Quem são as oligarquias alagoanas?

Golbery Lessa
Alma Pulcra
Published in
3 min readDec 11, 2019

por Golbery Lessa

O fato de o ramo agroindustrial ter prevalecido sem concorrentes na economia alagoana após o fim do parque têxtil, nos anos 1960, provocou uma involução (o PIB aumentou, mais tecnologia foi incorporada, mas a complexidade produtiva diminuiu) da economia estadual com impactos nefastos nos campos da ideologia e da política. Ao invés de se concentrar em poucas cidades, a industrialização (na verdade, a agroindustrialização) se dispersou na zona rural do Leste Alagoano e radicalizou o sentido exportador da economia. Os fluxos produtivos internos se enfraqueceram, tornando a economia estadual gelatinosa e carente de impulsos internos dinâmicos. Surgiram a revalorização do latifúndio em plena virada demográfica do urbano para o rural e a “arcaização” dos costumes, das ideias e das práticas políticas. Elementos que determinam a sobrevivência e o fortalecimento de um sistema oligárquico de poder.

Essa configuração econômica estancou o processo de democratização iniciado no pós-Segunda Guerra e reafirmou a fragilidade das instituições republicanas existentes nos períodos anteriores. A partir dos anos 1970, avanços tecnológicos e o Pro-Álcool espalharam as usinas por todo o Leste Alagoano. Duas dezenas delas passaram a dominar a maior parte das terras, da renda e do poder político na metade dos municípios alagoanos, nos quais habitam um terço da população. O poder econômico decorrente da posse do capital e da terra se potencializou pela homogeneização de uma vasta e estratégica região geográfica.

A partir dessa base geopolítica, a burguesia agroindustrial subordinou outras fração da classe dominante, como as burguesias agrárias e comerciais do Agreste e do Sertão, e passou a exercer, com a mediação de clãs familiares especializados no jogo patrimonialista em torno do poder estatal, hegemonia e direção sobre a sociedade ao mesmo tempo em que excluía da participação política os pequenos proprietários rurais, os assalariados e a classe média. Nesse contexto, o racismo e o patriarcalismo se fortaleceram.

Os laços familiares levados ao espaço público são unificadores e seguros o suficiente para substituírem os partidos como base da organização política. O precário funcionamento das instituições republicanas em Alagoas criou as condições para a prevalência de formas oligárquicas de dominação. As oligarquias locais possuem dois segmentos. O mais poderoso é composto pelas famílias burguesas, detentoras da maior parte da terra na agricultura e do capital na agroindústria, no comércio e no setor de serviços. Dominam a esfera política, mas não o fazem diretamente, mostrando a própria face, mas por meio de representantes. O outro segmento se compõe desses representantes, ou seja, das famílias de classe média especializadas na captura dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em benefício próprio e como mediação para o poder político do primeiro segmento, a burguesia.

Tal configuração do espaço público fragiliza a sociedade civil, que além disso é acossada por tentativas de cooptação ou pela pura e simples coerção, com impactos deletérios na produção cultural (jornalismo, artes, literatura, pesquisa científica e sistema educacional) e na opinião pública. Apesar desse quadro dantesco, sempre existiram vigorosas resistências. Por exemplo, as heroicas lutas dos sindicatos, movimentos sociais, partidos de esquerda, setores da intelectualidade e mesmo segmentos da classe média. A mobilização popular teve vários momentos vitoriosos, como na luta pelo fim da ditadura civil-militar e na rebelião civil-militar em 17 de Julho de 1997, responsável pela queda do governo Divaldo Suruagy, o maior símbolo do sistema oligárquico.

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