5 romances LGBT que marcaram minha adolescência

fabrycio azevedo
fala bicha
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7 min readJun 12, 2018
Were The World Mine: um musical gay baseado no romance “Sonho de uma Noite de Verão” de Shakespeare

Durante a vida, nossas principais referências sobre amor são o que vemos tanto na televisão, cinema, livros ou mesmo nas ruas. Aprendemos o que é carinho e suas nuances baseado nos exemplos cotidianos. A partir desses padrões criamos imagens em nossa cabeça que nos auxiliam a formular uma ideia concreta do que seria “amar”. Só que isso não é tão simples quando falamos do desenvolvimento de uma criança e adolescente LGBT. Em homenagem ao Dia dos Namorados, que se comemora hoje (12), decidi então criar uma pequena lista com filmes de romance que me ajudaram a criar essas figuras de amor.

Como quase todo gay, cresci deficiente de algo que representasse uma ideia de romance que eu me identificasse. Em todos os lugares eram apenas homens e mulheres que formavam casal. Mas chega uma hora que os hormônios falam na sua cabeça. Que mesmo quando não te explicam sobre a possibilidade de se apaixonar por alguém do mesmo sexo, naturalmente você acaba tendo esse sentimento. Durante este período tive duas escolhas: condenar ou entender aquilo que estava passando. Decidi pelo segundo caminho.

Ora, parece lógico. Se as principais imagens do que é “amor” e nossos sonhos de romance vêm de produtos como filmes e livros, por que não então procurar mais sobre uma identidade nessas artes? Acabei mergulhando no universo de filmes LGBT aos 16 anos (2010), idade em que dei meu primeiro beijo e passei a “exercer na prática” minha homossexualidade. Era uma época um pouco diferente da que estamos hoje, as drag queens não faziam tanto sucesso, casais homoafetivos não integravam tantas séries e comerciais de televisão, enfim, outros tempos em que quase não se falava sobre diversidade sexual nas ruas. Ver essas obras de alguma forma serviram para aquecer meu coração. Tinha medo de contar pros amigos, tinha medo de contar para família, então recorri aos filmes para me entender mais.

Em meio a muitos filmes de temática LGBT com fins trágicos, fiz essa pequena seleção com algumas obras que me ajudaram a ressignificar o amor como eu conhecia (e muita gente conhece). Claro que depois vi outros filmes com histórias mais complexas, roteiros mais desenvolvidos e personagens mais profundos, entretanto, esses foram os que mais me ajudaram na adolescência. Espero que gostem!

5. Plata Quemada de Marcelo Piñeyro

Um casal de assaltantes luta para conseguir realizar o crime perfeito, mas o plano não sai como esperado

O primeiro da lista de cinco romances não é muito bem um romance, mas sim um filme de ação com momentos românticos. Escolhi ele porque me proporcionou refletir sobre os papeis e estereótipos em que os personagens gays são comumente colocados. No longa, o casal Nene (Leonardo Sbaraglia) e Angel (Eduardo Noriega) é contratado para assaltar a um carro forte no Uruguai sem deixar rastros e depois fugir para o Brasil com todo o dinheiro. Enquanto Nene é mais esperto e safo, Angel é levado pelas emoções e se sente culpado tanto pela sua homossexualidade como pela sua vida de roubos. Com a ajuda do motorista, Corvo (Pablo Echarri), eles conseguem pegar a grana, mas na fuga o crime não sai como o combinado e eles acabam matando alguns policiais. A partir daí os assaltantes sofrem uma perseguição implacável da polícia e da mídia para que se entreguem. É nessa luta pela sobrevivência que vemos as cenas mais intensas do amor entre Nene e Angel, movidos pela iminência da morte. Independente do julgamento moral que existe, quando se coloca um casal gay como criminoso, achei muito importante para mostrar a pluralidade de personagens LGBT numa trama e como podem ser desenvolvidos. Acredito que esse seja um dos poucos filmes de suspense/ação gay com romance, em que o casal é protagonista. Imagina o poder disso para um adolescente que tinha descoberto recentemente ser gay!

https://www.youtube.com/watch?v=SUschdjn0mc

4. Nunca Fui Santa de Jammie Rabit

Megan se apaixona por Graham e juntas elas vão provar que amar não é nenhuma doença!

Na época em que iniciei essa minha busca de autoconhecimento, percebi que poucos eram os filmes lésbicos ou gays que tinham um final feliz. Por isso “Nunca Fui Santa” foi tão importante para mim. A premissa do filme é muito pesada, mas a trama trata tudo com muito bom-humor e ironia. Os pais da líder de torcida Megan (Natasha Lyonne), ao suspeitarem que sua filha seja lésbicam, decidem interná-la em uma clínica que promete “curar” a homossexualidade. Ao chegar no lugar, Megan é submetida às cinco fases da cura, que envolvem os estereótipos do que é ser mulher e heterossexual. Os garotos internados lá também precisam passar pelas mesmas etapas, e são constantemente incentivados a namorarem as meninas em “reabilitação”. Neste período, Megan acaba se envolvendo com a rebelde Graham (Clea Duvall), uma menina fechada e que gosta de quebrar as regras. É neste ambiente caótico que elas acabam criando um afeto, uma pela outra. Uma história bem fácil de problematizar, não é mesmo? Só que tudo é tratado como se fosse uma grande piada, porque na verdade não existe nada para ser curado. Tanto os rapazes como as meninas conseguem “burlar” toda essa heteronormatividade e dão suas escapadas, provando que não existe remédio ou tratamento para o que não é uma doença. O filme foi lançado em 1999, mas ainda é muito atual.

