Caminhos para a diversidade: a representação LGBTQIA+ na publicidade e como marcas podem se tornar mais inclusivas

Caminhos possíveis para promover a diversidade dentro das marcas e em suas comunicações de forma mais efetiva e consistente, por Danilo Novais

Danilo Novais
Contagious Brasil
5 min readJul 26, 2021

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“A representatividade pode ser perigosa, uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que você consegue criar possibilidade para pessoas que se reconhecem a partir da sua mensagem, a partir de recortes físicos, essa representatividade também pode deixar outras pessoas estáticas”, disparou Jup do Bairro em uma entrevista fenomenal para a Revista Gama. Sua fala reflete muito a trajetória da sigla LGBTQIA+ e da comunicação queer, as quais tiveram que se adaptar ao longo dos anos para garantir os direitos de pessoas discordantes da heteronormatividade branca cisgênera.

A cultura LGBTQIA+ como a conhecemos saiu do armário no final dos anos 60, com os protestos de Stonewall. Desde então, o seu maior compromisso sempre foi com o presente, a necessidade de gritar para o mundo “nós existimos”. Cada capítulo dessa história era novidade, porque se baseava no momento em que era escrito, como uma espécie de antropologia em tempo real. Tal abordagem foi essencial para que a comunidade sobrevivesse, porque ela dançava conforme a música tocava. Nesse processo, muitas vozes foram apagadas ou ignoradas.

O consumo como guia de aceitação

Se hoje é impensável o extermínio de pessoas LGBTQIA+ em massa, como ocorreu no passado, é somente porque a comunidade foi rápida em entender que o corpo social foi dominado pela mentalidade empresarial em contexto de globalização. Assim, “a própria moral passou, em certa medida, a depender do mercado”, explica João Silvério Trevisan em seu livro Devassos no Paraíso.

Em seu artigo para a Carta Capital, Rita Von Hunty sintetizou bem o cenário: “Com o tempo, os movimentos de orgulho e resistência foram apropriados e cooptados, tanto por dentro quanto por fora da comunidade LGBTQIA+. Internamente por setores “higienistas”, que manobraram as passeatas de modo a torná-las mais palatáveis à opinião pública. Externamente pelo capital, que descobriria, nas décadas seguintes, nova e promissora fatia de mercado consumidor”.

De acordo com a organização internacional Out Leadership, o pink money movimenta anualmente cerca de R$ 420 bilhões somente no Brasil. Se a comunidade foi obrigada a se pautar no consumo para emplacar discursos de aceitação e visibilidade no passado, hoje a diversidade de demandas e pautas exige um mergulho mais profundo em cada uma das letras do acrônimo.

Da visibilidade para a representatividade

Todo ano, no Mês do Orgulho, marcas criam campanhas voltadas para o público LGBTQIA+, com o objetivo de abocanhar uma parcela do pink money. No entanto, a publicidade ainda tem muito o que melhorar no trato das questões pertinentes à causa, começando pelo fato de que muitos se sentem apenas um recorte demográfico dentro de uma máquina de dinheiro que pouco retorna para a comunidade. Para além disso, marcas também precisam acompanhar a evolução do movimento e suas demandas, em vez de permanecer no campo da visibilidade, o que deixou de ser uma pauta há algum tempo.

Em uma pesquisa promovida pela Getty Images, em parceria com a GLAAD, organização de defesa de mídia LGBTQIA+, 75% dos consumidores não-LGBTQIA+ se sentem confortáveis vendo anúncios com pessoas LGBTQIA+. E, 68% desse público, demonstrou preferência por consumir de marcas que apoiam a causa de alguma forma. Apesar disso, pessoas LGBTQIA+ continuam sendo mal representadas na mídia. De acordo com o Geena Davis Institute 2018, apenas 1,8% dos personagens em anúncios do festival anual de Cannes Lions eram LGBTQIA+. Adicional a isso, dados internos da Getty Images mostraram que os recursos visuais baixados em 2020, menos de 1% incluem pessoas com identidade LGBTQIA+. O problema deixou de ser sobre visibilidade, passou a ser sobre representação.

Rumo à desconstrução de estereótipos

Pessoas LGBTQIA+ não deixam de ser LGBTQIA+ o resto do ano. E o Brasil ainda é uma nação incoerente em relação às suas políticas públicas VS. conscientização da população. Apesar da conquista da criminalização da LGBTfobia, em 2019, o país está na lista dos que mais matam pessoas LGBTQIA+ no mundo. A segurança é uma falsa ilusão.

REPORT: “Construindo uma Narrativa Inclusiva LGBTQIA+”

Adicional a essa conversa, o relatório da Getty Images ainda mostra que imagens e vídeos usados nas campanhas são “limitados a estereótipos ultrapassados ou falsos e frequentemente não representam todo o espectro das pessoas que formam essa comunidade diversa e dinâmica”.

Homens femininos, mulheres masculinas e bandeiras do arco‐íris fazem parte da comunidade LGBTQIA+, mas existe uma gama de comportamentos e símbolos para serem representados. Marcas precisam tratar pessoas LGBTQIA+ como seres múltiplos e complexos, como todo ser humano é.

O que fazer a seguir no apoio à comunidade LGBTQIA+?

Todo apoio de marca para a causa é válido e muito bem-vindo. No entanto, o contexto social e político atual permite reconhecer que o suporte pontual, dado somente no mês de Junho, não é suficiente para ajudar a combater todo preconceito que essas pessoas enfrentam diariamente o ano inteiro.

Ainda precisamos retirar da zona de vulnerabilidade e marginalidade vários outros grupos do acrônimo LGBTQIA+, como os da letra T (transexuais, travestis, transgêneros), além de continuar garantindo os direitos para todas as outras letras. Dito isto, há alguns caminhos possíveis para a implementação da diversidade:

A) Considere criar programas de inclusão e integração à diversidade em suas empresas que sejam realmente eficazes e sem vieses de contratação. Para além disso, entenda que os programas precisam ser interseccionais, ou seja, agrupar diversas questões sociais que não andam sozinhas (classe, orientação, gênero, raça, localização geográfica, acesso, etc).

B) Convide pessoas, coletivos, projetos e ONGs LGBTQIA+ para participarem do processo. Não só na criação dos programas internos, mas também no planejamento das campanhas voltadas ao Orgulho.

C) Desenhe planos que dão suporte para a causa ao longo do ano inteiro. Esse é o próximo e mais primordial passo para o vislumbre de um cenário real de inclusão e respeito.

Este texto é assinado por Danilo Novais, pesquisador, planejamento e curador de conteúdo para marcas. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas Tadeu, integra o departamento de Marketing da Danone dentro da in-house da OLIVER Latam. Co-fundador do projeto ELEMENTAL, que propõe a troca de referências criativas entre profissionais da comunicação, da moda, das artes visuais e de outros setores. Criador do projeto (E)MANA, que procura disseminar referências LGBTQIA+ por meio de pontos de contato direto, como newsletter e WhatsApp. Gerador de conversas em temas como consumo e produção de conteúdo, uso consciente das plataformas sociais, impacto de novas tecnologias na sociedade e comportamento. Acredita em ideias de multiplataformas que funcionam em diferentes ambientes de mídia para transformar a sociedade para melhor.

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Danilo Novais
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Content Strategist, Research & Insights. Faminto por novas ideias e boas conversas. Estou na newsletter (E)MANA: https://www.getrevue.co/profile/emana_orgulho