Como se sentir neste momento

Não temos maturidade emocional para lidar com o que está acontecendo, então bora juntes tentar navegar essas emoções intensas.

Melissa Setubal
consciência criativa
6 min readNov 3, 2022

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Este é um texto para seres humanos que sentem emoções e para quem tem interesse em conhecer mais o impacto que essas emoções nas nossas relações. Se você, como eu, é uma pessoa que respira nesta realidade de encarnados na face da Terra, é possível que as emoções estejam muita a flor da pele ultimamente. É possível também que o que você sente emocionalmente possa estar impactando como você vive seu dia a dia, mais que tudo, nas suas relações.

Entenda que quando falo relações, estou falando desde com quem moramos ou mais convivemos ou temos mais intimidade, ou das situacionais que temos que lidar por causa dos ambientes que frequentamos. Estou falando das relações por obrigação e das relações por escolha. Das de uma vida inteira e das fugazes, e todas no espectro entre essas.

Falo de amigues do peito e amigues de boteco. De mãe, pai, irmã/os, parentes, de companheira/o que te acompanha no dia a dia da vida, pra algumas pessoas dus filhes também. De colegas de trabalho, estudo, religião, voluntariado, grupo de cosplay (ou insira sua atividade favorita aqui). Do Zezinho da padaria que atende no balcão, da pessoa da recepção de qualquer espaço que você vá uma vez por semana com quem você talvez troque um bom dia e as duas mesmas frases de sempre. Daquele cara que te fechou no trânsito, da médica que te atendeu na UPA na sua crise de dor nas costas da semana passada, de quem entregou o almoço que foi pedido pelo aplicativo.

Talvez eu também esteja falando inclusive de gente que a gente nem se dá conta tem tem relação com a gente. Quem espia o que fazemos nas redes sociais, a pessoa sem moradia que fica sempre no mesmo ponto das ruas que passamos, quem ganhou um emprego porque passamos a comprar mais naquela determinada loja, ou quem tem mais trabalho do que dá conta porque não separamos e descartamos adequadamente o lixo.

Pode ser que, nesta semana, com os brios mais exaltados que nunca, eu sem perceber joguei a latinha da bebida gelada que tomei na tentativa de acalmar meus ânimos no lixo incorreto, e isso dificultou a vida de uma pessoa que depende disso que eu chamei de lixo para trazer renda, e isso a deixou mais cansada e desanimada, o que impactou na relação dela com as pessoas que dependem dela.

Ou pode ser que meu sorriso e minha escuta, ao entrar no carro que chamei no aplicativo para me transportar, tenha oferecido para a motorista (e também para mim mesma) uma sensação de bem-estar, que mesmo presente por alguns segundos no consciente e desaparecido do rosto na próxima fechada que o carro levou de outro na esquina ali na frente, mas que vai reverberar em nossos corpos de outras formas, e tem potencial para impactar o próximo passageiro, ou a filha dela que mal pode esperar pela mãe voltando para casa do trabalho.

Não tem escapatória: o que sentimos veio de muitas relações e vai para muitas relações.

autora: Melissa Setubal

Mas vamos continuar essa conversa sem convidar a culpa junto, pode ser? Temos responsabilidades sobre o nosso sentir, e temos responsabilidades sobre o sentir das outras pessoas. Só não ajuda a gente ficar se culpando pelo impacto prejudicial que nosso sentir tem nos outros, ou colocar exclusivamente a culpas nos outros do nosso sentir.

Dito isso, existem distinções importantes a serem feitas aí. A primeira: a inevitabilidade do sentir. Não controlamos o que sentimos. Não importa o quanto tentamos ou achamos que conseguimos. Isso já foi provado de muitas formas, como a lei da gravidade. A segunda: culpa é diferente de responsabilidade. Culpa é eximir uma das partes como tendo impacto na relação. Responsabilidade é a consciência de que todas as partes envolvidas na história contribuem para as consequências experienciadas. A terceira: as emoções sentidas são originadas do que veio antes em todas as instâncias de nossas vidas e são base para originar o que vem pela frente em nossas vidas.

Então, a criação da nossa realidade usa como adubo as nossas emoções, e o que gera esse adubo são as relações que cultivamos.

