O Pesadelo, de Johann Heinrich Füssli (1781)

Três princípios: no sonho e na realidade

Editoria Conserva Botequim
Conservadorismo de Botequim
4 min readAug 17, 2020

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O sonho

Imagine um mundo ideal. Imagine uma sociedade brasileira na qual a prosperidade é crescente, os níveis de pobreza diminuíram de maneira significativa e a miséria já inexiste. Pense que nessa realidade, a política voltou-se para seu princípio mais básico: limita-se a organizar e administrar, da maneira mais simples e eficiente possível, as necessidades para que essa sociedade siga prosperando. Pense em uma sociedade onde os entes políticos, personificados nos seus representantes eleitos, norteiam sua ação por 3 princípios, praticamente auto-explicativos de tão simples, representados pela abreviação PPI : o Profissionalismo, o Propósito e a Integridade. Vamos a eles.

Como em outras áreas da atividade humana, na política não deveria ser diferente: a atividade política em si se beneficia do princípio do Profissionalismo no sentido de ganhar com os conceitos de seriedade, dedicação, busca pela excelência, competência e responsabilidade. Existirão anos-luz de distância entre a capacidade de gerar resultados de um agente político que se utilize deste princípio e um que não faça uso dele.

Com o princípio do Propósito, a implicação é um tanto menos prática e do que no princípio anterior, embora de importância fundamental. Imbuído deste princípio, o agente político mantém sempre alinhada a prática de sua função com os objetivos primários que dela advém. Como que munido de um mapa, ao exercer esse princípio de maneira eficiente, esse indivíduo dificilmente se desviará do nobre objetivo que é beneficiar toda a sociedade que representa, através dos melhores caminhos, e da maneira mais rápida e menos acidentada possível.

E no terceiro princípio, os dois anteriores encontram uma base sólida na qual se apoiar. A Integridade confere ao agente político a necessária força de caráter para exercer sua função com a aplicação correta dos resultados dos princípios anteriores, minimizando as chances cair no nefasto erro de ignorá-los, subvertê-los, ou até mesmo tomar para si os frutos dos resultados deles. Com esse princípio em ação, a garantia de que o trabalho repleto de profissionalismo, com o propósito elevado de fazer com que a sociedade em que o operador político está inserido progrida, é muito maior.

Bem, dito isso tudo, vamos à realidade que temos para hoje.

A Realidade

Vivemos em uma realidade onde a ação de nossos representantes políticos, de modo geral (levando em conta o contexto da República Federativa do Brasil da Nova República pós-Constituição de 1988) se pautam por 3 princípios, que também podem ser representados pelas iniciais PPI. Como no cenário descrito anteriormente, vamos a eles.

Privilégio . O agente político em uma sociedade onde o patrimonialismo e o credencialismo sejam pesadamente presentes (como a nossa) aufere uma gama enorme de vantagens, tanto econômicas quanto de poder, em comparação a sociedades em que essas características não são tão presentes. Não é à toa que muitos agentes políticos alcancem posições nas quais possam chafurdar no mais abjeto pântano ético e ainda assim continuarem sendo vistos como líderes, ou sendo objeto de tratamento respeitoso (ao menos oficialmente) por parte de seus pares e outros setores da sociedade. A posição que este princípio coloca o político também permite que os acessos a ganhos financeiros diferenciados (tanto os regulares quanto os irregulares) sejam de mais ampla oferta do que a indivíduos que não desfrutem dessa posição. A garantia que esse princípio confere é a de que aquele que o alcançou através da política será sempre visto em um degrau superior na pirâmide social. Por menor que seja o seu valor na escala real das atitudes humanas.

Permanência. Nesse princípio reside boa parte do trabalho de uma grande maioria da classe política em nossa atual realidade. Por conta das vantagens conferidas pelos outros dois princípios, é muito fácil perceber porque tanta dedicação a este. Permanecer nos cargos conquistados é garantia de continuidade de esquemas montados. Também garante a solidificação de uma fama que pode aumentar capital político, crescer nas fileiras de muitas das organizações criminosas disfarçadas de partidos, e no ganho de “moral” diante dos pares, de forma a alavancar a si mesmo, a aliados e correligionários em diversas situações. Quanto mais tempo, mais possibilidades.

Impunidade. Como uma espécie de escudo que se estende sobre os outros dois princípios, este talvez seja o mais simples e ao mesmo tempo o mais danoso. O nível de crimes, irregularidades, contravenções e toda uma gama de afrontas à ética, à moral (em última anáslis, à Lei em si) que alguém da nossa classe política pode cometer antes que a justiça chegue (quando sequer chega) até esse indivíduo é enormemente superior ao nível tolerado para um cidadão comum em nossa sociedade. Esse princípio norteador do político típico brasileiro acaba por ser o selo simbólico que lacra um acordo nefasto, que blinda o establishment e torna essa república uma espécie de pantomima deprimente. Com esse mesmo establishment interpretando (com sinistra maestria) o papel de uma corte apodrecida de vampiros, demônios, assombrações e monstros diversos, a única garantia que temos enquanto cidadãos comuns sob o jugo desse establishment monstruoso é o de que esse acordo foi indubitavelmente lavrado com sangue. O nosso, é claro.

A título de conclusão, temos o sonho e a realidade expostos à nossa frente. Estamos afundados na realidade, mas não temos os olhos cegos ao sonho. Nada nos impede de trazer as idéias do sonho para o campo dos ideais, e daí empreender uma justa batalha para que elas atravessem do campo dos ideais para essa realidade sangrenta e monstruosa. Me parece que qualquer passo em direção à luz, por menor que seja, é um passo para longe da escuridão.

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Livre, plural, suprapartidário. Alternativa de pensamento à hegemonia esquerdista em Niterói, Rio, Brasil. Liberal, conservador. Menos Marx, Mais Mises!