https://www.youtube.com/watch?v=3vrycMmkeXs

3. Eu Matei Minha Mãe de Xavier Dolan

Hubert procurava seu namorado Antonin quando passava por momentos difíceis em casa

Decidir uma profissão, assumir sua sexualidade, sobreviver ao Ensino Médio e lidar com uma relação nada pacífica com sua mãe, Chantalle (Anne Dorval), são alguns dos problemas pelo que passa Hubert (Xavier Dolan). Todos os pequenos detalhes de sua mãe parecem lhe incomodar, e insatisfeito, ele transforma os conflitos num grande drama. No meio de tudo isso o adolescente sai do armário, o que inicialmente deixa a convivência entre os dois ainda mais conflituosa. Da lista ele talvez seja o que tenha menos cena de romance, porém não deixa de ser romântico. É no relacionamento com Antonin (François Arnaud) que o jovem encontra seu porto seguro. Acho que todos temos aquela época da adolescência que nos tornamos um pouco Hubert e pensamos que nossos pais não nos compreendem, então acabamos apelando para chamar atenção. “Eu Matei Minha Mãe” era um dos filmes favoritos da minha adolescência, e é daquelas obras que você pode ver mil vezes e aprenderá um pouquinho mais sobre o ser humano em cada uma delas.

https://www.youtube.com/watch?v=om5Aa9JyQnk

2. Were The World Is Mine de Tom Gustafson

O musical se aproveita de alguns estereótipos de filmes americanos e da obra de Shakespeare para criar um romance gay

Sabe aqueles filmes tão ruins, mas tão ruins, que acabam ficando bons? Bem, no período em que buscava referências de filmes românticos LGBT pensei em unir essa procura com uma outra paixão, os musicais. Então comecei a peregrinar por filmes musicais gays e cheguei à este filme. Inspirado livremente na história de “Sonho de Uma Noite De Verão”, do dramaturgo britânico William Shakespeare, “Were The World Is Mine” brinca com a premissa bem clichê de aluno que gosta de artes se apaixona pelo esportista. Timothy (Tanner Cohen) tem um crush pesado em Jonathon (Nathaniel David Becker) e dribla diariamente o preconceito em um ambiente completamente homofóbico. Enquanto ensaia para peça “Sonho de Uma Noite de Verão” ele descobre, por acaso a receita de uma poção do amor, para fazer o boy se apaixonar por ele. Só que como era de se esperar, as coisas não dão tão certo assim, já que ele acidentalmente espirra a poção em seu melhor amigo. Então ele descobre que pode usar a mágica para promover a diversidade em sua cidade e acaba transformando quase todos os cidadãos em homossexuais, fazendo com que se apaixonassem por uma pessoa do mesmo sexo. Por mais que tenha um desenvolvimento óbvio, Were The World Is Mine é bonito pela simplicidade e por ser um dos poucos filmes que conheci na época que não tinha um fim trágico.

https://www.youtube.com/watch?v=neKkpbfKZWQ

1. As canções de Amor de Cristopher Honorré

Ismael redescobre o amor com Erwann e juntos protagonizam cenas intensas em “As Canções de Amor”

Um musical sobre recomeço, descoberta de sexualidade, e mais do que tudo se apaixonar. Descobri o filme graças à “Amores Imaginários”, do Xavier Dolan, que me fez conhecer Louis Garrel e assim chegar à esta obra. O roteiro trata do casal Ismael (Garrel) e Julie (Ludivine Sagnier) que decidem hospedar uma amiga, Alice (Clotilde Hesme), em sua casa. Entretanto a história dos três é transformada após uma tragédia que tira a vida de Julie. Depois do ocorrido, Ismael acaba se afastando de Alice e se apaixona por um rapaz bem mais novo, Erwann (Grégoire LePrince-Ringuet) só que a antiga amiga do casal não recebe tão bem a notícia. Entre os altos e baixos do preconceito dos familiares, de Alice e tendo como cenário uma Paris de cores frias, “Les Chansons D’Amour” te rouba do começo ao fim. A cena que mais me marcou foi quando Ismael se entrega à Erwann na cama e decide amar, assim, sem amarras. Até hoje lembro do que senti quando vi tamanha a entrega do casal e percebi que era o que queria para mim. Aquela cena ficou gravada em minha mente como a cena de amor gay mais belas de todos os tempos, que caminha a passos lentos até explodir. Intenso e sutil ao mesmo tempo.

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