Colorindo (d)o interior

fabrycio azevedo
fala bicha
Published in
6 min readSep 23, 2018
Natã Teixeira Amorim é a principal voz contra a LGBTfobia em Volta Redonda (RJ)

A palavra “luta” vem do termo latino “Lucta”, que significa um esforço, empenho ou combate. Utilizada inicialmente para definir as artes marciais ou uma batalha física, a expressão foi absorvida pelos movimentos sociais para representar um ideal. Enfrentar o preconceito e o senso comum em prol da sobrevivência e da igualdade se tornou, então, uma das principais brigas dos direitos humanos. De um lado, as notícias falsas e discursos de ódio são disseminados a cada clique nas redes sociais. Do outro, as organizações e ativistas tentam conquistar o grande público e quebrar a barreira de que direitos humanos seja um assunto exclusivo da elite intelectual.

É entre batalhas, conquistas e muita garra que vive Natã Teixeira Amorim, coordenador e criador do “Volta Redonda Sem Homofobia’ (VRSH). O jovem, de 21 anos, é um dos principais ativistas LGBT do sul-fluminense.

Nascido em Santa Rita de Cássia, antes um distrito de Volta Redonda (RJ) e agora pertencente à cidade de Barra Mansa (RJ) , Natã desde cedo teve contato com a militância através de movimentos estudantis. Apesar de ter atuado em outras áreas, foi através do projeto LGBT que ele ganhou maior visibilidade.

“Eu não escolhi seguir essa carreira (de militância), estou lutando pela dignidade humana. Nós vivemos em uma sociedade preconceituosa que viola os nossos direitos. Eu quero ter direito e quero lutar por eles!”

Como toda batalha, esta também possui grandes oponentes. Assim como o ativismo nas grandes capitais traz um grande risco de vida para quem o faz, vide o assassinato de Marielle Franco, no interior, os militantes também tem sua vida e paz ameaçadas. Natã revela que a luta contra a homofobia em Volta Redonda é desafiadora:

Ser LGBT em uma cidade metalúrgica e conservadora, é um grande desafio. Você vê discursos problemáticos dentro do próprio poder executivo e a Câmara (Municipal), que é comandada por pastores. Tive que me privar de muitas coisas por defender o movimento LGBT no interior.

Volta Redonda Sem Homofobia

Logo da página “Volta Redonda sem Homofobia”

Para entender a importância de um projeto como este em Volta Redonda é necessário compreender o papel da cidade na região sul-fluminense. O município é o maior do Sul-Fluminense (região localizada no sul do estado do Rio de Janeiro) e representa uma região estratégica, a 310km de São Paulo e 125km do Rio de Janeiro. Chamada de “Cidade do Aço”, a cidade ficou conhecida pela Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN, primeira siderúrgica brasileira. Foi através da fábrica que o município se fortaleceu economicamente.

Fundado em 2013, o Volta Redonda sem Homofobia surgiu para suprir a necessidade de uma organização que defendesse o direito de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais no sul do estado do Rio de Janeiro. Com ações educativas, atuação social e também de eventos e debates, o projeto se consolidou na região como um dos principais em defesa ao direito LGBT. Prova disso é que o VRSH é usado, com frequência, como fonte para matérias dos veículos de Volta Redonda e Barra Mansa.

De lá para cá algumas coisas mudaram. As discussões sobre gênero, sexualidade e orientação ganharam um amplo espaço nas redes sociais e na televisão. A consolidação dos cursos de Direito e Psicologia do pólo da Universidade Federal Fluminense (UFF) de Volta Redonda e a chegada de outros movimentos estudantis transformaram o cenário da região.

“Volta Redonda melhorou, mas posso te dizer que o principal avanço foi na discussão. Nós viamos que ninguém falava de LGBT na cidade. Depois da primeira parada do Orgulho LGBT, essa população começou a ser mais enxergada pelos serviços de assistência social, entretanto existe uma demanda do porquê a população não acessar aqueles serviços, ou seja, existem pontos em que precisamos avançar.”

