Atenção e publicidade: o enigma do colar elizabetano

O que acontece quando a natureza da nossa atenção muda? Como a publicidade entende a sociedade e a cultura? Orlando Wood, diretor de inovação do System1 Group, reflete sobre o que os estudos da atenção nos dizem sobre a publicidade

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
4 min readJan 20, 2022

--

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no nosso blog global, onde discutimos os desenvolvimentos mais relevantes em marketing, criatividade e inovação — e também contamos mais de nossos produtos e serviços. O texto reflete a opinião do colunista convidado.

Imagem mostra cão preto, filhote, da raça buldogue, sentado sobre o asfalto, usando um colar elisabetano ao redor do pes
Foto: Priscilla Du Preez via Unsplash

Na era tecnológica, nossa atenção se tornou mais estreita. Criamos um mundo em que passamos uma média de três horas diárias focados em nossos dispositivos. Mas o que acontece exatamente quando reduzimos a amplitude da nossa atenção?

Encontrei a resposta certa manhã, ao sair de casa para uma caminhada. Uma mulher passeava com seu cachorro. De repente, o cão pulou em minha direção e começou a latir, puxando a coleira. A dona retomou o controle e o afastou de mim. “Desculpe por isso. Ele normalmente é tranquilo. É o colar”, explicou-me.

“É o colar”, refleti. O cachorro estava com um daqueles colares elizabetanos, utilizados no pós-operatório veterinário. Quando um cachorro usa esse colar, ele pode se comportar de forma defensiva e agressiva — em grande medida, porque lhe é negada a visão periférica. Isso é o que pode acontecer quando a nossa atenção se estreita. A situação me impressionou. Não é exatamente o que está acontecendo no mundo?

Em meu novo livro, Look Out, recorro ao trabalho do psiquiatra Iain McGilchrist para descrever diferentes tipos de atenção. O lado direito do cérebro nos apresenta o mundo e nos situa por meio do estado de alerta e da atenção sustentada. Esse hemisfério é vigilante, aberto ao que está lá fora. Quando algo nos chama a atenção, o lado esquerdo passa a atuar, examinando o objeto de interesse mais de perto com a atenção focada. Portanto, sempre vemos “o bosque” com o hemisfério direito, usando o que poderíamos chamar de “atenção de banda larga”, antes de vermos “as árvores” com o hemisfério esquerdo (“atenção de banda estreita”).

Há dois outros períodos da história em que a atenção se estreitou — e você pode constatar isso analisando a cultura e as artes visuais dessas épocas. Nos retratos produzidos por Dürer antes da Reforma Protestante e por artistas de vanguarda nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, é possível identificar o surgimento de um “olhar fixo” que sinaliza, ao mesmo tempo, uma sensação de distanciamento, uma perda de vitalidade e uma postura de oposição. Hoje vemos esse olhar novamente na arte, na cultura e, sim, na publicidade. Uma rigidez está tomando conta da cultura, e ela pode ser vista nos rostos das pessoas.

Quando nosso hemisfério esquerdo começa a dominar, algumas de suas características mais antissociais também se tornam hegemônicas. O hemisfério esquerdo é mais sensível à dopamina — hormônio associado à busca e à recompensa, muito integrado ao nosso mundo digital. Mas a dopamina também nos torna vivos para os prazeres da agressão. Sem o lado direito para nos ancorar no mundo, começamos a nos sentir deslocados. Ficamos ensimesmados e atacamos os outros.

Então, o que podemos fazer? Cada um de nós pode adotar medidas para se reconectar com o mundo e as pessoas ao redor, mas a publicidade também pode desempenhar um papel importante nesse sentido. Porque as atenções de banda estreita e banda larga têm implicações para a publicidade, especialmente em relação à criatividade e à efetividade.

Há características da publicidade que não só captam a atenção como também provocam respostas emocionais: modos de vida, uma cena que se desenrola no tempo vivido, o imaginar-se em um determinado lugar… Esses elementos atraem nossa atenção de banda larga, o lado direito do cérebro. Já a publicidade que usa recursos associados à atenção de banda estreita — do lado esquerdo (incluindo o olhar fixo) — tende a afastar as pessoas.

Elementos associados à atenção ampla são muito mais propensos a gerar efeitos duradouros nos negócios: participação de mercado, ganhos em vendas e lucro, fama e confiança na marca. Por outro lado, a publicidade do “lado esquerdo” é mais propensa a gerar efeitos diretos, de curta duração.

A forma como a publicidade funciona, portanto, reflete a forma como o cérebro atende ao mundo. A atenção de banda larga (amplo alcance, construção de marca que gera interesse) vem em primeiro lugar, seguida pela atenção de banda estreita (publicidade de desempenho e direcionada, a qual considera um interesse existente, empurrando aqueles que estão na janela de compra em direção à compra).

Que tipo de publicidade precisamos no mundo tecnologicamente disruptivo de hoje? À medida que as empresas se movimentam digitalmente, elas perdem sua disponibilidade física. Quando isso ocorre, também abrem mão de sua disponibilidade mental. Nesse contexto, a publicidade de construção de marca torna-se mais importante, não menos.

Em Look Out descrevo o que isso implica: publicidade que valoriza a singularidade humana, o movimento e a conexão, com caráter, emoção e pertencimento, com humor, música e calor. Ou seja, o tipo de publicidade que conecta e que muitos entraram na indústria para fazer — publicidade que diverte.

Em um mundo de ansiedade, medo e isolamento crescentes, o que poderia ser mais maravilhoso?

O último livro de Orlando Wood, Look Out, publicado pelo Institute of Practitioners in Adverstising, está disponível na Amazon e no site do IPA. Você também pode ouvir uma entrevista do autor ao podcast Uncensored CMO no Spotify e no Apple Podcasts.

--

--

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil

Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.