que, tal como eles, têm um amor pela leitura. Muitas das vezes estes seguidores acompanham estes perfis pelo simples interesse em ler livros novos.

Em termos de Marketing, aos perfis com esta relação próxima com os seus seguidores, dá-se o nome de nanoinfluenciadores ou microinfluenciadores.

Em termos práticos, as editoras enviam livros para este tipo de influenciadores com o objetivo de vender este produto de forma mais eficaz, pois são um ótimo meio para levar o seu produto a um publico específico.

Em Portugal, o mercado literário aumentou consideravelmente graças aos jovens/ jovens adultos, que são quem mais lê atualmente e as editoras estão a apostar tudo neles. Jovens como Mariana Matos, Mariana Nunes, Elga Fontes, Miguel Gonçalves e muitos outros foram os principais responsáveis pelo aumento da procura de livros como as novelas gráficas, livros de fantasia, aventura, romances e a literatura importada.

Graças aos seus 66 mil seguidores no Instagram e 11 mil no TikTok, Mariana Nunes, de 21 anos, gaba-se de já ter contribuído, com as suas recomendações, para fazer esgotar alguns livros em Portugal, como “Caraval”, de Stephanie Garber. “Tinha sido lançado em 2017, mas as vendas não foram boas. Eu li-o em 2021, adorei e fiz vários vídeos. A editora disse-me que depois disso as vendas subiram imenso e acabou por esgotar”, conta a jovem de São Brás de Alportel.

No entanto, Elga Fontes, do Bookstagram e Blog “Quem me lera” afirmou no post de aniversario do blog que “As editoras precisam de nós mais do que nós precisamos delas (…) Sei que muitas vezes os números parecem indicar o contrário, mas a realidade é esta. Um bookstagrammer acaba por ser muito mais do que um simples leitor — é escritor, crítico, publicitário, criador de conteúdos, “influencers” … a contribuição é tanta que se torna significativa. Não são as parcerias com editoras que valorizam uma conta, porque no fundo são elas que mais precisam de nós e do trabalho que fazemos diariamente para promover hábitos de leitura”.

Por muito que seja bom receber livros em casa, isto não é um favor, é estratégia de marketing. E estes influenciadores são uma parte essencial nesta estratégia e a discussão mais falada é o facto de que estas interações deveriam ser pagas, pois, este conteúdo leva tempo e dedicação, mas o mercado literário em Portugal ainda não desenvolveu neste sentido. Existem parcerias pagas, mas na maior parte das vezes os influenciadores têm de negociar várias vezes com a editora e ser eles próprios a cobrar pelo seu trabalho.

@chroniclesofmariana — Estratégias de Marketing

Mariana Nunes têm sido uma das bookstagrammer mais influente dos últimos tempos nas redes sociais, mas o que a faz realmente com que o seu perfil seja tão atrativo aos olhos deste publico?

Assim que abrimos o seu perfil podemos reparar que na sua bio identifica se como alguém que simplesmente lê bastante, mas também podemos logo observar que a sua conta é baseada no chamado “perfil astethic”, onde as suas paletas de cores são quase sempre em tons pastel ou tons terra e as suas fotos são mais minimalistas. O Instagram é uma rede social baseada em imagens. Por isso, uma identidade visual faz toda a diferença na hora de criar o seu perfil do bookgram, e também de divulgá-lo.

É conhecida pelas anotações coloridas e trabalhadas que faz nas páginas dos seus livros, onde a maior parte dos comentários envolve algo do género “Quem me dera conseguir fazer anotações tão bonitas quanto estas”.

Na sua última publicação, onde participou num meet and greet da autora Lucy Score, criado pela editora marcador e pela presença na Fnac, obteve o maior número de likes desde a criação do perfil em 2020. Apesar de as publicações sobre as maiores novidades literárias não lhe ficarem muito atrás.

É conhecida também pelos encontros literários que promove, como por exemplo, o projeto “estrelinhas” organizado em conjunto com a biblioteca de Alportel.

Este ano, a pedido dos seus seguidores, começou uma nova rubrica mensal chamada “Revista Literária Chronicles”, onde aborda vários temas, como o “Book lover box”, “Livros a que tens de ler este outono” e muito mais.

A Mariana interage bastante com os seus seguidores, mas também interage e acompanha outros perfis. Dá like, comenta e divulga as publicações de outros Bookstagramers e colabora com eles em algumas situações, como foi o caso das transmissões da feira do livro através de lives.