Hoje o VRSH conta com a ajuda de voluntários. O financiamento dos eventos são realizados através de editais e rifas, já que Natã evita vincular a organização à algum partido político específico.

O “T” do LGBT

Apesar de ter “homofobia” no nome da organização, referente apenas à preconceitos contra homossexuais, a atuação de VRSH vai além. Em busca de abarcar todo a sigla LGBT, eles também atuam para combater a transfobia. No trabalho eles acompanham a pessoas transexuais em seus atendimentos na delegacia, auxiliam na retificação de nome e a obterem suas documentações de acordo com seu gênero.

“Temos hoje um país que não possui uma política de abrigamento capaz de absorver a população LGBT, na verdade não absorve a população geral.”

Nos Estados Unidos, cerca de 40% das pessoas consideradas “sem-teto” afirmam serem LGBTs. Muitos são expulsos de casa após revelarem a sua orientação sexual e/ou de gênero, outros fogem de lares abusivos e violentos pela própria sobrevivência. Como uma maneira de abraçar essa população , ativistas criaram abrigos voltados para LGBTs. A Casa Nem no Rio e a Casa 1 em São Paulo são alguns dos maiores exemplos de abrigos LGBTs no país.

O preconceito

Para Natã, o principal inimigo que impede o avanço dos direitos humanos em Volta Redonda é a desinformação.

O preconceito contra as pessoas trans está presente em todas as esferas. Se até os professores têm essa mentalidade, como podemos querer mudar a sociedade? A fantasia toda de “ideologia de gênero” de Volta Redonda veio através de uma professora.

Em abril de 2017, uma grande polêmica tomou conta da cidade. O debate acerca do ensino à diversidade e a orientação sexual nas escolas municipais e estaduais dividiu a população entre os que eram contra e a favor. Religiosos e conservadores aproveitaram este momento para espalharem notícias falsas sobre o material didático que seria distribuído nas escolas. O projeto que proibia a discussão de gênero nas escolas foi aprovado em novembro de 2017.

Como uma forma de tentar educar os professores, o Volta Redonda sem Homofobia também vai até as escolas para debater como a diversidade pode ser tratada na sala de aula. Apesar das palestras, a desinformação faz com que a inclusão do VRSH nas escolas seja tímida.

Inspirações

Os principais exemplos de Natã vêm de iniciativas bem-sucedidas na capital e outras figuras importantes para a política da região. Ele destaca o PreparaNem (curso preparatório voltado para a população trans, travestis ou em situação de vulnerabilidade social e preconceito de gênero) e a sua coordenadora, Bruna G. Benevides:

Tenho uma admiração muito grande pelo trabalho da Bruna. Ela é muito parceira nossa, ela troca muito com a gente, ela é uma pessoa de luta.

Além de seus projetos sociais, Bruna é um nome importante para o movimento LGBT. Ela é diretora da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais) e coordena o conselho LGBT de Niterói. Do Sul-Fluminense, Natã exalta a participação de Helio Baptista, militante e político atuante de Quatis (RJ).

Aqui da região eu tenho muito admiração pelo Helinho . Ele é assumidamente LGBT e participa ativamente da câmara de Quatis. Ele é de luta, e é uma grande referência na região.

Futuro

Com a temática ganhando novos espaços de discussão, Natã acredita que Volta Redonda vive um momento importante em relação ao debate à diversidade:

As pessoas têm se assumido LGBT e frequentado nossos eventos e discussões desde muito cedo. Isso é muito importante para que eles possam ser quem eles são.

Apesar dos avanços, o ativista reforça que é preciso continuar essa batalha para continuar colorindo o interior com o respeito às diferenças.

Vivemos ainda em uma sociedade muito conservadora, precisamos continuar batalhando pelos nossos direitos para uma realidade menos preconceituosa.

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