Qual a influência dos Fãs na reinterpretação e disseminação de conteúdo? — O caso de Game of Thrones.

Teresa Alexandre
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10 min readNov 8, 2023

Nos últimos anos, a influência dos fãs na reinterpretação e disseminação de conteúdo ganhou destaque significativo, com o fenômeno da série de televisão “Game of Thrones” servindo como um exemplo emblemático. A série, baseada nos romances de George R.R. Martin, conquistou uma base de fãs fervorosa e ávida por participar ativamente na experiência de contar histórias. Esta interação entre os criadores de conteúdo e os fãs gerou uma dinâmica única, onde os fãs desempenharam um papel crucial na forma como a narrativa se desdobrou e foi reinterpretada, muitas vezes influenciando as escolhas criativas dos produtores.

Imagem 1 — Poster promocional da última temporada de Game Of Thrones.

Os fãs de “Game of Thrones” tornaram-se mestres na criação de teorias, especulações e análises detalhadas, frequentemente debatendo os rumos da narrativa e o destino de personagens. Eles não apenas consumiram passivamente o conteúdo, mas também o transformaram ativamente. As redes sociais, fóruns de discussão e comunidades online tornaram-se espaços onde os fãs compartilhavam as suas interpretações e visões sobre a série. Essa participação intensa dos fãs influenciou a maneira como a série era recebida, discutida e até mesmo como se desenrolava, à medida que os criadores buscavam atender às expectativas e reações dos fãs.

No entanto, essa influência dos fãs não se limitou apenas ao âmbito da discussão online. O envolvimento dos fãs também afetou as estratégias de marketing, o desenvolvimento de produtos e até mesmo a produção de conteúdo adicional relacionado à série. Ao examinar o caso de “Game of Thrones”, podemos compreender como os fãs desempenharam um papel fundamental na maneira como a série foi percebida, adaptada e expandida, demonstrando o poder da interação entre criadores e consumidores na era digital.

Imagem 2 — Elenco de Game Of Thrones com George R.R. Martin, o seu criador.

A cultura de fãs é um fenómeno sociocultural que vai além do simples consumo de obras de entretenimento, transformando-se numa comunidade vibrante e participativa. Ela é caracterizada pelo profundo envolvimento emocional dos fãs com as suas paixões, seja em relação a filmes, séries, livros, jogos ou outros elementos culturais. Os fãs não apenas consomem o conteúdo, mas também o reinterpretam, criando fanfics, fanarts, teorias e participando ativamente em discussões online. Essa cultura de participação intensa cria uma teia de interações que conecta fãs e criadores, moldando coletivamente a experiência cultural.

A competência mediática desempenha um papel crucial na forma como os fãs participam e contribuem para a cultura. Ela engloba a capacidade de interpretar, analisar e criar media de maneira crítica e eficaz. Os fãs, muitas vezes, desenvolvem competências mediáticas ao navegar por uma variedade de plataformas online, onde compartilham e consomem conteúdo relacionado às suas paixões. Essas competências mediáticas não apenas enriquecem a experiência dos fãs, permitindo-lhes compreender as nuances das narrativas e personagens, mas também os capacitam a influenciar ativamente a direção das obras que amam.

A relação entre cultura de fãs e competência mediática é sinérgica. Os fãs, ao desenvolverem as suas competências mediáticas, tornam-se não apenas consumidores, mas também criadores de conteúdo. Eles contribuem para a expansão do universo das suas paixões, criando um ciclo contínuo de participação e influência. Esta interconexão entre cultura de fãs e competência mediática destaca a importância de compreender como os consumidores contemporâneos não apenas consomem, mas também co-criam ativamente o cenário cultural em que estão imersos.

Imagem 3 — Fãs de Game of Thrones a fazer cosplay de personagens da série na ComicCon Brasil.

A obra “Cultura da Convergência” de Henry Jenkins é um marco essencial na compreensão da interseção entre os media, a tecnologia e a participação do público na era digital. Publicado em 2006, Jenkins explora como a convergência mediática transformou radicalmente a paisagem da cultura popular. Ele argumenta que a convergência não se limita à fusão de diferentes formas de media, mas também envolve a participação ativa dos consumidores na criação e disseminação de conteúdo. Jenkins destaca como a convergência redefine a noção de autoridade mediática, permitindo que os consumidores se tornem proativos na produção e distribuição de material cultural.

Ao longo da obra, Jenkins introduz o conceito de “produsage”, uma fusão de produção e consumo, para descrever a prática colaborativa em que os consumidores se envolvem na criação de conteúdo. Ele examina casos emblemáticos, como o fenómeno dos fãs que produzem conteúdo adicional para as suas séries favoritas. “Cultura da Convergência” fornece uma análise abrangente das mudanças sísmicas na paisagem mediática, destacando a importância de entender a participação ativa dos consumidores e a influência da convergência na maneira como consumimos e produzimos conteúdo na era digital.

