Bruno Collin: “A bissexualidade é negada às pessoas pretas, sobretudo aos corpos pretos periféricos”
Em um típico ensolarado sábado carioca, nos encontramos no prédio da Faculdade de Letras da UFRJ, na Cidade Universitária, mais conhecido pelos estudantes como Fundão. A escolha do local, se deve a familiaridade de Bruno Collin, de 22 anos, com o espaço que frequenta há 5 anos. Apesar de ser fim de semana, o local estava repleto de estudantes, que ocupam o espaço da Universidade fazendo cursos de línguas estrangeiras ou se encontrando para fazer algum trabalho da faculdade. Adentramos o prédio em busca de um lugar silencioso para conversar. Foi lá que jovem universitário estudante de Química, professor de pré-vestibular e militante do movimento bissexual, que nasceu na Zona Leste de São Paulo, conta a trajetória de descobertas, obstáculos e resistência de um jovem bissexual negro.
Como foi crescer na Zona Leste de São Paulo?
Bruno: Foi um misto de coisas e muito doido ao mesmo tempo que eu acho que aprendi muita coisa, que se eu não tivesse crescido lá não teria aprendido. Eu tenho uma vivência muito delicada por outro lado. Minha mãe, Jane Castro, engravidou muito cedo, quando tinha 15 anos. E ninguém da minha família soube sobre sua gravidez por muito tempo. Eu preciso explicar que quando eu falar minha mãe e meu pai, geralmente me refiro aos meus avós. Eu não trato minha mãe biológica como mãe, chamo ela de Jane. Mesmo muito nova, a Jane me teve, mas falou que não ia me criar. Eu demorei muito tempo para tentar entendê-la, para aceitar que ela não tinha culpa. Enfim, foram meus avós que me criaram, e a partir daí eu tive toda a minha vida.
E o seu pai biológico?
Bruno: Meu pai biológico não me registrou. Eu sei quem ele é, mas eu não tenho contato. E o contato nunca aconteceu porque ele também nunca quis o que é uma coisa comum no nosso país. Por isso, eu fui criada pelos meus avós, que são muito evangélicos, da Igreja Universal. Hoje em dia, minha avó está ela está bem melhor na minha perspectiva. Está mais tranquila, digamos assim, entendendo melhor várias coisas. Mas no começo, não foi assim, e a religião foi me marcando aos poucos, em alguns momentos da minha vida.
Você tem irmãos?
Bruno: Eu tenho mais dois irmãos, por parte de mãe e que são de pais diferentes. Na minha infância, eu lembro da minha irmã, porque foi a mesma situação de que ninguém sabia que a Jane estava grávida, só que nesse caso, a família só descobriu no dia porque ela estava reclamando de dor no estômago e levaram no médico. Até que ligaram para minha mãe, minha avó que considero mãe, falando para levar roupinhas de bebê para o hospital. A Jane também não queria criar a minha irmã, mas a minha mãe falou que ela iria criar de um jeito ou de outro e que não iria ser a mesma coisa de quando aconteceu comigo. Eu acho que essa situação foi bem cruel e horrível com minha irmã.
Sua família ainda está em São Paulo?
Bruno: Elas se mudaram. Depois que minha irmã cresceu, a Jane se casou e mudou completamente. Ela teve outro filho, meu irmão mais novo, e a gestação foi completamente diferente. Ela fez chá de bebê, tinha uma barriga enorme e quis criar meu irmão. A gente vê essa diferença até hoje, no modo como ela trata meu irmão e como ela trata a minha irmã. Depois que ela casou, minha irmã foi morar junto com ela e eu continuei morando com minha avó. Recentemente eles se mudaram para a Bahia, porque o marido dela é de lá e vivem juntos faz um ano.
Toda a sua família é composta por pessoas negras?
Bruno: Toda a minha família é composta por pessoas pretas exceto a esposa do meu tio. Pensando bem, as esposas dos meus dois tios. Mas tem uma coisa engraçada, é que como a minha família não é muito politizada, a minha mãe de sangue, a Jane, era muito racista, racista no sentido de “eu nunca vou casar com preto, onde já se viu uma coisa dessa?” e no final ela casou com um preto de Salvador. Enfim, a minha família nunca foi muito politizada, mas quando as esposas dos meus tios fazem alguma coisa, a primeira coisa que minha mãe fala é “ah lá, ela é branca”. Então por mais que minha família não seja politizada, não tenha essa questão racial muito forte, o erro é atribuído a cor da pele.
