Porque os traficantes de políticas identitárias estão vencendo a Guerra Cultural

O novo livro de Carl Trueman dá uma pista: Estão procurando por uma individualidade autêntica em todos os lugares errados.

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(uma livre tradução do artigo “Why Identity-Politics Pushers Are Winning the Culture Wars”, de Michael Brendan Dougherty)

H á uma questão simbólica que incomoda muitos conservadores hoje em dia. Ela nos incomoda tanto que os esquerdistas, progressistas e revolucionários em geral obtém grande prazer em nos fazer tremer ao perguntá-la repetidamente no subtexto de seus ensaios, de maneira exultante e ameaçadora. Posso confirmar que eles direcionam-na a nós em e-mails, em mensagens diretas de aplicativos, e até mesmo em mensagens de texto em SMS também: “Porque vocês falharam?” ou “Porque os conservadores falham em conservar?”, “Qual o motivo de você ao menos existir (enquanto conservador)”? Parece até mais uma acusação, ou um veredito do que um questionamento.

Entretanto, seria de igual mordacidade devolver o questionamento a seus emissores: Porque os esquerdistas falharam? Revolucionários vêm culpando conservadores há um bom par de séculos, normalmente por ficarmos parados no meio da estrada, como um burro empacado impedindo o trânsito. Mas não deveriam as políticas deles levar em conta este fato, e descobrir como chicotear o burro até que ele saísse correndo? Ou ao menos um jeito de empurrá-lo para fora da estrada? Ou talvez, colocando a questão de modo mais objetivo, porque os progressistas estão vencendo? Muitas das respostas são pura mitologização a respeito do clichê “a História é cíclica”. Isso não é uma razão, trata-se apenas de autocongratulação disfarçada de metafísica.

O livro recente de Carl Trueman, “The Rise and Triumph of the Modern Self” (A Ascensão e Triunfo do Eu Moderno) é uma tentativa de auxiliar-nos no entendimento do porquê e como novidades históricas como casamentos entre o mesmo sexo e o transgenerismo foram de meras curiosidades até o ponto de se tornarem características intuitivas e amplamente aceitas — para a maioria de nossos semelhantes — com origens imaginárias em nossa própria natureza humana. Ou, de forma mais aguda, porque as questões de “identidade” foram empurradas para a vanguarda da discussão política? Em vez de imaginar se essas razões são simplesmente por falhas da coragem dos conservadores ou por triunfos da imaginação dos progressistas, Trueman tenta traçar como nossa guerra cultural foi alimentada por uma transformação de séculos na noção do que é um ser humano, e na noção do que é uma boa vida. Ele escreve:

Há uma tendência entre os conservadores nos costumes em culpar o individualismo expressivo pelos problemas que eles consideram atualmente estarem tensionando a ordem do Ocidente, particularmente quando ele se manifesta no caos das políticas identitárias. A dificuldade com essa alegação é a de que o o individualismo expressivo é algo que afeta a nós todos. É a essência mesma da cultura da qual todos nós somos parte. Para colocar de forma rude: somos todos individualistas expressivos atualmente. Assim como alguns optam por identificarem-se por sua orientação sexual, o indivíduo religioso escolhe ser identificado como um cristão ou um muçulmano. E isso levanta a questão do porque a sociedade acha algumas escolhas legítimas e outras irrelevantes ou até mesmo inaceitáveis.

E então Trueman começa sua apresentação dessa tese modestamente, explorando o porquê de muitos de nossos bisavós, se tiravam algum prazer de seu trabalho, encontravam-no majoritariamente no fato de que era algo que sustentava suas famílias, que servia a um propósito para terceiros, ou que servia para demonstrar sua habilidade e competência. Porque é então que tantos de nós desejam um trabalho que forneça satisfação íntima, onde a indiferença dos outros seja uma bagatela se comparada com um abundante senso de nossa própria autenticidade? Ou, porque tantos de nós desejam expressar nosso bom e exclusivo gosto através de nossos trabalhos? Porque é que a idéia de demonstrar a competência de nosso ofício pode parecer chata ou pouco inspiradora para tantas pessoas?

Construindo a partir do trabalho de Phillip Rieff e Charles Taylor, Trueman explora a construção do “eu” moderno, e ele está particularmente interessado em como viemos a enxergar nosso ser interno como um pacote de expressões e necessidades psicológicas.

Como muitos livros conservadores ambiciosos, ele tenta traçar uma “genealogia do como chegamos até aqui”. Nós corremos através do Iluminismo, de Rousseau para David Hume, Friedrich Nietzsche, e Sigmund Freud. Nas mãos erradas, esse tipo de genealogia se transformaria em um simples catálogo de erros, onde uma idéia errante em forma de bola de neve — chamemos-na de heresia nominalista — rola colina abaixo através da história, coletando ainda mais erros pelo caminho até que a avalanche resultante nos esmague. Pode ser algo como: A negação de universais metafísicos verdadeiros no final da Idade Média levou à negação de uma dada natureza humana, que levou a um Movimento Romântico que descarrilhou as paixões da razão — e alguns séculos depois estamos sentados nas ruínas nucleares de Nagasaki porque ninguém acredita em nada!

