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De Aberfan a Mariana e Brumadinho — uma crônica da criminosa hipocrisia das esquerdas

Editoria Conserva Botequim
Conservadorismo de Botequim
6 min readJan 21, 2020

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Quando assisti ao terceiro episódio da terceira temporada da premiada série televisiva The Crown, senti-me sinceramente assombrado, e mais de uma vez. O episódio em questão — cujo título é simplesmente “Aberfan” — tem sido amplamente considerado um dos melhores (e provavelmente o mais emocionante) da série até o momento. Em se tratando de uma série com altíssimos valores de produção (tanto financeiros quanto artísticos e técnicos), ganhadora de inúmeros prêmios e que retrata a família real inglesa — um tema bastante popular e que cativa atenções em boa parte do mundo atual — isso não é pouca coisa.

A versão ficcional e a real da visita da Rainha Elizabeth ao local da tragédia.

O primeiro assombro foi ao descobrir um fato histórico de um período relativamente próximo e pelo qual me interesso bastante (década de 60), de cuja existência eu não fazia a menor ideia. Não por achar que tivesse a obrigação de sabê-lo, mas porque a catástrofe de Aberfan foi uma tragédia de grandes proporções, em um país conhecido e em um passado não muito recente. Tive a sensação de ter “passado perto” em minhas leituras a respeito de outros fatos daquela época, mas sem nunca ter realmente tomado conhecimento do sinistro acontecimento. Assombroso jamais ter ouvido ou lido sequer uma linha a respeito, mesmo. Ainda mais tratando-se de uma tragédia especialmente triste, por suas características especiais. Qualquer ser humano — ainda que apenas razoavelmente digno de ser chamado assim — sente o baque pesado do assombro ao tomar conhecimento do que ocorreu ali, de como ocorreu, do porque ocorreu e principalmente por conta do desastre ter atingido com mais força especificamente quem atingiu.

Uma tragédia em termos de negligência, cujo preço foi pago com as vidas de 116 crianças.

O segundo assombro sem dúvida, foi relacionado às mortes em Aberfan. Quando mencionei características especiais no parágrafo anterior, me referia justamente ao fato de que quando a foice do destino ceifa as vidas de crianças pequenas em uma catástrofe, isso confere (de modo inexorável) um tom ainda mais sombrio ao que já era sombrio por si só. Crianças pequenas, em uma escola? Filhos de trabalhadores humildes em uma pequena vila de mineradores, ensaiando para o festejo de fim de ano letivo? Cento e dezesseis pequenos anjos alegres, prestes a iniciar seu período de férias, num momento feliz e carregado da mais pura das inocências? É pra destruir o coração de quem assiste, de quem lembra ou de quem toma conhecimento pela primeira vez do caso. É aquele tipo de assombro rançoso, negro e sujo como a lama que escorreu da montanha naquele fatídico dia. Um assombro que gruda no fundo da sua garganta e fica lá por um tempo, tal o catarro indesejável de uma gripe mal curada.

Esforços de resgate na Escola Primária Pantglas. ©Mirrorpix

O terceiro assombro foi perceber claros pontos de contato entre o caso britânico e o brasileiro (bem mais recente) nesse deprimente painel de desgraças. Em certo ponto do episódio, é retratado o rescaldo moral do desastre de Aberfan. A investigação das causas, a busca pelas responsabilidades, a tentativa de tirar alguma lição da tragédia. Fica claro nesse momento que a imagem marcada na história (e no imaginário coletivo que por consequência, influenciou os criadores da série) é a da postura do Partido Trabalhista do recém-empossado Primeiro Ministro Harold Wilson — e por extensão, querendo ele ou não — do próprio ministro. Os socialistas do “PT da Inglaterra” demonstraram-se naquele momento claramente mais preocupados em descobrir um jeito de empurrar a responsabilidade do desastre para a oposição (no caso o Partido Conservador) do que em descobrir, investigar, confortar, amparar, colaborar ou simplesmente lamentar. A crueza com que essa pressa em apontar dedos aparece na trama é assombrosa, embora não seja algo desconhecido para um brasileiro nos dias atuais. Eis aí o ponto de contato. Impossível não lembrar dos desastres de Mariana em 2015 (19 mortos e um incalculável prejuízo ao meio ambiente) e Brumadinho em 2019 (259 mortos e 11 desaparecidos), um ocorrido sob administração do “Partido Trabalhista do Brasil”, e o outro já num governo posterior, mas consequência de más práticas administrativas durante um governo petista.

Cena do desastre de Mariana-MG , em novembro de 2015.
Cenas do desastre de Brumadinho, em janeiro de 2019.

A última tragédia brasileira dentre as citadas, a de Brumadinho, foi célebre por expor o Partido dos Trabalhadores praticando uma de suas especialidades. Aproveitando-se de que não ocupavam mais o governo do Estado de Minas Gerais, e que o novo governo estadual não era um de seus aliados, foram céleres em apontar dedos para o governo recém-chegado, ignorando os mandatos anteriores que ocuparam com a desfaçatez que lhes é carcterística. Ao ver os socialistas ingleses na época do desastre de Aberfan agindo como ratos sujos, capazes de jogar de lado a morte de 116 crianças inocentes na ânsia de responsabilizar seus opositores políticos, é incômoda — e porque não dizer, assombrosa — a semelhança entre dois eventos distantes, não só temporalmente como geograficamente.

O quarto assombro se deu ao aprender sobre o processo de investigação do desastre de 1966. O inquérito formal durou 76 dias, até então o mais longo do gênero realizado no Reino Unido. O Conselho Nacional de Carvão do Reino Unido argumentou então que a tragédia havia sido uma “aberração acidental”. À medida que as evidências se acumulavam contra o Conselho durante as semanas do inquérito, Lord Robens (ou melhor, Alfred Robens, Barão Robens de Woldingham, o político trabalhista que então sentava-se à cadeira da presidência do Conselho) afinal admitiu culpa. O tribunal concluiu que o desastre não constituiu um ato de “vilania”, mas ao invés disso, “uma história aterradora da inépcia desastrada de muitos homens encarregados de tarefas para as quais não estavam totalmente aptos, de desatenção a alertas claros e de uma total falta de orientação administrativa por parte das chefias”. Assombro que resta ao ver como as decisões desastradas e irresponsáveis de poucos podem custar as vidas de muitos, a destruição material e humana, o destroçar de famílias, a inviabilização do modo de vida de toda uma comunidade. E por fim, a percepção de que na dor das perdas, parece ficar mais fácil para os responsáveis por esse tipo de acontecimento escaparem de prestar contas de suas responsabilidades. Quando o luto e a mágoa estendem um manto imensurável de tristeza sobre os afetados, é muito difícil que esses afetados, os maiores interessados na justiça terrena, sejam justamente aqueles que terão mais forças para procurá-la. Nesse momento, as autoridades que tem o dever de promover a justiça aos que passam por um momento de extraordinária necessidade, constantemente falham no sentido de ao menos promover condições de ao menos demover práticas que levem a novos desastres. As medidas para que as imprudências, irresponsabilidades, e incompetências que permitem que coisas como Aberfan, Mariana e Brumadinho aconteçam dificilmente são respeitadas pelos Lordes Robens do hemisfério sul. E isso é o mais assombroso de tudo, afinal.

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