Então, na sua infância isso não era uma coisa que era conversada em casa?
Bruno: Não, não era uma coisa que era conversada em casa. Acho que eu nunca conversei com a minha mãe. Ensino médio, ensino fundamental, nunca cheguei a conversar sobre questões raciais. Nunca.
E questões sociais, de classe? Porque vocês moravam na Zona Leste, na periferia de São Paulo.
Bruno: Essa questão é complexa porque a gente mora na periferia, em Guaianazes, mas não é a mesma relação com periferia igual no Rio de Janeiro. Minha mãe não aceita muito quando eu falo que moramos na periferia, porque tem essa associação imediata, essa imagem de que periferia é favela, tem esse viés negativo, ruim. Ela não aceita muito. E tem também a questão religiosa, com a teoria da prosperidade. A Igreja Universal fala muito dessa questão, que você vai enriquecer, que seu Deus vai te dar tudo, que por um lado é muito bom. Eu entendo que mantém ela viva, sabe? O apoio que não teve em nenhum outro lugar, em nenhum outro espaço, ela tem lá. E conforta. Querendo ou não, eu também levei muito tempo para entender isso, que isso conforta. Por mais que a gente tenha muito problemas, problemas horríveis, isso conforta ela. Uma outra coisa que lembro muito, é que ela sempre me falou que que filho dela não fica na rua, porque ficar na rua é coisa de pobre, de favelado, de periférico. Tanto que eu não tive uma infância na rua, eu não ia brincar na rua com meus amiguinhos e quando acontecia ela fica no portão olhando porque era isso. Filho dela era diferente.
A religião foi muito presente na sua criação, como foi para você se descobrir como bissexual e falar isso para a sua família?
Bruno: Eu sempre fui reconhecido pelos outros. Eu gosto de falar assim, que as pessoas me fizeram bicha, sabe? Porque era assim que as pessoas me identificavam. Eu nem sabia o que era e as pessoas já me identificavam assim desde criança. As minhas recordações da escola, e do próprio primário sabe? É das pessoas falando como eu era afeminado e bicha. Sendo que eu nem sabia o que era ser bicha e nem entendia que eu sentia atração por homens.
Pelo jeito que as pessoas falavam, você achava que era uma coisa ruim?
Bruno: Eu sabia que era uma coisa ruim pelo que as pessoas falavam. Mas eu fui descobrir que era realmente uma coisa ruim através da religião. Eu fui criado dentro da Igreja Universal e eu frequentava o que eles chamavam de escola bíblica infantil. Então minha mãe ia sempre, ela sempre me levava e eu ia para a escola bíblica infantil. E eu até que gostava, achava legal. E foi lá que fui entendendo que ser gay era errado e que eu tinha que pensar em como eu ia agir, na minha postura e no jeito que eu ia falar para amenizar isso. E naquela época, como eu gostava de meninas eu ficava confuso porque as pessoas me identificavam dessa forma.
Quando eu tinha 12 anos, eu percebi que gostava de homens e fiquei em choque porque pensei que eu era aquele bicha que tanto falavam. Eu acho que é uma coisa muito da periferia, da masculinidade e da vivência homem negro de que se você fica com homens, você não pode ficar com mulheres. Você é viado e é isso. Então, eu me apropriei muito daquilo e quando percebi que eu estava me sentindo atraído por homens eu imediatamente pensei que eu era gay e reneguei todo aquele desejo anterior que eu sentia por mulheres.
E como foi esse processo?
Bruno: Eu estava na Igreja naquela fase de negação. Eu acreditava que se eu negasse e me apegasse a deus ele iria me salvar desse desejo. Então eu passei muito tempo, alguns meses, tentando negar esse desejo. Até que eu vi que não era possível que o desejo mudasse, que aquilo saísse de mim. Não tinha uma forma de tirar aquele desejo de mim. Mas como estava dentro de casa da minha mãe, que era muito religiosa e não podia saber disso, foi complicado. Eu lembrava das piadas que ela fazia, dos programas de televisão que ela assistia e se tinham alguma representação era daquela bicha afeminada, aquela bicha que queria ser mulher sabe, que não tinha relação com a minha identidade, mas que era representado assim. E minha mãe via e rolavam piadas, comentários, e eu tinha que sair da sala porque já estava passando a me incomodar.
