O Dilema das Redes

Garçon Conservador
Conservadorismo de Botequim
9 min readOct 29, 2020

--

Com uma denúncia verdadeira, porém raso, incompleto e parcial, o Dilema das Redes é apenas mais um agente daquilo que ele mesmo pretende combater.

O Documentário

… começa com uma citação do dramaturgo Sófocles. E ao se apoiar num dos maiores nomes da tragédia grega os produtores dão uma pista das suas reais intenções nos próximos 90 minutos: encenar um grande melodrama com uma mensagem apocalíptica.

A obra, escrita e montada com a mesma estrutura de documentários nova era como O Segredo e Quem Somos Nós (olhar direto para a câmera, capturas de momentos “offline”, excesso de desabafos e até close de um suspiro) traz depoimentos de ex-funcionários de big techs, carregados de acusações e sentimentalismo, mesclados à uma dramatização que acompanha uma família ficcional que vai sofrendo os efeitos daquilo que está sendo exposto pelos entrevistados em relação aos malefícios do uso das redes sociais. O clímax é digno daquelas produções piegas das igrejas cristãs americanas.

A nova era e o dilema das mãozinhas

Para reforçar o didatismo da peça, os produtores escolheram o ator Vincent Kartheiser para personificar a Inteligência Artificial do Facebook. O ator é conhecido pelo trabalho na série Mad Man. O diretor de elenco deve ter pensado algo como “seria legal colocar alguém daquele seriado dos magnatas da publicidade, já que vamos falar de como o Facebook lucra com propaganda”… deu pra entender o nível de amadorismo da produção né?

Para explicar o papel do usuário (e sim, para castigar o clichê há uma referência ao termo ‘usuário de drogas’ ) os roteiristas fazem uma analogia com bonecos de vodu, mas como estamos falando de progresso, a representação no filme é a de um avatar sendo manipulado pela I.A. através de um console de navegação estilo Star Trek.

Sr Sulu, um ator de terceiro escalão e muita metáforas piegas pra “subir”.

A denúncia

…feita pelos entrevistados, apesar de ser apresentada de maneira pueril e cafona é de fato um ponto positivo e verdadeiro do documentário, já que ele é eficaz em ilustrar a relação entre o mecanismo de notificações, botão curtir e captura de dados para atrair a atenção do usuário, aumentar sua permanência on-line e transformar isso em uma fonte de receita.

Mesclada aos depoimentos do elenco principal, centralizado na figura de Tristan Harris (ex quase tudo no Vale) e Jaron Lanier (uma espécie de Morpheus rastafári) o documentário denuncia que esses métodos geram um vício semelhante ao de uma dependência química, e pra não deixar dúvidas, nessa hora são mostradas cenas de entorpecimento copiadas do filme Réquiem para um Sonho de Darren Aronofsky. Pelo menos alguém na pós produção foi sagaz.

Stories rolando na veia.

A explicação é boa e convincente, nem tanto pelas credenciais dos entrevistados, mas porque tal fato é simplesmente notório. Basta ver uma mulher navegando no Instagram pra chegar a mesma conclusão. Neste momento o que o documentário está fazendo é praticar a Arte do Óbvio para aprofundar a narrativa e chegar de fato ao seu propósito.

A real intenção

…do filme é bem simples: fazer uma inception sobre como as redes sociais são maléficas e possuem um poder de destruição inimaginável, visando atingir aquela parcela de público que hoje está descontente com o atual rumo das interações virtuais. Em termos práticos o documentário tenta dar sentido e ser um suporte emocional pra quem fica de mimimi nas redes (ironia) reclamando (ah, a ironia) que elas estão sendo usadas como ferramentas de livre expressão (enfim, a ironia) e não apenas para compartilhar vídeos de gatos, listinhas, o placar do futebol e a treta do BBB.

Basta ver o hype criado após a exibição do mesmo para o grande público. O Dilema das Redes faz pelo isentão o que o Paredes de Vidro faz pelos veganos.

Se depender desse público, a única discussão que pode ter nas redes é se o peão vai cair. A propósito, o filme do Christopher Nolan completou uma década.