A obra “Cultura da Convergência” de Henry Jenkins apresenta uma perspetiva valiosa ao explorar as interconexões entre a cultura de fãs e a convergência mediática. Jenkins destaca como a convergência não apenas reconfigura a produção de media, mas também empodera os fãs a tornarem-se participantes ativos na construção do universo cultural que amam. A convergência, conforme discutida por Jenkins, é um catalisador para a cultura de fãs, proporcionando um terreno fértil para a criação colaborativa de conteúdo. A capacidade dos fãs de reinterpretar, remixar e expandir as narrativas, como discutido em relação à cultura de fãs, é um fenómeno que encontra a sua expressão na convergência, onde a fusão de diferentes medias e a participação ativa dos consumidores convergem para redefinir as dinâmicas culturais e mediáticas. Esta abordagem sinérgica entre a cultura de fãs e a convergência destaca a transformação profunda na relação entre consumidores e conteúdo na era digital.

Imagem 4 — Henry Jenkins.

“A Cultura da Convergência” de Henry Jenkins encontra notável ressonância no contexto do fenómeno cultural que envolve “Game of Thrones”. A série, baseada nos livros de George R.R. Martin, não apenas incorporou os princípios da convergência mediática, mas também testemunhou a força impulsora da cultura de fãs em ação. Os fãs de “Game of Thrones” foram além do papel tradicional de consumidores, participando ativamente na produção de teorias, análises e criação de conteúdo adicional. A convergência, conforme delineada por Jenkins, é evidente na maneira como a série se expandiu para além da tela, envolvendo os fãs em discussões online, especulações sobre enredos e até mesmo na produção de material fan-made.

A cultura de fãs em “Game of Thrones” tornou-se intrínseca à narrativa, à medida que os fãs exerceram influência não apenas na interpretação do plot, mas também na resposta dos criadores às expectativas do público. A convergência de diferentes medias, como os livros, a série televisiva e as plataformas online, criou um ambiente propício para a cultura de fãs prosperar. Assim, a obra de Jenkins lança luz sobre como a convergência e a cultura de fãs interagem de maneira dinâmica, moldando não apenas a receção de “Game of Thrones”, mas também o seu impacto duradouro na cultura popular.

Publicado em 2003, a obra Fandom: Identities and Communities in a Mediated World de Jonathan Gray explora a cultura dos fãs e as comunidades de fãs que se formam em torno de diferentes formas de media, como filmes, programas de televisão, música, literatura e muito mais. A obra de Jonathan Gray aborda questões relacionadas ao comportamento dos fãs, à criação de identidades e subculturas, à participação ativa dos fãs na produção de conteúdo e à influência dos fãs na cultura popular.

Imagem 5 — Jonathan Gray.

Gray analisa como os fãs se envolvem com as obras de media que amam, como constroem a sua identidade como fã e como contribuem para a disseminação e a transformação do conteúdo mediático. Além disso, o livro discute o papel dos fãs na promoção e no sucesso de várias franquias mediáticas. Esta obra é uma contribuição significativa para a compreensão da cultura de fãs e das dinâmicas que a envolvem.

A pergunta no qual este artigo se centra é: como é que os fãs utilizam os seus recursos mediáticos para reinterpretar e disseminar conteúdo relacionado à série “Game of Thrones”? No entanto, vou-me focar na última temporada desta pois está envolta de controvérsias e diferentes opiniões da parte dos seus fãs. Com esta pergunta pretendo chegar ao porquê de os fãs serem uma parte tão grande na criação de conteúdos e o porquê da competência mediática ter um papel tão importante na cultura de fãs.

Vamo-nos focar na última temporada da série Game Of Thrones especificamente porque essa foi incrivelmente importante em termos mediáticos por várias razões: a última temporada prometia respostas para muitas perguntas não respondidas ao longo da série, incluindo quem acabaria no Trono de Ferro. Essas revelações eram extremamente aguardadas pelos fãs. A série era conhecida pela sua produção de alta qualidade, com cenários deslumbrantes, efeitos especiais impressionantes e batalhas épicas. A última temporada continuou essa tradição, elevando as expectativas em relação à qualidade visual e técnica e devido ao histórico de qualidade da série, as expectativas para a última temporada eram muito elevadas. Os fãs esperavam um final digno e satisfatório para a narrativa. “Game of Thrones” tornou-se num fenómeno da cultural global, influenciando a narrativa e o estilo de muitas outras produções de TV. A sua última temporada representou o encerramento de uma era na televisão, o que o tornou um evento mediático ainda mais significativo. Em resumo, a última temporada de “Game of Thrones” foi importante em termos mediáticos devido ao seu enorme impacto cultural, às altas expectativas, ao seguimento leal dos fãs e à sua capacidade de gerar discussões e debates em larga escala. Ela marcou o fim de uma era na televisão e deixou uma impressão duradoura no mundo do entretenimento.