Até esse momento, eu não tinha me relacionado com homens e com 14 anos, eu decidi que era o momento. Hoje eu fico pensando que eu era uma criança passando por tudo isso sozinha, enfrentando todas essas coisas e sem poder conversar com ninguém. Como não sabia muito bem como fazer, foi na Internet que achei um lugar em que podia me expressar e ser quem eu era. Foi lá que conheci o primeiro homem que me relacionei, que na época, tinha o dobro da minha idade.
Esse primeiro homem com quem você se relacionou era a certeza que você precisava?
Bruno: Exatamente isso. Era a certeza que eu precisava para falar que eu era assim. Me fez bem. Não que me fez bem, mas para o meu corpo, isso alimentou o meu desejo, o que eu estava sentindo. Depois disso, passei novamente pela fase de negação, porque sempre me lembrava que minha mãe falava uma coisa que me marca muito até hoje, ela dizia que preferia ter um filho traficante, que usasse drogas, do que um filho viado, porque um filho traficante ela poderia internar e curar, mas um filho gay não. Ao mesmo tempo que ela achava errado, ela sabia que não tem cura, que era uma coisa da pessoa, mas que ela não queria. Era uma coisa contraditória. Se não tem cura é porque é natural, não é? Eu sentia que ela já sabia, por isso sentia a necessidade de reiterar sempre, para que ela soubesse que esse seria o pior desgosto para ela, que ela não teria orgulho disso.
Até que com 16 anos, eu percebi que não poderia mais negar. Eu não conseguia mais mentir para todo mundo e para mim. E minha solução, foi sair de casa, eu achava que fazendo isso meus problemas acabariam, porque minha questão não era de assumir quem eu era na rua, mas dentro de casa.
E como foi sair de casa?
Bruno: Foi através dos estudos. Eu sempre percebi que ser viado era uma coisa muito ruim, seria o pior desgosto da minha mãe. Então, pensei que a forma de dar orgulho para ela seria estudando. Desde sempre, eu me esforcei para ser o melhor aluno e me dedicar, para de certa forma, compensar o fato de ser gay. Porque aí ser viado seria só um detalhe. Isso era também para mim. Como eu terminei o ensino médio muito cedo, com 16 anos, e essa era a época de começar faculdade, eu prestei o ENEM e coloquei Radiologia na Universidade Federal de São Paulo. Era um curso novo, eu entrei na quarta turma e cursei durante seis meses.
Ao longo desses seis meses eu fui percebendo que o curso era horrível e muito mal estruturado. Como era uma das primeiras turmas, não tinha como ser o que eu esperava. O curso era muito multidisciplinar, a gente tinha disciplina de humanas, de biológicas, de exatas, disciplina tecnológica, disciplina de comunicação e tinha química. Eu até hoje não sei porque eu não coloquei Química desde o começo, porque fiz técnico em Química junto com o ensino médio. Estimulado por um amigo meu, o Luiz, eu prestei o SiSU novamente no meio do ano e passei em Química na UFRJ.
Foi nesse momento que você se mudou para o Rio de Janeiro?
Bruno: Sim, a Jane veio comigo fazer a matrícula, a gente voltou para São Paulo no mesmo dia e fui conversar com minha mãe. A Jane me apoiou, mas minha mãe falou que só poderia me ajudar nos primeiros meses e depois teria que me virar. Como eu sabia que poderia receber assistência estudantil, eu vim para o Rio, achei uma República na Vila Residencial e fiquei. Quando minha mãe me trouxe para ficar de vez, eu chorei. Até que eu parei de chorar, enxuguei as lágrimas e pensei que agora eu podia fazer o que eu quisesse e viver minha vida.
Eu não tenho uma memória de quando eu era criança, eu sempre me vejo tendo que tomar grandes responsabilidades, grandes decisões que vão interferir muito na minha vida. Eu não sei se as pessoas pretas têm infância. Acho que não.
E quando sua família descobriu sua orientação sexual?
Bruno: Eu já estava no Rio, mas eu nunca tinha falado abertamente que eu era gay. Quando eu ainda estava em São Paulo, eu contei para algumas pessoas mais próximas e tive um namorado que minha mãe descobriu e ficou louca. Quase me bateu.