Para sustentar a formação dessa ideia, os algoritmos das redes sociais são acusados de criar pessoas dependentes da tecnologia, descaracterizadas de vontade própria e conectadas a assuntos elencados por estatísticas, é imputada a ideia de que essas pessoas estão suscetíveis a tomar decisões erradas, e até graves, baseadas em conteúdos cuja relevância foi aumentada artificialmente.

Em outras palavras. O Dilema das Redes é uma obra sobre fake news com a proposta de explicar como que as redes sociais são culpadas pela disseminação das mesmas e como os usuários são vítimas por serem usados como “carne barata” entre a rede social que a vende e compradores obscuros.

Um dos filhos da família ficcional dramatizada entre os entrevistados, mostra ao longo do filme que está caindo nesta armadilha. O vício no smartphone, a baixa auto estima, a treta amorosa e uma “TL” poluída por notícias falsas, faz com que o garoto se veja no meio de uma situação “perigosa”.

White boys can’t text. Fica a ideia pro Spike Lee.

Mas só as explicações e a dramatização não são suficientes. E é a partir desde momento que o documentário erra. Já que pra vender esta ideia, de que a soma da busca pelo lucro + IA desumana + fake news pode causar a ruína da sociedade, é preciso abandonar a ficção e trazer o espectador para a realidade. Para dar esse kick (tal como no filme do Nolan), o documentário vai falar do que realmente interessa no fim das contas: política.

As falhas

… ideológicas do documentário surgem na tentativa de corroborar as afirmações e dar peso e urgência às suas preocupações mostrando que a falta de escrúpulos das corporações de redes sociais já interferiram em larga escala na sociedade, mais precisamente nos Estados Unidos e no Brasil, e é claro, nas eleições presidenciais.

Sim, exatamente isso, os realizadores acreditam, ou querem que o espectador acredite, que a extrema direita ultra conservadora chegou ao poder graças às fake news e à permissividade do Facebook.

Essa falácia é jogada sem nenhum pudor em alta resolução, com imagens das manifestações em apoio à Trump e com maior destaque à Bolsonaro. E sim, os realizadores parecem fazer vista grossa para alguns fatos da corrida presidencial brasileira: a direita e o conservadorismo são os movimentos mais censurados no Twitter e Facebook; a denúncia envolvendo compra de postagens em redes sociais confirmou que foi a esquerda quem praticou o delito ao mesmo tempo que criou as fake news; até o momento somente os críticos do presidente foram pegos praticando o famigerado “gabinete do ódio”. O documentário peca ao ignorar a história política recente do país, as manifestações de 2013 e 2015 e o surgimento do pensamento conservador.

O documentário também erra ao citar como disseminação de informações falsas a atuação da Rússia para eleição de Trump. Essa acusação além de já ter sido desmentida, sabe-se hoje que se trata de uma fake news nascida no comitê do Partido Democrata. Neste momento, além de datada, a obra passa a cometer aquilo que ela mesmo critica, disseminar informações falsas que podem causar “problemas existenciais”, culminando no “fim de uma democracia”, e gerando “uma “Guerra civil”. Convenientemente o documentário não traz cena alguma de ANTIFAS.

Em determinado momento da dramatização, há uma afirmação leviana, hipotética que seja, de que players obscuros como “fabricantes de armas” (não é traficante, é fabricante, preste atenção) poderiam impulsionar conteúdo falso porque eles são mais atraentes para o usuário. Em 10 anos de Facebook nunca recebi uma propaganda da Glock, da Beretta ou uma promoção relâmpago da 1911. Aliás, pelo contrário, basta falar disso no YouTube que você perde a monetização. Páginas de temáticas conservadoras inclusive perdem cada vez mais alcance nas redes.

O vício em teorias da conspiração.

Estas simples constatações colocam em cheque muitos dos argumentos no documentário, que peca em não apresentar provas, confirmaçōes técnicas ou científicas para o amontado de conceitos expostos.

Após a demonstração dos perigos das Fake News, é chegada a hora de propor soluções. É neste momento que o documentário, “que não é de esquerda, nem direita, imagina” escorrega do muro e cai pro lado. Adivinha qual?

