Padaria Copacabana

Glauber Cruz
Construtor
Published in
3 min readMar 2, 2017

As malas já estavam prontas. A passagem comprada. O lanche, a garrafa d’água, o dinheiro pro táxi para ir até a rodoviária, tudo separado e organizado. Mas faltava algo, e eu precisava me mexer. Os dias passam rápido no horário de verão.

Era uma tarde quente a de segunda-feira, o céu sem qualquer resquício de nuvens. O Centro, como de costume, estava lotado. Gente indo e vindo, indo novamente e voltando mais uma vez. As rotinas colidindo, apressadas e suadas, olhando para o lado apenas cuidar os assaltantes. Os gritos dos vendedores ecoavam pelo Largo Glênio Peres. Frutas, quinquilharias e tudo mais que é necessário à nossa sobrevivência. Os ônibus saíam da Praça Parobé, recheados de pessoas que fugiam no meio da tarde do cheiro do Mercado Público. Cheiro de centro, cheiro de Porto Alegre. Um cheiro que, curiosamente, não invade a Padaria Copacabana. O cheiro ali é algo que desliza sobre a tênue linha entre o doce e o azedo, algo entre o suco de laranja e a torta de maçã.

Cedendo à mania de romantizar tudo, me arrisco a falar que ela tem cheiro de infância. Não lembro a primeira vez em que entrei lá, mas tenho a certeza de que na ocasião estava sendo guiado pela mão de minha mãe. Nos efêmeros anos durante os quais morei em Porto Alegre durante a infância, a Padaria Copacabana era um lugar fincado na nossa rotina. O momento certeiro que marcava o fim do tour pelo centro. Comprado o cacetinho, a torta de coco, o bolo inglês ou a broa de leite (às vezes, muito às vezes, a de milho), subíamos até a Salgado Filho pegar o Agronomia que nos deixaria perto de casa.

Já se passaram quase 20 anos, e entre as bancas 131 e 137 ainda circula aquele cheiro de suco de laranja e torta de maçã, aquele delicioso cheiro de mãe, de broa de leite. Posso esquecer a garrafa d’água, o lanche, o dinheiro pro táxi, mas não posso esquecer a broa. A mãe adora aquela broa, adora de um jeito que a ligação um dia antes de eu viajar para casa é inevitável: “Não esquece da broinha”. A broa cujo sabor nunca muda, embalada numa sacola que também nunca muda. A broa que saboreou meus anos de infância e os anos de mãe de primeira viajem dela. Talvez, nos seus dias ruins, a única garantia de algo bom. Sabor de lugares que apesar do fluxo de gente que entre e sai, que vai e que vem, estão sempre lá, estacados no mesmo lugar, com os cheiros organizados, seguindo suas próprias rotinas enquanto se chocam com as nossas e com o paladar e o olfato da nossa mais íntima história.

Não tenho certeza sobre o sabor que faz com que a mãe sempre peça a broa, se o sabor nostálgico das lembranças ou simplesmente o sabor de leite que nunca muda. De uma forma ou de outra, a Padaria Copacabana se grudou na vida dela do mesmo jeito que o remix da propaganda da Panificadora Alfa gruda em nossas cabeças, resistindo à rapidez da rotina e da própria existência dos dias de hoje. Lembranças ou apenas uma degustação agradável por R$ 3,80. Ínfimos mesmo em dias de crise quando comparados com a sensação de ouvir a contida alegria na voz de mãe quando respondo que não, não esquecerei a broa de leite.

Texto publicado na coluna “Portoalegretense”, escrita por mim para o jornal Gazeta de Alegrete.

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