E você negou?
Bruno: Neguei. Ela descobriu porque eu e meu ex namorado conversávamos muito por telefone de madrugada. A gente ficava de meia-noite até 4 horas da manhã conversando no celular. E em uma dessas vezes, porque isso acontecia todo dia, a minha mãe ficou atrás da porta ouvindo, ela ouviu um “eu te amo” e ouviu algumas outras coisas. Ela bateu na porta e começou a questionar com quem estava falando, eu neguei tudo e fui dormir. No dia seguinte, eu neguei novamente e fui para o quarto pegar um livro. Nesse momento, ela me segurou pelo colarinho, me colocou contra a parede e falou para eu confessar que era gay. Eu disse que não, reiterei tudo que eu tinha falado, que ela tinha entendido errado, e que se eu fosse eu falaria. E aí ela me soltou e saiu. E nessa hora eu lembro que fui para o banheiro e chorei muito, porque foi horrível. Não foi horrível a situação, mas foi horrível negar, não ter tido a coragem quando eu mais precisava de coragem, me deixou arrasado.
Eu falei pela primeira vez que era gay no dia do trote da faculdade, quando fui forçado a dizer quem eu era. E foi ali que eu falei que era viado. A partir daquele dia, eu falei para todo mundo e minha performance deixava escrito na minha testa até para quem não me conhecesse.
Quando que você descobriu, depois desse processo de ter se entendido enquanto um homem gay, que você era bissexual?
Bruno: Quando eu fiz 18 anos, eu fiz de intercâmbio na Universidade de Coimbra em Portugal por dois anos. Foi lá que eu entendi que era uma pessoa preta e que não era gay. Lá eu namorei um português branco e depois de um ano, entendi que não era porque eu gostava de homens que era gay. Em Portugal, aconteceu a mesma coisa de quando eu percebi que gostava de homens, eu olhava as garotas e sentia alguma coisa. Então, eu fiquei com uma garota e fiquei meio perdido, porque achava que tinha que escolher e gostar mais de um do que de outro.
Para você não existia essa possibilidade?
Bruno: Não existia essa possibilidade, de ser bissexual e de gostar dos dois gêneros. E isso tem muita relação com a Igreja também. Eu lembro que na minha infância, minha mãe sempre contava que tinha um primo que era “Gilette”, ela se referia a ele como o primo “Gilette”, porque ele ficava com garotos e com garotas. E ela atribuía isso a um espírito ruim, ao diabo que fazia ele agir assim dessa forma. Então olha a visão da sexualidade que estava construída na minha cabeça. Era ainda pior que ser gay. E aí foi no intercâmbio que eu descobri que eu era bissexual. Foi através da internet de novo, sempre lá, porque quando você não tem com quem conversar, você procura sempre na internet. E foi através do grupo do “BiSides”.
E como foi esse processo quando você voltou de Portugal?
Bruno: Eu voltei em no final de 2015. Faz dois anos. A primeira pessoa para quem eu contei que eu era bissexual foi meu ex-namorado, na época meu namorado atual, e ele não recebeu muito bem a notícia, porque acreditava que eu estava confuso ou que ia deixar ele por uma garota. Depois dele, eu fui contando para as pessoas que estavam mais próximas no intercâmbio.
E as pessoas outras reagiam iguais a ele?
Bruno: As pessoas levavam meio que na brincadeira. Acho que até hoje levam na brincadeira, sempre nesse sentido de que eu não sei o que quero, de que estou confuso e de que não é válido. Enfim, eu voltei do intercâmbio e contei para todo mundo que eu era bissexual e que eu não iria negar esse desejo, que eu também gostava de mulheres, e que nesse momento eu ia ficar com mulheres e era isso. E sempre teve momentos de eu estar numa rodinha e uma amiga falar “Ah o Bruno é gay também” ter que corrigir que era bissexual. E eu tive que ir me politizando aos poucos, para lidar com todas essas coisas. E é muito doido, porque uma pessoa chegou a me falar que além de ser negro eu estava confuso com minha sexualidade.
Você acha que a bissexualidade é negada ao povo preto?