Mas as mãos de Trueman são firmes. Ele também possui um senso mais flexível de como uma transformação no pensamento civilizacional é alcançado, e a resposta não vem apenas através de seminários acadêmicos. Nem estão os erros de uma era meramente confinados a um conjunto de vilões apenas:

O triunfo da terapêutica que o homem psicológico representa depende para muito de seu sucesso, em seu cultivo e disseminação através da arte, seja nos produtos de elite dos surrealistas ou nas ofertas demóticas da cultura pop produzidas em massa. A maioria das pessoas não leu Freud, mas muitos acham atrativa a mensagem pregada em uma miríade de filmes e novelas, de que a vida se trata de encontrar satisfação sexual individual e que os apetites sexuais de alguém residem no cerne de quem esse alguém realmente é.

E mesmo muitos que resistiriam às implicações dessa transformação muitas vezes são arrastados pela correnteza dela. Repentinamente fica claro que de Hume herdamos uma suspeita por todas as exigentes reivindicações da verdade, e de Nietzsche herdamos um nojo e desprezo pela religião em particular. E o trabalho de Trueman, como ele mesmo reconhece, poderia ser aplicado a muitos outros assuntos que não as polêmicas do momento.

Se algumas idéias progressistas parecem triunfar de imediato, é porque elas foram construídas para nadar na correnteza dessa sua época, com todos os seus preconceitos e predisposições. Porém, o sucesso extremamente rápido de algumas dessas idéias da moda é também um testamento ao enfraquecimento da sociedade na qual elas reinam.

O eu psicológico moderno age no mundo como um tipo de solvente, dissolvendo todos os laços de obrigações não escolhidas que de fato constituem uma civilização funcional. O estranhamente soberano, e estranhamente cativo “eu” exige uma forma de justificação para a sociedade que a sociedade não pode fornecer em termos que tal indivíduo aceite.

As implicações de longo prazo dessa revolução são significativas, pois nenhuma cultura ou sociedade que tenha tido que justificar a si mesma por si mesma jamais se manteve por qualquer período de tempo. Tal coisa sempre envolve uma entropia cultural, uma degeneração da cultura, por conta, claro, de não haver nada que valha a pena comunicar de uma geração para a próxima. E com sérios desafios à idéia de que a Civilização Ocidental é a meta pretendida da História — vindos da Rússia, da China, do Islã e de uma miríade de ideologias políticas que fincaram raízes na internet — a natureza anticultural do Ocidente contemporâneo parece instável e pouco convincente.

Se é isso que “vencer” parece para os progressistas, é uma vindicação da crítica que os conservadores ofereceram a eles desde o começo, a de que eles têm tratado sua civilização de forma leve demais.

Se eu tivesse uma nota a adicionar ao trabalho de Trueman, seria que isso naturalmente clama por um entendimento do que resta da nossa cultura, e o que de bom pode ser feito nela. Niestzsche previu que, como Buda, o Deus cristão, depois de ser morto pelo Iluminismo, pode permanecer séculos como uma sombra.

Mas nossa habilidade para reconhecer a cultura de correnteza na qual nós vivemos sugere que há alguma força estabilizadora ou alguma ação resistindo à visão de que somos todos auto-criados. Eu adicionaria que a cultura do “eu psicológico” produz não apenas uma sociedade instável, mas um tipo de indivíduo instável que é sempre redirecionado para uma “individualidade” que é fundamentalmente um abismo incognoscível. A única coisa que ele pode saber é de si mesmo, mas mesmo essa revelação acaba sendo vazia, um assunto compreendido apenas subjetivamente.

Um antídoto para essa condição precisaria ser “objetivo” e “outro”. Isto é, um antídodo deve ser algo como o entendimento tradicional da liturgia Cristã, onde um outro — Deus — é o ator primário, e sua ação objetiva é de auto-revelação às suas criaturas-alvo. Essa ação dá a eles precisamente a dignidade que eles procuram no eu psicológico, lhes permitindo serem conhecidos e reconhecidos. Mas melhora neste desejo, porque esta ação de liturgia não é apenas reconhecer os eleitos, mas amá-los.

da webcomic “Um sábado qualquer” de Carlos Ruas.

Michael Brendan Dougherty é jornalista e escritor.

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Editoria Conserva Botequim
Conservadorismo de Botequim

Livre, plural, suprapartidário. Alternativa de pensamento à hegemonia esquerdista em Niterói, Rio, Brasil. Liberal, conservador. Menos Marx, Mais Mises!