Esqueça o “fora da caixa”, mas tente sair da sua zona de conforto

Priscila Gonsales
#Conexão Educadigital
5 min readMay 9, 2016

Em vez de querer abandonar ou romper com um certo sistema consolidado, experimente arriscar dentro desse mesmo sistema

Primeiro precisamos defini-la, ela, a “caixa”, cada vez mais citada para simbolizar uma sensação de enclausuramento relacionada a estruturas ou situações tradicionais rígidas ou pouco flexíveis. Você deve ouvir a todo tempo que precisa sair e pensar fora da caixa para fazer algo que realmente seja considerado bacana, diferente, arrojado... ou seja, tudo de ruim costuma estar associado à “caixa” e vc deve ir contra ela, é o que nos diz o manual do planeta inovação — aquele em que todos querem chegar desesperadamente, mas cujo mapa ninguém tem de fato.

Não há um mapa porque o caminho não é preciso, assim como viver também não é (viva Fernando Pessoa!). Mas… e quando a “caixa” é o nosso próprio ambiente de trabalho? A gestão da instituição em que atuamos? Nossa dinâmica familiar? Um sistema de ensino estruturado? Quando a “caixa” representa algo complexo demais, talvez o melhor caminho não seja negá-lo ou ignorá-lo nem mesmo esforçar-se para eliminá-lo. Será que apenas pensar em agir fora da caixa não geraria uma atitude pouco empática de nossa parte em relação às pessoas ao redor dessas “caixas” todas?

Visitei a exposição de Santos Dumont no recém-inaugurado Museu do Amanhã, no Rio, e saí de lá com a frase de Guimarães Rosa na cabeça: “mestre não é quem ensina mas quem de repente aprende”. Não fazia ideia que o notório pai da aviação tinha aprendido tanto com os próprios erros. Ele sofreu vários acidentes com seus protótipos de aviões que não funcionaram e nem por isso se cansou de por a mão na massa e seguir aprimorando até que o sucesso viesse depois de 10 anos de tentativas fracassadas. Além de inovador, Santos Dumont é considerado também o “patrono dos makers”, como escreveu Ronaldo Lemos, especialmente por ter sempre compartilhado seus estudos e projetos, para que pudessem ser reutilizados ou servir de inspiração a outros estudiosos.

É interessante notar que Santos Dumont não precisou sair fora da caixa em sua empreitada de cientista-inventor. De família abastada dona de fazenda de café, desde criança ele era fascinado pelo funcionamento dos maquinários agrícolas e também pelos livros de ficção científica de Julio Verne. Seu pai um dia lhe disse que a única coisa com a qual ele precisaria se preocupar era com os estudos em Paris, pois por toda a vida teria tranquilidade financeira garantida. A “caixa” do inventor estava posta e ele não se viu obrigado a abandoná-la para poder “inventar” o avião. Ao contrário, ele preferiu conviver com ela.

O que ele precisou fazer mesmo foi sair da zona de conforto. Conforto de um futuro próspero de riqueza que pouco exigiria de seu esforço de trabalho. Conforto de ter errado tantas vezes, ótima justificativa para a desmotivação. E conforto de alguns fatores negativos que poderiam levá-lo à estagnação, já que nenhum deles favorecia suas atividades:

  • Falta de um incentivo propriamente: ele não estava recebendo um financiamento (patrocínio, bolsa etc) de terceiros para se aventurar nas pesquisas sobre aviação;
  • Falta de conhecimento total sobre o tema: ele sabia que muitos outros cientistas, de variadas nacionalidades, antes dele, já tinham se aventurado na área, por isso preferiu estudá-los e não construir do zero;
  • Falta de um mestre para seguir: ele criou seu próprio estilo, seu jeito de ser e agir, e até de se vestir; não igual, mas diferente;
  • Falta de haver um momento propício (ou certo): ele não esperou que uma determinada data ou ocasião chegasse para iniciar seus inventos;

Além da retaguarda financeira para investir em suas invenções e equipes de trabalho, Santos Dumont teve outras “caixas” em seu caminho, que foram também estrategicamente aproveitadas, como os compromissos oficiais com membros do governo e da elite francesa. Foi durante um deles que ganhou de presente da Condessa D’Eu uma pulseira com uma medalhinha, e teve o insight de criar o relógio de pulso.

Agir, pensar ou estar fora da caixa também passou a ser sinônimo de “lado certo” quando o assunto é educação, uma espécie de comportamento ideal para quem atua na área. No entanto, precisamos ter cautela pois nem tudo o que está vigente é necessariamente ruim ou precisa ser totalmente eliminado. Sabe aquela expressão popular “não jogue o bebê junto com a água do banho”? É isso. Para mudar é preciso ouvir e dialogar com o que existe e não simplesmente impor um “novo modelo ideal”.

Além do mais, é perfeitamente possível encontrarmos experiências bastante disruptivas dentro de um sistema escolar cuja estrutura e forma de organização não são mais compatíves com a atual sociedade digital. Experiências assim só acontecem porque pessoas decidiram sair de suas zonas de conforto e tentar algo além do seu próprio padrão. Citei alguns exemplos nesse outro artigo.

E você? Sabe identificar qual é a “caixa” que dificulta sua busca por soluções mais inovadoras? E conseguiria delimitar sua “zona de conforto”? Isto é, o que é externo a você e o que depende de você? No #ConexãoIED, uma mentoria online coletiva, trabalhamos a educação para o desenvolvimento humano, a partir de desafios de design sugeridos semanalmente. Que tal experimentar criar seu próprio desafio? Veja um exercício bem simples:

1- Reserve um tempo tranquilo do seu dia para você mesmo;
2- Use uma cartolina se quiser criar um painel grande ou uma folha sulfite se preferir;
3- Divida em quatro partes, como na figura abaixo, e preencha cada uma delas conforme a orientação:

No dia 31/5, temos mais uma oficina de Design Thinking para Educadores agendada e o foco vai ser a “educação para o desenvolvimento humano”, a partir de temáticas como autoconhecimento, criatividade, diálogo/relações e ética digital.

P.S Em tempo, não podia deixar de mencionar esse material muito interessante chamado “Educação fora da caixa”, que traz uma série de sugestões de dinâmicas e atividades para facilitar a aprendizagem

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Priscila Gonsales
#Conexão Educadigital

educadora e pesquisadora, facilita processos educacionais colaborativos com design thinking, doutoranda em Linguagens e Tecnologias, fundadora do Educadigital