PROCESSO LEGISLATIVO EM TEMPOS DE COVID-19 E A ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
“A independência dos três Poderes na Democracia é uma conquista de importância fundamental para a defesa da liberdade e dos direitos da população.” Montesquieu
A independência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é questão de fundamental importância ao se tratar sobre princípios e regras do processo legislativo.
Especialmente após a segunda metade do século XX, o aumento da complexidade da sociedade alterou de forma significativa as relações entre os poderes e exigiu ajustes que deram maior protagonismo ao Executivo para a iniciativa de elaboração das leis e ao Judiciário para o controle da estabilidade institucional.
Dessa forma, as Constituições democráticas precisam conciliar a necessidade do protagonismo do Executivo em determinados assuntos, com o princípio de que no sistema democrático as decisões fundamentais da vida da sociedade devem ser tomadas pelo Legislativo e ainda deixar pouco espaço para discricionariedade do Judiciário. Além disso, ainda é preciso garantir que os destinatários das normas se reconheçam como coautores das mesmas.
A crise provocada pela pandemia do coronavírus aumentou as tensões entre os poderes e exigiu mudanças no processo legislativo especialmente por causa das medidas de distanciamento social. O Congresso Nacional instituiu um Sistema de Deliberação Remota (SDR) para funcionar durante o período da pandemia.
Algumas das novas regras estabelecidas flexibilizam o processo legislativo estabelecido na CF88, mas mantém os princípios democráticos e da independência e harmonia entre os poderes.
O STF tem atuado em conjunto com o Congresso Nacional para viabilizar a continuidade do processo legislativo democrático. Como guardião da Constituição, o tribunal autorizou as medidas essenciais para funcionamento do Congresso e afastou a possibilidade de medidas que poderiam gerar desequilíbrio entres os poderes e riscos para a democracia brasileira.
As principais alterações em relação ao processo legislativo foram reguladas por meio do Ato nº 123 de 2020 da Mesa da Câmara dos Deputados e Ato Conjunto 01/2020 das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
O Ato nº 123 de 2020 trata sobre a instituição do Sistema de Deliberação Remota (SDR), medida excepcional destinada a viabilizar o funcionamento do Plenário durante a emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19). O referido ato observa o princípio da separação da discussão e votação e demais regras presentes na CF88.
O Ato Conjunto 01/2020 dispôs sobre o regime de tramitação, no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, de medidas provisórias durante a pandemia de Covid-19. Uma das alterações prevê a não constituição de comissões mistas para emitir parecer às medidas provisórias (MPVs). Elas serão instruídas perante o Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ficando excepcionalmente autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas designado na forma regimental (Art. 2º, Parágrafo único do Ato Conjunto). Essa alteração flexibiliza o Art. 62, § 9º da CF88 que determina a necessidade de criação de comissão mista para emitir parecer sobre as MPVs.
O STF analisou essas mudanças nas ADPFs 661/DF e 663/DF. O Ministro Alexandre de Moraes autorizou as mudanças inseridas pelo referido Ato que flexibilizaram as regras previstas no Art. 62, § 9º da CF88.
Uma vez que o processo legislativo foi viabilizado, o ministro negou solicitação para paralisação da contagem regressiva à perda da eficácia das Medidas Provisórias que não versem sobre a pandemia de COVID-19.
Para o ministro a paralização solicitada significaria na prática a revogação do princípio da separação dos poderes. Segundo ele, o silêncio do Poder Legislativo é uma forma legítima de rejeitar as MPVs conforme § 3º do Art. 62 da CF88 e a suspensão dos prazos seria um incentivo para o abuso da edição desses atos excepcionais conforme ocorria no período anterior à promulgação da emenda constitucional 32 e colocava em perigo a democracia brasileira.