Relações humanas são das coisas mais complexas do Universo. Seja lá o problema que esteja acontecendo no mundo (e são muitos), a gente consegue traçar as origens dele de uma ou mais questões relacionais. Nossas emoções são um traço de desenvolvimento da espécie fundamental para a sobrevivência e perpetuação dela. Portanto, ou a gente usa emoções para seguir em frente neste mundo, ou a gente usa para destruirmos uns aos outros (e tudo mais em volta).

Eu tenho sentido todas as emoções intensamente ao mesmo tempo agora. Comumente já sinto mais que a média, minha configuração neural veio bem mais sensível do que se percebe na população em geral. Em situações históricas definidoras do futuro da nação, então, o negócio tá mais desafiante que nunca. O resultados das eleições não esmoreceram a intensidade do que todo mundo está sentindo. Pode ser que tristeza tenha virado alegria, que alegria tenha virado nojo, que nojo tenha virado medo, que medo tenha virado tristeza.

E que nessa dança das cadeiras dos nossos Divertidamente (personagens do filme da Disney com este nome) a nossa mente esteja sendo arrastada à força muitas vezes por dia pelo gatilho das notícias, dos memes, dos PING PING do WhatsApp. É claro que não vamos controlar nossas emoções no meio disso tudo. Isso pode explicar como anda a qualidade das nossas relações. Mas isso não justifica a continuidade do prejuízo que isso causa nelas.

fonte: https://www.instagram.com/p/Ckgsx37rlQG/?utm_source=ig_web_copy_link

É inevitável que nossas emoções esbarrem nas emoções dos demais e isso cause sofrimentos em ambos. Nem sempre temos a generosidade disponível de ler ou escutar ou ver o que a pessoa traz a partir da verdadeira intenção dela.

Primeiro porque não lemos mentes. Segundo porque estamos mais acostumados a enxergar o que a outra pessoa traz como uma ameaça do que como um convite (ou até mesmo com neutralidade). Isso porque muita gente antes, inclusive até mesmo aquela pessoa, já ultrapassou nosso limite ou deixou de atender alguma necessidade nossa. Talvez também porque nós mesmes não temos consciência suficiente para distinguir nossos limites e necessidades, muito menos comunicá-los com clareza e firmeza.

A gente não tem maturidade emocional porque a gente não tem, muitas vezes, nem uma relação generosa com a gente mesme. A gente, que tem mais de 18 anos, que tem teto em cima da cabeça, que tem comida dentro do estômago, que tem algum dinheiro no bolso, que tem o mínimo de saúde mental, que recebe amor de algum outro ser, que tem alguma autonomia na vida, nós temos a responsabilidade de cuidar da gente mesme e das nossas relações, nem que sejam só das mais próximas.

Daí que a podemos estar testemunhando muitos seres humanos colocando crianças como escudos em protestos que impedem gente doente de receber tratamento, entre outras muitas maldades, e você pode me perguntar: faz o quê com quem não tá nem um pouco preocupado em cultivar maturidade emocional, pois parece não ligar nem pro mínimo da existência digna das próprias pessoas que diz amar e que sua religião diz que tem que ter caridade?

Cabe a nós, em nossas vidas e em nossas atitudes, criar realidades que independente de lei, de Deus, de regras, ter integridade.

Essa é a realidade que temos mais condições de criar, quando temos nossas necessidades básicas de sobrevivência atendidas. São nas relações que conseguimos nos enxergar, são pelas relações que podemos nos cuidar. Não importa se o ovo ou a galinha que vem primeiro, cuidar das suas emoções é cuidar das outras pessoas. Cuidar das outras pessoas é cuidar de si. Isso é integridade, é fazer porque é o digno a se fazer.

Chega de enxergarmos separação. Já passou da hora de morarmos no “do que adianta se não tem diálogo com o outro lado”. Se não há possibilidade de diálogo com um, há com outros. Se não há possibilidade de visão generosa com um, há com outres. Se não há possibilidade de diálogo consigo mesme, existe com outre que nos espelha e nos ajuda a nos enxergar com maior generosidade. Se existe diálogo, quem sabe até amor, que a gente tenha a intenção de praticar EM TODAS as interações esse olhar generoso.

Ninguém solta a mão de ninguém porque, pra começo de conversa, nada existe separado de nada, nesta realidade. E para começar a criara realidade, no final das contas, basta a gente se lembrar disso de novo e de novo.

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