Atenção e publicidade: o enigma do colar elizabetano
O que acontece quando a natureza da nossa atenção muda? Como a publicidade entende a sociedade e a cultura? Orlando Wood, diretor de inovação do System1 Group, reflete sobre o que os estudos da atenção nos dizem sobre a publicidade
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no nosso blog global, onde discutimos os desenvolvimentos mais relevantes em marketing, criatividade e inovação — e também contamos mais de nossos produtos e serviços. O texto reflete a opinião do colunista convidado.
Na era tecnológica, nossa atenção se tornou mais estreita. Criamos um mundo em que passamos uma média de três horas diárias focados em nossos dispositivos. Mas o que acontece exatamente quando reduzimos a amplitude da nossa atenção?
Encontrei a resposta certa manhã, ao sair de casa para uma caminhada. Uma mulher passeava com seu cachorro. De repente, o cão pulou em minha direção e começou a latir, puxando a coleira. A dona retomou o controle e o afastou de mim. “Desculpe por isso. Ele normalmente é tranquilo. É o colar”, explicou-me.
“É o colar”, refleti. O cachorro estava com um daqueles colares elizabetanos, utilizados no pós-operatório veterinário. Quando um cachorro usa esse colar, ele pode se comportar de forma defensiva e agressiva — em grande medida, porque lhe é negada a visão periférica. Isso é o que pode acontecer quando a nossa atenção se estreita. A situação me impressionou. Não é exatamente o que está acontecendo no mundo?
Em meu novo livro, Look Out, recorro ao trabalho do psiquiatra Iain McGilchrist para descrever diferentes tipos de atenção. O lado direito do cérebro nos apresenta o mundo e nos situa por meio do estado de alerta e da atenção sustentada. Esse hemisfério é vigilante, aberto ao que está lá fora. Quando algo nos chama a atenção, o lado esquerdo passa a atuar, examinando o objeto de interesse mais de perto com a atenção focada. Portanto, sempre vemos “o bosque” com o hemisfério direito, usando o que poderíamos chamar de “atenção de banda larga”, antes de vermos “as árvores” com o hemisfério esquerdo (“atenção de banda estreita”).
Há dois outros períodos da história em que a atenção se estreitou — e você pode constatar isso analisando a cultura e as artes visuais dessas épocas. Nos retratos produzidos por Dürer antes da Reforma Protestante e por artistas de vanguarda nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, é possível identificar o surgimento de um “olhar fixo” que sinaliza, ao mesmo tempo, uma sensação de distanciamento, uma perda de vitalidade e uma postura de oposição. Hoje vemos esse olhar novamente na arte, na cultura e, sim, na publicidade. Uma rigidez está tomando conta da cultura, e ela pode ser vista nos rostos das pessoas.
Quando nosso hemisfério esquerdo começa a dominar, algumas de suas características mais antissociais também se tornam hegemônicas. O hemisfério esquerdo é mais sensível à dopamina — hormônio associado à busca e à recompensa, muito integrado ao nosso mundo digital. Mas a dopamina também nos torna vivos para os prazeres da agressão. Sem o lado direito para nos ancorar no mundo, começamos a nos sentir deslocados. Ficamos ensimesmados e atacamos os outros.
Então, o que podemos fazer? Cada um de nós pode adotar medidas para se reconectar com o mundo e as pessoas ao redor, mas a publicidade também pode desempenhar um papel importante nesse sentido. Porque as atenções de banda estreita e banda larga têm implicações para a publicidade, especialmente em relação à criatividade e à efetividade.
Há características da publicidade que não só captam a atenção como também provocam respostas emocionais: modos de vida, uma cena que se desenrola no tempo vivido, o imaginar-se em um determinado lugar… Esses elementos atraem nossa atenção de banda larga, o lado direito do cérebro. Já a publicidade que usa recursos associados à atenção de banda estreita — do lado esquerdo (incluindo o olhar fixo) — tende a afastar as pessoas.
Elementos associados à atenção ampla são muito mais propensos a gerar efeitos duradouros nos negócios: participação de mercado, ganhos em vendas e lucro, fama e confiança na marca. Por outro lado, a publicidade do “lado esquerdo” é mais propensa a gerar efeitos diretos, de curta duração.
A forma como a publicidade funciona, portanto, reflete a forma como o cérebro atende ao mundo. A atenção de banda larga (amplo alcance, construção de marca que gera interesse) vem em primeiro lugar, seguida pela atenção de banda estreita (publicidade de desempenho e direcionada, a qual considera um interesse existente, empurrando aqueles que estão na janela de compra em direção à compra).
Que tipo de publicidade precisamos no mundo tecnologicamente disruptivo de hoje? À medida que as empresas se movimentam digitalmente, elas perdem sua disponibilidade física. Quando isso ocorre, também abrem mão de sua disponibilidade mental. Nesse contexto, a publicidade de construção de marca torna-se mais importante, não menos.
Em Look Out descrevo o que isso implica: publicidade que valoriza a singularidade humana, o movimento e a conexão, com caráter, emoção e pertencimento, com humor, música e calor. Ou seja, o tipo de publicidade que conecta e que muitos entraram na indústria para fazer — publicidade que diverte.
Em um mundo de ansiedade, medo e isolamento crescentes, o que poderia ser mais maravilhoso?
O último livro de Orlando Wood, Look Out, publicado pelo Institute of Practitioners in Adverstising, está disponível na Amazon e no site do IPA. Você também pode ouvir uma entrevista do autor ao podcast Uncensored CMO no Spotify e no Apple Podcasts.