Os fãs de “Game of Thrones” têm aproveitado de maneiras criativas e variadas os recursos mediáticos disponíveis para reinterpretar e disseminar conteúdo relacionado à série, especialmente após a última temporada. Plataformas como redes sociais, fóruns de discussão e blogs tornaram-se campos de batalha para debates acalorados e análises detalhadas. Os fãs utilizam memes, gifs e vídeos para expressar humor, críticas ou até mesmo criar finais alternativos, reimaginando o desfecho da série de acordo com suas preferências.

Além disso, a produção de fanfics e fanarts floresceu como uma forma de os fãs explorarem narrativas alternativas e desenvolverem personagens de maneiras que divergem das escolhas feitas pelos criadores da série. Essas expressões artísticas e literárias não apenas representam uma forma de escapismo, mas também servem como uma maneira de os fãs reivindicarem a narrativa e explorarem diferentes direções para a história.

Imagem 6 — Still image do último episodio da última temporada de Game of Thrones.

A convergência de medias também desempenha um papel significativo, com os fãs a utilizar plataformas como YouTube para criar vídeos de análise, teorias e revisões críticas. Dessa forma, eles contribuem ativamente para a discussão cultural em torno da série, influenciando a perceção pública e, em alguns casos, até mesmo impactando as escolhas criativas futuras em projetos relacionados a “Game of Thrones”. Essa capacidade dos fãs de se apropriarem dos recursos mediáticos disponíveis demonstra como a cultura de participação ativa continua a moldar a narrativa mesmo após o fim da série.

Uma fanfic notável que ganhou destaque após a última temporada de “Game of Thrones” é “The North Remembers” escrita por Tony Teflon. Nesta fanfic, o autor reimagina o desenrolar dos eventos após a Batalha de Winterfell, apresentando uma narrativa alternativa que diverge significativamente das escolhas feitas pelos criadores da série. Em “The North Remembers”, Teflon explora desenvolvimentos mais complexos para os personagens, oferecendo novos destinos e motivações. A fanfic também aborda as críticas dos fãs em relação ao desenvolvimento dos personagens na última temporada, proporcionando uma narrativa que ressoou com aqueles que buscavam uma abordagem diferente para o desfecho da série.

Imagem 7— Imagem da capa da fanfiction “The North Remembers” por Tony Teflon (SilverRavenStar).

Esta fanfic em particular tornou-se uma fonte de discussão entre os fãs, ilustrando como a comunidade online se envolve ativamente na recriação e expansão do universo de “Game of Thrones” por meio da criação de conteúdo alternativo e imaginativo.

Em conclusão, a interseção entre a cultura de fãs, a convergência mediática e a participação ativa dos consumidores na era digital é vividamente ilustrada no caso de “Game of Thrones”, respondendo assim à questão colocada ao longo da investigação. A obra de Henry Jenkins, “Cultura da Convergência”, fornece um arcabouço teórico para compreender como a convergência transforma não apenas a produção de media, mas também a maneira como os consumidores interagem com o conteúdo. No contexto específico da última temporada de “Game of Thrones”, os fãs demonstraram uma notável capacidade de utilizar os seus recursos mediáticos, desde petições online e campanhas de crowdfunding até fanfics, fanarts e vídeos analíticos no YouTube.

A cultura de fãs emergiu como um elemento fundamental na narrativa cultural contemporânea, não apenas consumindo passivamente, mas reinterpretando ativamente e até mesmo co-criando o conteúdo que amam. As expressões artísticas e as narrativas alternativas geradas pelos fãs proporcionam um insight valioso sobre o papel dinâmico que a audiência desempenha na era digital. Assim, o caso de “Game of Thrones” não é apenas um exemplo isolado, mas um reflexo mais amplo de como a convergência e a cultura de fãs continuam a remodelar as interações entre criadores e consumidores, moldando a paisagem mediática de maneira única e participativa.

Referências Bibliográficas:

Jenkins, H. Cultura da Convergência.

Gray, J. Fandom: Identities and Communities in a Mediated World.

Duffett, M. Understanding Fandom: An Introduction to the Study of Media Fan Culture.

Escurignan, J. TV Fandom Across Media Transnational Fans and Transmedia Experience of Game of Thrones.

A67368, Teresa Alexandre

Comunicação, Tecnologia e Media Digitais

Mestrado em Comunicação e Media Digitais

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