Carta a 2021: o maior exercício de fé e imaginação da história

A gente NUNCA sabe no que nossos sonhos e planos vão dar.

Melissa Setubal
consciência criativa
5 min readNov 20, 2020

--

É assustador, instigante, uma aventura de fé. Entregar-se ao mistério da vida exige coragem e vulnerabilidade para navegar a natureza da impermanência da existência e, mais que tudo, se trata de um investimento profundo em conhecer a própria natureza interna.

Quando eu tinha 16 anos, passei no vestibular para Comunicação Social na UFES — Universidade Federal do Espírito Santo , um momento muito rico da minha vida que abriu portas para algumas habilidades e sonhos que mais cultivo — de cozinhar a ser um agente de transformação social. Eu jamais imaginei que daria na jornada que passei, olhando para trás agora que estou quase chegando aos 42. (coitadinha, se soubesse o que 2020 seria…)

Mas lá trás eu sabia que: eu era uma menina criativa que queria mais da vida, eu queria fazer parte de algo muito maior que eu mesma e que beneficiasse muita gente, eu sabia que eu tinha muita curiosidade e capacidade de liderança, eu sabia que minha carreira eventualmente se voltaria para a docência e para uma construção coletiva de uma sociedade melhor.

Eu juro que me vi trabalhando no corporativo até por volta dos 40, super bem-sucedida e reconhecida a top da galáxias, migrando naturalmente para uma carreira acadêmica e para um cargo em uma instituição de terceiro setor, por motivos de vida ganha.

Na próxima semana, eu termino de ministrar a disciplina Consciência Criativa no curso de pós-graduação Criatividade & Ambiente Complexo da ESPM Escola Superior de Propaganda e Marketing-SP. E, desde a semana passada, estou me juntando ao time do Instituto João XXIII (uma ONG modelo no terceiro setor do ES) para auxiliar diretamente à diretoria no planejamento estratégico e atividades de gestão e finanças. Duas chances de dar um sentido muito maior para tudo isso que a adolescente aqui sonhou.

Eu via a ESPM como uma referência no ensino, eu queria estudar lá um dia para ser a fodona da Publicidade e da Comunicação Corporativa. Por 15 segundos, eu fui bem-sucedida nesse campo (no entendimento convencional), e abandonei tudo. E nunca estudei lá.

Mas, hoje, faço parte de uma equipe que está transformando tudo que essa instituição entende do que é ensino e do que é criatividade e inovação, em meio a maior sacudida da história da humanidade na pós-contemporaneidade. Isso como uma mera professora PJ, com quase nenhuma reputação nas redes sociais ou de mercado por estar afastada do mundo corporativo, há 11 anos, e do empreendedorismo há três. Eu não fui capaz de imaginar isso, quando entrei na faculdade.

Eu via minha carreira passando apenas pelo mundo corporativo e por mestrado e doutorado. E depois de 15 anos em empresas e quase 4 pós-graduações completas, estudei para muito além de comunicação e negócios. De nutrição integrativa, a reiki e sagrado feminino, passando por muitas vias do autoconhecimento, do desenvolvimento humano e da sustentabilidade.

Atuo como professora de pós-graduação, há alguns anos em várias instituições de disciplinas diversas. Atuo como produtora de conteúdo freelancer, especialista e terapeuta em saúde integrativa, ofereço leituras intuitivas, e sirvo ao mundo com meus multitalentos. Continuo ralando para equilibrar tempo e saúde com dinheiro e causas sociais. Eu não fui capaz de imaginar isso, quando entrei na faculdade.

Eu via minha vida muito bem programada e determinada. Universidades, empregos com status, sucesso e confortável financeiramente, eventualmente morando no exterior com tudo no seus devidos lugares, aquele relacionamento perfeito de filmes, família de propaganda de margarina — papai e mamãe juntinhos, meu irmão perpetuando esse modelo, amizades todas dentro desse mundo. Um sem fim de privilégios acumulados que eu via como direito de berço.

NADA, nem mesmo casamento ou viver no exterior, veio pelas vias convencionais. Finanças e família estruturadas tem todo um novo significado. Amizades — as que continuam e as que foram embora — me oferecem lições e um sistema de suporte que só agora comecei a compreender a profundidade dessa experiência humana (inclusive as que tenho até hoje, desde que estudei na UFES). Eu não fui capaz de imaginar isso, quando entrei na faculdade.

Vida ganha, bom, se uma pandemia e as convulsões sociais não destruiram essa ideia da cabeça de todo mundo, eu aconselho você a rever seus valores de vida.

2020 é um ano que está destruindo tudo, que está começando a cobrança da conta de milênios de opressões sociais e com a natureza. E terminou de destruir tudo que eu entendia que seria a minha vida, até então. Todas as alegrias e tristezas, todas as conquistas e todos os lutos (inclusive perder alguém muito importante para mim, ao mesmo tempo para a polarização ideológica e para o Covid), todo o esforço para sobreviver e para contribuir para as pessoas sobreviverem, deste ano, me fizeram ver que eu estou realizando muitos dos sonhos daquela adolescente ingênua e privilegiada.

Mas o como eu fiz isso, foi dando TUDO ERRADO. Tudo que eu tinha como identidade, tudo que eu dei como certo, tudo que eu considerava meu direito inato, tudo que eu vi como um planejamento estratégico a prova de falhas fundamentais, tudo que eu entendia como o mundo funcionava, tudo que as pessoas assumiam como meu futuro, tudo que eu percebia como o melhor de mim e o pior de mim.

Um ano terrível está chegando ao fim. Eu sofri muito, pessoalmente e pelo estado de tudo que me cerca, e o sofrimento continua em vários níveis. Mas eu preciso celebrar e dar mérito para a Melissa com 16 anos e sua capacidade de imaginar seu futuro. Não sei se pela profecia ou pela concretização de uma visão de futuro — destino OU livre arbítrio? Talvez seja um E. Talvez o exercício de fé esteja em combinar os dois ao mesmo tempo. Talvez seja se flexibilizar perante os movimentos imprevisíveis da vida ousando sonhar, justamente por saber que existe uma grande possibilidade de NADA daquilo acontecer. Pelo menos não no formato original que foi concebido.

Eu aspiro que, de 2021 ao fazer 42 anos, eu ganhe de presente essa imaginação adolescente renovada, agora combinada com a maturidade emocional e social que os solavancos da vida me proporcionaram (por meio de muuuuuuuuuuuuita dedicação ao meu autodesenvolvimento como ser humano, que segue mais firme e necessário do que nunca). E eu aspiro que, como humanidade, a gente ouse imaginar e realizar ações imediatas e efetivas que levem à regeneração, da natureza como um todo e do nosso coração naturalmente amoroso e compassivo.

Originally published at https://www.linkedin.com.

--

--