Conheça 4 tendências na qualificação da mão de obra da construção

Daniel Zanoello
Construtech Ventures
7 min readJun 27, 2018

Uma das mais notáveis deficiências associadas ao setor da construção civil é a baixa qualificação da mão de obra. Segundo a consultoria EY (antiga Ernst & Young), ela é um dos principais fatores que influenciam negativamente a produtividade do setor da construção civil, a qual possui baixo crescimento há décadas.

A persistência deste problema do setor não pode ser explicada apenas pela falta de grandes incentivos estratégicos, pois a demanda por um crescimento mais acelerado da produtividade existe. Ao ser comparada com outros setores da economia, a produtividade do setor da construção civil tem crescido de forma muito lenta, não sofrendo um impacto à altura das evoluções tecnológicas das últimas décadas, como é perceptível no gráfico abaixo:

Crescimento da produtividade laboral do setor da construção frente à indústria manufatureira e à toda a economia. Por McKinsey.

São diversas as possíveis causas do complexo problema de baixa qualificação. Desde a estrutura da educação básica até a intrínseca ciclicidade do setor da construção, o qual demonstra ser incapaz de reter trabalhadores em períodos de crise, como ocorreu na mais recente recessão. O entendimento destes fatores com profundidade conduz os agentes envolvidos nesta transformação, como construtoras, poder público e empreendedores, a viabilizar soluções que promovam capacitações técnicas à todos níveis de profissionais do setor.

Tendo em vista o grande número de stakeholders envolvidos, tais soluções podem ter diferentes origens, desde a atuação de construtechs até a elaboração de políticas públicas, como também utilizar soluções de outros mercados como base, podendo beber de fontes inovadoras como as edtechs, startups relacionadas à educação. E serão algumas destas soluções, de diferentes fontes e com potencial de se tornarem fatores-chave para o desenvolvimento de toda a cadeia, que serão abordadas neste post.

1. Data analytics

Segundo o Banco Mundial, no Canadá, cerca de 25% dos trabalhadores da construção civil que são demitidos encontram seu próximo emprego em outros setores, sugerindo que boa parte não vê um futuro profissional claro no setor.

A mesma instituição apresenta que há decréscimo na participação de jovens trabalhadores envolvidos na construção. Como aponta o gráfico abaixo, houve quedas na participação da força de trabalho nas faixas entre 16 a 24 anos e de 24 a 44 anos de 1985 até 2014, refletindo em aumentos expressivos no contingente de idade mais avançada, o que reforça a dificuldade de adoção de novas tecnologias no setor.

Tais fatos podem ser explicados pelas mudanças demográficas que estão ocorrendo no mundo e pela falta de atratividade do trabalho na construção civil, no que diz respeito à remuneração, jornada de trabalho e possibilidade de ascensão profissional.

Distribuição da mão de obra da construção civil dos EUA. Por Banco Mundial.

Dados, como estes apresentados, fornecem informações úteis à compreensão do estado da força de trabalho da construção. Eles possibilitam ações em direção da mudança para todos os gestores que possam estar envolvidos em tornar o trabalho da construção civil mais atraente, nos diversos âmbitos citados.

No mesmo sentido, uma pesquisa da KPMG de 2017, realizada com centenas de profissionais, aponta que a análise de dados voltada para recursos humanos (people analytics) pode proporcionar acesso a informações muito úteis também nos processos de recrutamento, retenção e treinamento da força de trabalho. Dentre os principais resultados nestas aplicações, está a melhor determinação das habilidades técnicas e características pessoais requisitadas para as equipes que executarão os próximos projetos.

Portanto, a formação de uma estrutura de data analytics aplicada ao setor da construção pode tornar a procura e a capacitação dos profissionais muito mais assertivas, com objetivo de fixar o maior número possível de bons profissionais.

2. Realidade aumentada e virtual

De forma sucinta, pode-se definir realidade aumentada como a integração entre informações virtuais a um meio real em tempo real, com possibilidades de interações entre o usuário e o ambiente. Já realidade virtual pode ser descrita como experiências que ocorrem em um ambiente totalmente virtual, havendo, também, interações do usuário com o meio. Recentemente, o Bruno Loreto escreveu um post exclusivamente sobre como as construtechs têm usado realidade virtual nos setores da construção civil e imobiliário.

Como demonstrado nesta aplicação da construtech canadense ScopeAR, é possível treinar equipes por meio da tecnologia de realidade aumentada (e também por meio da realidade virtual) já existente. A proposta desses treinamentos pode ser capacitar tanto em quesitos técnicos (relacionados à função que o trabalhador desempenhará), como instruções de inspeção de um equipamento ou servindo como um assistente de trabalho, quanto abranger o aspecto de segurança no trabalho, proporcionando instruções de como instalar equipamentos de segurança adequadamente e lidar com situações de risco.

