Gabriel Estácio
Construção
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8 min readAug 29, 2021

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41: PELAS LENTES DE UM PECADOR

Algo que tem me incomodado muito ultimamente é a forma como a imagem da igreja está arranhada perante a sociedade. É difícil tentar entender os motivos e não chegar a várias respostas. Eu sei que é o cumprimento do fim dos tempos, mas existem algumas coisas para serem discutidas.

No Brasil, apenas quem vive totalmente isolado de um centro urbano é quem, talvez, não tenha ouvido falar do evangelho. A maioria dos brasileiros ou se autodeclara “cristão” ou já teve algum tipo de experiência cristã, seja com o catolicismo ou protestantismo. Isso indica na minha reflexão que o motivo pra rejeição da igreja passa, além do espiritual, por 1) experiências traumáticas com a igreja, e 2) exemplos ruins do “mainstream” gospel.

Tomo por exemplo a Europa. É um continente que foi um grande berço pra nossa religião, onde ela mais se desenvolveu. Mas foram os europeus também que assistiram a grandes crimes contra a humanidade em nome de Deus.

E aqui eu faço uma observação: pro público protestante que me lê, faz parte do nosso passado também, tá? A igreja protestante não tem uma religião diferente nem da primitiva, tão abençoada por Deus, nem da medieval, tão cruel em várias situações. Pro bem e pro mal, o legado cai sobre a gente também.

O povo europeu, assim como o povo hebreu, por exemplo, assistiu a milagres indescritíveis e ouviu sermões lendários, mas foi também imensamente ferido pela exploração sofrida em nome de Deus. E não tem demérito nisso. O problema não é deles de estarem se sentindo machucados, mas de quem não teve o mínimo temor ao Senhor para fazer essas coisas.

Isso tudo levou a Europa a um pós-cristianismo, e tem sido um dilema para os cristãos lidar com a imensa rejeição deste povo a Deus (não é nem só à religião, como quem diz “ah, eu acredito em Deus, mas não gosto da igreja”, mas à ideia de Deus). É de machucar saber que igrejas milenares tem sido transformadas em bares por causa de um legado histórico de erros absurdos.

Quem vive o mundo fora da igreja sabe que, infelizmente, o Brasil parece caminhar pra mesma direção. Como eu disse lá em cima, isso se deve a vários problemas, e, infelizmente, não podemos nem apagar, nem refazer esse histórico ruim. Então, como lidar com isso?

Antes de mais nada, quero deixar algo bem claro aqui: o fato de perceber que o Brasil tende para um período pós-cristão, não significa que eu acredite que isto vai acontecer. É meu dever, e é seu dever, como igreja, fazermos o máximo que podemos para evitar que isso aconteça, enquanto ainda é evitável. E o que fazer?

Orar seria uma resposta simples. Sim, devemos orar. Se oração não fosse importante, não existiria uma orientação para “orar sem cessar”. A questão é que isso envolve uma atitude nossa além da oração. O que é a oração? É nosso contato com Deus, certo? Oramos para que Deus resolva esse problema, e Ele, lá do céu, diz: “Bem, já te dei a solução há quase 2000 anos atrás: ide e pregai”. A solução já tá aí, ir! Orar faz parte da solução, mas não é o todo da solução. Não é orar ou ir, é orar e ir.

E o que é o ir? Para entendermos isso, vamos enxergar o mundo e a igreja pelas lentes de um pecador.

O que é o mundo para um não-cristão? A resposta que você vai dar pra essa pergunta vai depender da sua capacidade de abstração. A minha é: a realidade. Pra quem não acredita em mundo espiritual e no divino, o mundo é a realidade, aquilo que ele vive, é o que ele conhece e experimenta e pronto. Pecado pra ele é o que é crime. A única coisa que ele vai se abster de fazer é aquilo que vai gerar pra ele uma punição. De resto, porque ele evitaria?

E o que é a igreja para um pecador? Essa resposta varia muito de indivíduo para indivíduo, mas o estereótipo é “um lugar de exclusão”, se não direta, onde você é excluído porque as pessoas não te aceitam, te reprimem até que você desista, é indireta, onde você não consegue se encaixar no “padrão crente”, não consegue se libertar dos pecados e vícios e, por isso, se exclui da comunidade.

Pra nós que somos crentes e fazemos parte da comunidade cristã, entendemos que igreja é o corpo de Cristo, é a Noiva de Cristo, somos nós, é a reunião dos santos, enfim… Mas quem tá de fora, avalia o quê? Esse é o ponto. Tem três coisas que rondam a cabeça dessas pessoas em relação à igreja:

COMO ELES SE COMPORTAM QUANDO SE REÚNEM

Essa é primeira visão que alguém tem. Se a igreja causa problemas no local onde está, isso é problemático e já afasta quem tá de fora. Som alto, bagunça, ignorância, incomodar os outros em locais fora da igreja, descaso com o prédio da igreja, linguajar inacessível… tudo isso são problemas que a gente pensa que não tem impacto na visão das pessoas, mas tem.

Pense que pra um descrente não existe diferença entre uma Assembleia de Deus e uma Presbiteriana, é tudo igreja. Por causa do escândalo de uma, outra pode deixar de colher frutos. Ou até mesmo não a igreja: por causa do escândalo de um grupinho de crentes da sua escola, faculdade ou trabalho, a igreja pode estar deixando de colher frutos. Esse é um tipo de testemunho.

