Orgulho, marcas e ‘pinkwashing’: quanto vale o LGBT?

fabrycio azevedo
fala bicha
Published in
8 min readJul 3, 2018

Terça-feira, três de julho. As marcas já deixaram de usar o arco-íris no perfil e na capa de Facebook. O mês virou e é hora de se preparar para as próximas datas. Copa do Mundo, Festa Junina, Dia das Crianças, Natal, o tempo urge e o lucro vem com novas campanhas de marketing. O conteúdo em prol dos direitos LGBT também ficou mais escasso, ainda pode rolar alguns resultados do mês anterior mas bola pra frente. Agora está permitido apoiar artista homofóbico, racista, transfóbico enquanto o resto da internet ainda não cobra deles algum posicionamento.

Junho terminou com um saldo positivo. A cada ano que passa é perceptível o aumento no número de empresas que publicam conteúdo do Orgulho LGBT. A pergunta que resta é de que forma essa peça/campanha/discurso é desenvolvida? O que é feito além de posts pontuais Pré-Parada e Orgulho? Eles são realmente aliados da causa?

Os tempos são outros e as pessoas já não são mais tão ingênuas. Com a internet e o acesso às propagandas e conteúdos é possível perceber quando uma companhia é pró-LGBT ou apenas quer o dinheiro desse público. O pinkwashing é real e, assim como esse aparente “respeito à diversidade”, aumentou consideravelmente.

O termo “pinkwashing” (lavagem rosa) é usado para se referir a uma estratégia de marketing feita por empresas que não se preocupam com uma causa mas, se utilizam dela em sua campanha para “melhorar a imagem”. A palavra foi criada pela Breast Cancer Action, uma organização em prol do câncer de mama que decidiu listar empresas que se escoravam na conscientização da doença apenas pela auto-promoção.

Posteriormente a palavra foi empregada por ativistas gays para condenar o apoio do movimento LGBT à Tel-Aviv, localizada em Israel, mas que se exime da matança causada pela disputa de território. Enquanto promove uma política de turismo pró LGBT, milhões de palestinos são mortos na fronteira e dentro de Israel são considerados como cidadãos inferiores. A expressão pinkwashing foi aplicada para definir esta contradição entre o “direito à diversidade” e a precariedade de direitos humanos. Atualmente, ele também é aplicado para definir estratégias de marketing simpatizantes e a sua incongruência com o posicionamento da empresa durante outros eventos.

Um dos casos mais recentes e que representa esse paradoxo é o da Budweiser. A empresa está apoiando a Copa do Mundo na Rússia e, simultaneamente, patrocina as principais Paradas LGBT dos Estados Unidos. A Rússia é conhecida por sua política anti-LGBT e proíbe qualquer manifestação de homossexuais dentro do país. Outro ponto é que no território russo está a Chechênia, região que teve sua “chacina a gays” exposta na internet recentemente. Resumindo: a mesma companhia que patrocina um evento em um país de leis homofóbicas também ajuda o evento que marca a luta contra a lgbtfobia

Em resposta a esta contradição, militantes LGBTS norte-americanos criaram a hashtag #PrideOverGenocide (Orgulho acima de Genocídio) para ser postada no Instagram da Budweiser massivamente. A ideia era conscientizar a marca de cervejas e também seu público sobre a incompatibilidade do posicionamento da marca.

“A Budweiser afirma que a Copa do Mundo não é um momento político, mas é”, diz Adam Eli, da Voices4. “Ele reúne países de todo o mundo e tem um grande impacto econômico. A Budweiser não pode patrocinar a Copa do Mundo em um ambiente que é hostil às pessoas LGBTQ e afirmam ser amigos da comunidade. Quando Bud tem interesse, eles são capazes de fazer as coisas andarem, afirmou.

Tom Daley, Milk, Hey Rooney, Harper Watters, Chellaman, Dustin Lance Black, Detox (drag queen), Andrew Chappelle, Munroe Bergdorf, Kyle Krieger and Levi J também decidiram apoiar a campanha da Voices4 e compartilharam seu descontentamento nas redes sociais.

Adam Eli é ativista e integra o grupo Voice 4, organização responsável pela campanha #PrideOverGenocide

Yes, nós temos Pinkwashing!

Enquanto algumas marcas são mais explícitas em suas contradições, como a Budweiser, outras fazem um pinkwashing mais sutil e requerem uma análise da produção da empresa. Na última semana vi um caso muito pontual, no dia de Orgulho LGBT, da agência Dom Pedro Conteúdo. Eles fizeram um vídeo muito bonito sobre o Orgulho, contendo algumas reportagens sobre assassinatos a gays, lésbicas e trans. Além das imagens, a empresa também chamou uma equipe de jovens LGBTs para participar com seus depoimentos e vivências. Nenhum problema, certo? Errado.

Durante o vídeo eles afirmam que a empresa tem uma “falta de representatividade” e por isso eles convidariam pessoas de fora para falarem sobre o tema. Agora, como uma empresa que se diz pró-direitos LGBT não tem nenhum funcionário que faça parte dessa parcela da população para comandar a propaganda? De duas uma, ou eles tem funcionário LGBT mas não acreditam que ele possa representar esta causa (o que não faria sentido, porque uma empresa que mostra respeito com seu funcionário LGBT funciona muito mais do que chamar um grupo para consultoria), ou eles realmente não possuem nenhum funcionário que faça parte dessa parcela.