Adotando termos eufemizados, bonitinhos e lacradores, os entrevistados apontam que há uma “falta de liderança” e sugerem “pressão popular” e “força de vontade coletiva” para resolver o problema. Enquanto eles problematizam que o Facebook age como se fosse um governo eles mesmos querem mais governo para controlar a situação.

Essa postura te lembra alguém? Alguém muito rico, que financia a esquerda mundial e pediu a regulamentação estatal das mídias sociais justamente por serem usadas como ferramentas para propagação da verdade e virar o jogo contra o movimento Globalista?

O documentário também está repleto de palavras gatilho do léxico progressista, como meio ambiente e polarização. E quanto a este último, há a costumeiro esforço para demoniza-lo e colocá-lo como resultado das “’opiniões radicais” na rede e não da radicaIização comportamental da esquerda.

Falando em extremos, uma das entrevistadas mais exaltadas (entende-se por ultra esquerdista) chega a afirmar que “Não é radical acabar com esse mercado porque há mercados que foram proibidos” e assim compara a rede social a um crime hediondo.

Sem saber com resolver o problema, a estrela do documentário Tristan Harris se limita a balbuciar superficialidades como “O Google deveria ter como obrigação ser informativo e homogêneo”. Ou seja um mínimo de personalização e assertividade. para uma melhor experiência é pecado mortal.

A conclusão

…que se chega é de que o documentário, dentre todas as falhas e vícios, tem seu principal erro na falha de julgamento. Seu discurso incessante em culpar as redes, e tratar os usuários como vítimas passa a ideia errada de que as pessoas não possuem capacidade para o livre arbítrio e decidirem por si próprias como usarão a tecnologia.

Em sua cruzada em busca de culpados, os entrevistados assumem uma postura inquisidora e a mea culpa e a auto-crítica ficam em segundo plano. Em nenhum momento eles cogitam que suas falhas éticas enquanto profissionais do Vale, ou a incapacidade do usuário das redes em dominar o “conteúdo” pode ter origens no meio acadêmico, na educação básica, na péssima qualidade dos políticos e das mídias tradicionais e na própria estrutura familiar disfuncional mostrada na dramatização (pais frouxos e filhos abusados).

Um dos momentos mais vergonhosos do longa é quando citam o exemplo de um jogador de basquete que passou a acreditar que a Terra era plana porque viu um vídeo sobre isso no feed do YouTube e considerou tudo verdade absoluta pelo simples falto de estar lá disponível.

Ou seja, para gente como Tristan, não importa os motivos que levam uma pessoa ser uma analfabeta funcional. O que importa é fazer do mundo um lugar seguro para ela, nem que pra isso, a censura seja a solução.

E enquanto esse desejo de 10 em cada 10 proto-che-guevara de boutique não se realiza, o documentário sugere, no meio da rolagem dos créditos (porque esse é o melhor lugar pra dizer aquilo que você não quer que vejam, exceto se você for a Marvel Studios) que a solução paliativa é você “tomar o controle da situação” e dominar o smartphone. O que apesar de ser verdade, e ser a verdadeira solução para o problema, vai contra o que que o próprio documentário vendeu esse tempo todo quando fez um paralelo da situação com a dependência química.

Em seu terceiro ato, ao citar o filme “O show de Truman”, para falar sobre a REALIDADE, os envolvidos nesta produção confirmam o que se esperava dela, eles são como Truman Burbank (o personagem de Jim Carrey no filme), vivendo na paralaxe cognitiva de um mundo idílico, que no caso deles, é o da vitimização sentimentalista e do alarmismo apocalíptico como forma de obter atenção e poder.

A verdadeira Terra Plana onde vive Truman

E diferente de Truman, que subverte o sistema na conquista da liberdade, o que no filme significa alcançar a vida real, eles não estão nem um pouco interessados em trazer a realidade de fato, e sim lucrar com esse teatro de ex-vampiros, a cada filme, ONG, livro e palestra feita. Promovendo mudanças que verdadeiramente colocam as democracias em risco, país a país, de regulamentação em regulamentação…

Para eles não há dilema algum.

--

--

Garçon Conservador
Conservadorismo de Botequim

Oferecendo o melhor do menu conservador. 5 Estrelas no Guia Scruton. Peça pela nossa carta de destilados anti-socialistas.