Bruno: Eu acho que é negada como possibilidade, com certeza. Porque você não tem possibilidade de escolha, ou você é gay e só se relaciona com homens ou é heterossexual e só se relaciona com mulheres. Não existe a bissexualidade para o preto, não consigo enxergar isso. E eu fui percebendo isso ao longo do tempo, de que nos espaços em que ser negro é ruim, sempre tem essa fala de que não basta ser negro, mas também é confuso com a sua sexualidade. São duas coisas ruins associadas. E nos espaços em que ser negro é ok, mas ser LGBT não, você ouve coisas como “Você é negro, deveria ser um homão, mas pelo menos você é metade homem”. Aquela velha ideia de que pelo menos você ainda tem uma metade que salva, que você vai ser iluminado e essa outra metade vai ser apagada de você. E eu tenho percebido como isso se dá ao longo do caminho.
E nos espaços LGBTs, como é ser bissexual e negro?
Bruno: Na verdade, não é. É meio que uma questão de escolha, você precisa escolher se você se afirma mais como negro ou se você se afirma mais como bissexual. Tem que pensar em qual você afirma e luta primeiro. Eu fiquei pensando depois de um tempo, até o mês retrasado, que eu nunca tinha conhecido outro homem um preto bissexual. Nem pela internet. Eu só fui conhecer um garoto bissexual depois de muito tempo, aqui na UFRJ, por acaso. A bissexualidade é negada as pessoas pretas, sobretudo os corpos pretos periféricos. Não é uma opção, você é obrigado a se colocar nessas caixas da heterossexualidade ou na caixa da homossexualidade. Não temos escolhas ou possibilidades de ser.
Sua família sabe que você é bissexual?
Bruno: Quando eu voltei do intercâmbio, eu decidi que eu ia contar para a minha família. Na verdade, quando eu estava no intercâmbio, eu contei para o meu tio. Um tio que a gente sempre foi muito ligado e que gosto muito dele. Mas contei que era gay e não bissexual, porque a minha família entenderia melhor que eu era gay do que eu era bissexual. Eu contei para esse meu tio, contei para a minha mãe de sangue, que falou que a vida era minha, mas pediu para eu não contar para a minha avó.
Mas como você acha que sua família reagiria se você começasse a namorar uma menina?
Bruno: Eu acho que seria um alívio, para falar a verdade. Eles iriam achar que eu não “era mais gay”. Minha mãe, provavelmente, deve orar para Deus para Ele me curar, ou para passar, ou qualquer coisa, então provavelmente ela atribuiria isso a que as orações foram atendidas.
Você acha que vai ser sempre uma disputa na sua vida?
Bruno: Sim. É uma disputa constante, você tem que falar e afirmar isso o tempo todo. Nos meus relacionamentos, eu já passei por situações em que eu falei: que era bissexual e a pessoa falava que achava que a qualquer momento eu poderia ficar com uma garota ou que era um desejo passageiro. O meu ex, o último, ele falava, por mais que não fosse por mal, que tinha que me vigiar duas vezes já que eu poderia pegar um ou outro. E eu tentava explicar que não, que se estou com ele em um relacionamento monogâmico, não vou ficar com ninguém mais e não precisa me vigiar. E é sempre essa coisa.
Mas você acha que esses estereótipos da bissexualidade são as coisas que mais te afetam hoje?
Bruno: Sim, mas eu acho que o que me afeta mais é não ser reconhecido como bissexual. Eu acho que não ter a sua identidade reconhecida, me afeta muito. Por mais que você afirme, por mais que você diga, que você repita o tempo todo que você é bissexual, você não é reconhecido. O meu jeito não tem nada a ver, sabe? Eu posso ser o mais afeminado possível, e eu ainda assim vou ser bissexual, por isso eu comecei a falar que eu era bicha e que eu era bissexual, para as pessoas tentarem entender que sim, eu sou bicha, mas eu sou bissexual também. E eu acho que isso me define bem, porque é uma coisa que eu sempre ouvi e que eu me identifico.
Conta Preta é uma publicação de quatro entrevistas digitais sobre a vivência de pessoas LGBTs negras no Brasil. As entrevistas buscam associar a história contada em primeira pessoa e a escuta jornalística à metodologia de histórias de vida, com o objetivo de retratar a situação desse grupo vulnerável, refletindo sobre a interseccionalidade do sujeito.