Outra análise importante, além de ver a forma como a empresa trata os seus funcionários, é investigar que outros conteúdos ela produz em outras épocas do ano. Exemplo: durante a “Cura Gay” a agência se manifestou sobre o tema?

Todos esses questionamentos me levaram a um vídeo que a Lorelay Fox, importante drag queen e ativista do movimento, postou ano passado sobre as marcas que “apoiam” o movimento:

A partir do 1:53 Lorelay começa a dar dicas para conferir se uma marca é realmente pró-LGBT ou faz apenas o pinkwashing e só usa a gente quando interessa. No vídeo ela desenvolve dois argumentos que se assemelham aos que pontuei ali em cima:

Primeiro ela pergunta se a empresa analisada apoia os LGBTS apenas na época da Parada e do Orgulho ou durante o ano todo. Outro quesito é como a marca trabalha as questões de diversidade internamente. Ressalto nessa última questão que, se uma empresa tem funcionários LGBTs e se orgulha deles, deveria colocá-los na frente das câmeras, e não nos bastidores, mostrar que a companhia realmente valoriza aqueles talentos. É preciso trabalhar também o sentimento e o Orgulho do funcionário, principalmente da parcela mais suscetível ao preconceito como homens e mulheres negros, lésbicas e trans.

Um exemplo muito positivo nesse caso foi o da OLX, que compartilhou uma foto de duas funcionárias da empresa representando o Orgulho LGBT. O grande acerto nesta peça está em usar os próprios funcionários, colocar isso na legenda e o melhor: responder a comentários de outras pessoas na postagem.

Na campanha da OLX a empresa postou a foto de duas funcionárias segurando uma placa sobre diversidade. Além disso em suas redes sociais a marca defendeu outros usuários que se manifestaram a favor da campanha

Por que nós interessamos?

A representatividade nas propagandas não é bondade das empresas, longe disso, em geral é uma estratégia para ampliar os negócios. Enquanto a sociedade caminha para o reconhecimento da diversidade sexual, o público LGBT se torna mais seleto com o que consome e cobra representatividade. Não é só alguém falar em uma propaganda ou novela que conhece gays e sim chamar atores e funcionários gays, lésbicas e trans. Para provar o meu ponto incluo duas matérias (uma do G1 e outra da Carta Capital)que mostram as dificuldades passadas pela população LGBT na hora de conseguir um emprego.

As marcas hoje não representam apenas produtos e sim estilos de vida. Por isso muitas empresas estão voltadas para conquistar o mercado de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, que já representa uma fatia gorda da economia.

Um levantamento feito pela Out Leadership mostrou que o mercado LGBT acumula cerca de R$ 420 bilhões por ano só no Brasil. O valor equivale a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Outra pesquisa, o InSearch, mostrou também que o padrão de consumo desse público é alto já que gastam 30% a mais do que os heterossexuais em bens de consumo.

Só que nesse jogo de apoio à diversidade é preciso muito mais que uma propaganda pontual no dia 28 de junho (Orgulho LGBT) e no dia da Parada. Da mesma forma que o movimento de “empoderamento” tem sido lucrativo, ele também serve para criarmos uma visão crítica em relação à propaganda. Se quiser abraçar essa diversidade tudo bem, mas entenda que é preciso pesquisar e realmente apoiar o movimento em outras épocas do ano e isso significa sair de cima do muro. Não financiar personalidades que deram declarações homofóbicas, auxiliar instituições que ajudam LGBTs com dificuldades econômicas são algumas das atitudes que podem ser aderidas pelas empresas.

Algumas marcas, como Starbucks, Sephora e Ben&Jerrys possuem ações exemplares de Orgulho LGBT. A Starbucks no dia do Orgulho reverteu a renda do frapuccino de brigadeiro para a Casa1 (instituição voltada para LGBTs que foram expulsos/saíram de casa). Além disso a empresa foi a primeira a adotar a cartilha do World Professional Association for Transgender Help, auxiliando funcionários e funcionárias trans da cafeteria. A Sephora fez um curso de maquiagem voltado para mulheres trans em maio. E a Ben&Jerrys produz campanhas super inclusivas nas redes sociais e também tem um longo histórico de defesa dos direitos LGBT.

A questão principal é desvencilhar o LGBT de um ‘case’ de marketing e passar a se tornar um posicionamento das empresas que se dizem apoiadoras. Nós não somos uma data comemorativa, nós somos uma parcela grande da população, com poder de compra e com direitos civis assim como as mulheres e homens cis heterossexuais.

Por último, gostaria de deixar um trecho de frases pronunciadas ao final do filme “Não é o homossexual que é perverso mas a situação que ele vive” (1971) de Rosa Von Praunheim.

“Nós, gays imundos, queremos nos tornar humanos e ser tratados como tal!
Temos de lutar por isso!
Queremos ser aceitos, e não apenas tolerados.
Mas não se trata apenas de sermos aceitos pelas pessoas,
mas também de como nos tratamos. Não queremos nenhum grupo anônimo!
Queremos uma ação em conjunto,
para que possamos nos conhecer enquanto combatemos nossos problemas…
e aprendemos a amar uns aos outros!
Precisamos nos organizar!
Precisamos de bares melhores, bons médicos
e um local de trabalho seguro!
Tenham orgulho de sua homossexualidade!
Saiam dos banheiros! Tomem as ruas!
Liberdade para os homossexuais!’

--

--