Algo em que a Mariana tem grande facilidade é em ser transparente com os seus seguidores, tanto nas publicações literárias, como ao partilhar questões da vida dela e quando apresenta temáticas de “lifestyle”. De nada adianta ter um instagram sobre livros se a pessoa não for honesta sobre as suas impressões. O que mais faz o bookstagram da Mariana crescer é o facto de ela falar de livros que gosta, por recomendar apenas produtos que ela de fato usa, e porque, até em casos de resenhas negativas, ela tenta manter sempre a educação e o respeito.

Serviços de Subscrição de Livros

Este tipo de oferta já não é algo novo no mundo literário nos outros países da Europa, no entanto, em Portugal, chegou apenas em 2019. Helena Magalhães, escritora e jornalista freelancer, lançou o “Book Gang”, um clube do livro online, com o objetivo de “Pôr a geração digital a ler” e para juntar num único espaço as suas sugestões de leitura.

Começou por lançar o desafio de ler em conjunto a partir do Instagram, A Grande Solidão, de Kristin Hannah e o sucesso foi imediato, tendo o livro se tornado viral no Instagram. Os leitores começaram a aparecer, a comunidade a crescer, numa procura por descobrir boas sugestões, novidade, e ler em conjunto. A criação de uma livraria Book Gang foi o passo seguinte, mas só com a criação recente das caixas de subscrições a oferta ficou completa. Nesta box de subscrição mensal os leitores recebem em casa os livros do mês para ler. Segundo Helena Magalhães, “os leitores de hoje estão no digital e a literatura em Portugal tem de se adaptar a esta nova forma de comunicar e vender livros. O fraco incentivo à leitura, a falta de representação dos livros nos media e redes sociais e o tabu em torno da literatura atual levaram à crise literária que se vive em Portugal”. Helena é uma voz ativa, não só no incentivo à literatura em Portugal, mas no papel das mulheres no mundo literário português.

Com uma média de 400 subscritores mensais, o Book Gang “não quer tornar-se concorrente das livrarias, mas sim uma alavanca para a venda de livros”.

Para além das caixas de subscrição mensais, podemos encontrar também uma oferta mais recente chamada “Blind date with a book”.

Para além deste grande sucesso, várias editoras seguiram o incentivo e criaram as suas próprias caixas, como foi o caso da Leya, da Tinta-da-china, da Desrotina (do grupo infinito Particular), da Fnac e mais recentemente da Wook.

Para além os livros, estas caixas oferecem brindes relacionados com as histórias e muitas vezes até merchandising dos livros.

Uma nova forma de incentivar a leitura nas redes

No dia 4 de Fevereiro deste ano, a Penguin Random House desvendou finalmente o que era a @boldreadspt, que nasceu como uma página de Instagram enigmática, mas era na verdade um novo projeto da editora para incentivar os mais jovens a ler. A apresentação levou mais de três centenas de pessoas até ao Bubble Time, no Parque das Nações. Além de se terem anunciado vários dos próximos lançamentos para um público jovem adulto, como “O Primeiro a Morrer no Final”, de Adam Silvera, a editora confirmou a vontade de criar uma relação mais próxima com os seus leitores, quer através de mais eventos literários, on e offline, quer de brindes especiais nas pré-vendas e até edições exclusivas, por exemplo com bookplates autografados.

Rodrigo Manhita, que faz parte do departamento de Marketing e Comunicação da Penguin, afirmou para a revista TimeOut que “Estando familiarizado com a cultura asiática e a forma como entende e divulga produtos culturais, tinha uma visão um pouco diferente e dinâmica de como se poderia fazer marketing [de literatura]. Percebi que faltava realmente um espaço e um canal onde se pudesse comunicar os livros destinados a um público jovem adulto, uma vez que publicamos vários títulos que se enquadram neste género, mas que estão espalhados pelos diferentes selos editoriais, desde a Topseller à Suma de Letras”.

Na página de Instagram da Bold Reads, os leitores não só têm acesso a recomendações de “leituras ousadas”, como a mensagens audiovisuais de diferentes autores, inclusive internacionais, e até a vários “behind the scenes”, com a participação de editores, tradutores e designers. A ideia é desmistificar o mundo editorial e incluir os leitores na conversa.

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