Tais tecnologias podem ser muito úteis na qualificação de funcionários com menos de 1 ano de experiência, os quais representam 60% do total de acidentes em obras, diminuindo, desta maneira, a ocorrência de outro antigo problema do setor. De forma a exemplificar, o vídeo abaixo demonstra um treinamento baseado em realidade virtual da Universidade de Bochum da Alemanha, simulando situações cotidianas e que envolvem risco de saúde em um canteiro de obras.

3. Plataformas de ensino focadas no setor

Depois de exemplos bem-sucedidos de plataformas de cursos online, como o Coursera, Udemy e edX, surgiram no mercado outras startups que oferecem conteúdos focados em profissionais do setor da construção.

Algumas das construtechs que estão atuando na qualificação da mão de obra da construção são:

  • A norte-americana ConstructEd, a qual foca em questões práticas do canteiro de obras, desde um curso gratuito de segurança durante o uso de serra circular até princípios de liderança para mestres de obras.
Apresentação do curso sobre telhados da ConstructEd
  • Com um viés voltado aos softwares utilizados em projetos, a ThinkParametric, disponibiliza conteúdos para a engenheiros e arquitetos que estão envolvidos nesta etapa da obra.
Introdução do curso de Revit da ThinkParametric
  • A construtech brasileira EstudeAE fornece cursos de curta duração, inclusive de até 5 min, ministrados por profissionais da área. As temáticas são relacionadas, principalmente, ao âmbito de atuação de engenheiros civis, contendo cursos como: “Ensaios tecnológicos de argamassa” e “Vistoria de entrega e recebimento de obra”.

Para ampliar o conceito trazido pela EstudeAE, o IBGE apresenta a estatística de que, no Brasil, mais de 138 milhões de pessoas, ou 77,1% de toda a população com 10 anos ou mais de idade, tinha um celular em 2016. Tal dado revela o potencial da utilização de celulares com internet como, também, uma nova fonte de aprendizado acessível e prática dentro de um canteiro de obras.

4. Incentivos governamentais e associativos

Governos de alguns países em diferentes estágios de desenvolvimento econômico e de diferentes culturas vêm estimulando de forma crescente a qualificação da sua massa trabalhadora nas mais diversas indústrias. Além do objetivo de obter maior competitividade global, há também a preocupação de assegurar a fixação de funcionários mais qualificados em suas indústrias, como no caso de alguns governos europeus, que pagaram partes de salários para trabalhadores da construção durante a crise de 2008, evitando o aumento da informalidade.

Um exemplo a ser observado pela construção civil é o do Ministério do Trabalho de Cingapura, o qual exige, desde 2017, que pelo menos 10% dos trabalhadores de qualquer construtora tenha um nível superior de qualificação profissional (chamado de R1), que pode ser obtido pelo atingimento de uma combinação de alguns critérios, tais como:

  • 4 anos de experiência no setor em Cingapura;
  • Passar em testes promovidos pela autoridade local de construção civil, a BCA (Building and Construction Authority);
  • Implementação de um salário fixo mínimo de US$ 1.600,00.

Nos EUA, dentre diversas instituições que visam a qualificação da mão de obra do setor, destaca-se o National Center for Construction Education & Research, uma organização criada por mais de 100 CEO’s de construtoras e que já realizou mais de 500 mil avaliações técnicas de profissionais.

No cenário brasileiro, onde o ambiente regulatório propiciado pelo governo gera um baixo impacto no crescimento da produtividade da construção (como notado na figura abaixo), percebe-se um longo caminho a ser percorrido na frente de estímulos à qualificação da mão de obra da construção.

A maturidade de tendências que afetam o crescimento da produtividade entre vários países. Por McKinsey.

O capital humano, acima de tudo, como fator de mudança no setor

Além destas 4 tendências de melhoria da mão de obra da construção, é imprescindível ressaltar um movimento mais amplo. Trata-se do aperfeiçoamento profissional visando a adoção de novas tecnologias. Pois, para que os grandes avanços tecnológicos consigam gerar o valor esperado, é preciso que além de serem desenvolvidos com foco no usuário, as novas soluções possuam profissionais capacitados para utilizá-los. Um olhar mais atento a capacitação dos trabalhadores que possuem maior experiência laboral, porém menor intimidade com novas tecnologias se faz necessário para uma virada digital na construção civil.

Experiências imersivas em ambiente virtual, conteúdos rápidos em vídeo, incentivos de legisladores e de entidades com fins de melhoria da força de trabalho e uma visão data-driven para o capital humano são tendências que demonstram que o aprendizado dos profissionais da cadeia pode atender aos interesses de todos stakeholders da construção, desde o empresário, almejando obter maior eficiência operacional e um melhor ambiente de obra e o trabalhador, que busca formas de estar se inserindo no contexto das novas tecnologias que surgem pelas construtechs e geram disrupção na maneira de como construímos.

O Construtech Ventures acredita que o crescimento da produtividade do setor da construção será amplamente acelerado pelas construtechs que solucionam as reais dores do mercado, como a qualificação da mão de obra.

Ficou com alguma dúvida sobre o Construtech Ventures? Fale comigo: danielzanoello@construtechventures.com.br

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