COMO ELES SE COMPORTAM COMIGO

Como nós nos comportamos em relação a recepção e acolhimento, não só na igreja no momento de culto, mas também na igreja fora do momento de culto e efetivamente fora da igreja. Essa nem é uma questão de timidez ou não. Existe uma diferença entre a timidez e a rejeição, a não estar aberto para novas conexões, para inserir alguém dentro da comunidade. E cá pra nós? Mesmo que fosse, vale o esforço, né? (Isso eu falo pra mim mesmo também, porque tenho uma imensa dificuldade nessa área).

É fundamental que sejamos receptivos dentro e fora da igreja. Isso não quer dizer ser conivente e se “sentar na roda dos escarnecedores”, mas ser alguém disponível, em quem eles podem confiar, um amigo que, apesar de viver uma vida diferente, seja alguém que eles possam contar. Esse também é um tipo de testemunho.

COMO ELES SE COMPORTAM COM A SOCIEDADE

Esse é talvez o testemunho mais observado e, é, pelo menos na minha avaliação, o maior problema. Não só porque uma igreja que dê mal testemunho seja mais frequente do que gostaríamos, mas porque resolver esse problema num país com tanta diversidade de culturas pessoais e ministeriais é quase impossível!

Como essa igreja se posiciona diante dos problemas sociais? Como essa igreja impacta a sociedade ao redor dela? Quais são as ferramentas e serviços que essa igreja disponibiliza para resolver os problemas que ela encontra fora das quatro paredes? Eles se importam com isso?

Tudo isso é questionado por um descrente, e essa é uma reflexão que cabe à toda a igreja, não só aos pastores e líderes.

A relação promíscua igreja-Estado na idade média é uma das grandes responsáveis pela repulsa que boa parte do mundo além-América tem ao cristianismo. A prostituição que muitos de nossos líderes têm feito sem nenhum temor ao Noivo que comanda a igreja é responsável pelo abismo que tem separado cada vez mais crentes e descrentes. Fazer essa ponte, principalmente com as novas gerações, tem sido cada vez mais difícil.

Não estou dizendo que é necessário ignorar as mazelas da nossa sociedade por medo de associação política. O problema é justamente ignorar as mazelas da nossa sociedade em nome de uma associação política para um projeto de poder. É aí que a gente começa a (tentar) fazer do evangelho uma má notícia. Graças a Deus, porém, o evangelho resistiu a todos os absurdos do passado e, tenho plena certeza, sobreviverá aos absurdos do presente.

A nossa função agora é apresentar ao mundo as boas novas. É, através do exemplo e da pregação, mostrar que existe um Deus que pode restaurar uma pessoa, sem destruir tudo o que ela conhece (sua cultura local). Precisamos entender o que um pecador pensa para que possamos apresentar algo novo. Precisamos saber nos colocar na realidade dele para que ela seja transformada.

É por isso que as experiências missionárias atualmente são cada vez mais pessoais. O missionário é cada vez mais treinado para aprender, entender e se inserir numa cultura antes de efetivamente entrar em ação.

O objetivo fim não é meu conforto, não é meu galardão, não é dominação cultural ou religiosa da igreja, é o crescimento do Reino de Deus. Este Reino não é uma desculpa para me manter isento, nem para jogar bravatas ao vento, mas é meu objetivo final. Eu quero vê-lo crescer e apenas isso.

“Vivemos de forma que ninguém tropece por nossa causa, nem tenha motivo para criticar nosso ministério. Em tudo que fazemos, mostramos que somos verdadeiros servos de Deus. Suportamos pacientemente aflições, privações e calamidades de todo tipo. Fomos espancados e encarcerados, enfrentamos multidões furiosas, trabalhamos até a exaustão, suportamos noites sem dormir e passamos fome. Mostramos quem somos por nossa pureza, nosso entendimento, nossa paciência e nossa bondade, pelo Espírito Santo que vive em nós e por nosso amor sincero. Proclamamos a verdade fielmente, e o poder de Deus opera em nós. Usamos as armas da justiça, com a mão direita para atacar e com a mão esquerda para defender. Servimos quer as pessoas nos honrem, quer nos desprezem, quer nos difamem, quer nos elogiem. Somos chamados de impostores, apesar de sermos honestos. Somos tratados como desconhecidos, embora sejamos bem conhecidos. Vivemos à beira da morte, mas ainda estamos vivos. Fomos espancados, mas não mortos. Nosso coração se entristece, mas sempre temos alegria. Somos pobres, mas enriquecemos a muitos outros. Não possuímos nada e, no entanto, temos tudo.”

[2 Coríntios 6:3–10]

Não posso ser pedra de tropeço. A videira verdadeira não possui galhos infrutíferos. Jesus é bem claro que diz que esses serão cortados fora. Agora, os galhos que, além de infrutíferos, tentarem impedir de alguma forma a frutificação da videira, saibam que serão subjugados e esmagados embaixo dos pés do Senhor, como qualquer um de seus inimigos.

Que, além de não me permitir ser infrutífero, o Senhor nunca me permita tentar atrapalhá-lo. Que o pecador olhe pra mim e veja um reflexo do Deus que é refúgio e libertador, disposto a restaurar suas lentes sujas e trincadas, e não de um Deus que escraviza. Que o mundo olhe para a igreja e veja uma Noiva de vestido alvo mais que a neve, e não uma prostituta coberta pela lama.

Gabriel Estácio, 29 de agosto de 2021.

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