Cannes Lions Live | destaques do dia 3

O "Action Day" que chamou marcas e público para se engajarem em causas sociais e ambientais, a chamada para o branded content com conteúdo em primeiro lugar e o futuro do storytelling para experiências imersivas

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
11 min readJul 1, 2020

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A partir de nossa cobertura ao vivo do evento, realizado entre 22 e 26 de junho, compilamos os destaques de cada dia em uma sequência de matérias. Acompanhe todas as análises aqui no Medium.

O terceiro dia do Cannes Lions foi o "Action Day", patrocinado pela agência FCB e com conteúdos voltados para a perspectiva do ativismo e do que a gente, na Contagious, chama de cidadania de marcas. Um chamado para que as empresas coloquem seu dinheiro “onde sua boca está” (essa frase funciona melhor em inglês, mas vocês entenderam).

Assim como o chamado para que agências e profissionais de propaganda entendam mais (e criem resultados) de negócios se repetiu ao longo dos dias do festival, a questão do engajamento com questões sociais e de direitos humanos também foi uma constante.

Neste dia, porém, este era o foco central, em uma programação que deu espaço tanto para ativistas (super jovens e, em sua maioria, mulheres) quanto para grandes corporações apresentarem o que andam fazendo para tornar o mundo melhor.

A quarta-feira começou com o roteirista e diretor Richard Curtis — que tem um longo engajamento com causas sociais e é, hoje, um dos representantes e defensores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU — conversando com um grupo de jovens ativistas de diferentes causas ligadas a justiça social e ambiental:

Junto desde time de peso, participaram também June Sarpong, diretora de diversidade criativa da BBC, e Colin Butfield, produtor executivo do projeto Our Planet na ONG WWF.

A conversa girou em torno dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU como grandes guias para se navegar as crises que estamos enfrentando e que ainda vamos enfrentar — e o grupo deixou bem claro que a pandemia do coronavírus é uma espécie de teste ou ensaio para os desafios que virão com a crise climática. Por isso, estão trabalhando com a hashtag #BuildBackBetter — ou, "construa de novo melhor", em uma tradução livre.

Olhando pelo lado positivo, foi consenso que a COVID-19 e as manifestações de movimentos sociais dos direitos civis nos trouxeram de volta a consciência de que podemos nos unir em torno de causas e endereçar problemas da sociedade coletivamente.

Para as empresas, o recado foi claro: ativistas estão à frente da ação, enquanto as marcas estão à frente das mudanças de comportamento mais amplas na sociedade. Quando estes dois universos de unem, os resultados são poderosos.

Na Contagious, falamos desta necessidade de marcas tomarem posições e atitudes há alguns anos, mas certamente o momento que estamos vivendo tornou isto ainda mais necessário e urgente.

É sempre importante lembrar — como bem colocou Vanessa Nakate — que a pandemia e a crise climática atingem grupos sociais e étnicos de formas diferentes, tornando quem já era vulnerável ainda mais atingido.

Por isso, a mudança precisa acontecer de forma sistêmica, chamando os negócios para se engajarem e agirem tanto quanto o poder público e a sociedade civil. É o que as ativistas chamaram de colaboração significativa (“meaningful collaboration”).

As pessoas estão olhando para as empresas em busca de liderança, em um momento de profunda crise política em diversos lugares do mundo.

Enquanto governos são lentos, dificilmente podem ser de fato responsabilizados por suas ações e erros, e muitas vezes sequer têm competência para endereçar os problemas que estamos enfrentando, as companhias têm recursos e iniciativa para se mover mais rápido, inteligência para encontrar soluções (dentro de casa ou junto de seus parceiros, e aí entram as agências na equação) e podem ser responsabilizadas diariamente, pois fazem parte das nossas escolhas cotidianas.

Este cenário demanda que usemos o poder, os recursos e os privilégios da indústria para tomar posições e ações corajosas. Para se engajar localmente e também agir globalmente. Para oferecer suporte a quem está na linha de frente da luta.

Lembrando sempre que, para muitos de nós, este é o primeiro contato com algumas destas questões sociais e ambientais com as quais estamos lidando agora, mas, para camadas enormes de sociedades ao redor do mundo, estas são as realidades de suas vidas.

“Nenhuma dessas coisas são momentos. Elas são movimentos”, foi um dos recados claros da conversa.

Mudando um pouco a pauta, mas ainda falando sobre grupos marginalizados ou sub-representados, a produtora de conteúdo audiovisual Shaftesbury apresentou imagens inéditas de seu documentário Queering the Script, que examina o crescente poder dos fãs e do público em moldar a representação na TV, a relação deles com o ativismo, e o que está por vir em termos de visibilidade e inclusão para a comunidade LGBTQ+.

Além de passar por cenas de séries, filmes e programas de TV incríveis, o talk trouxe um conceito muito importante para marcas que querem produzir conteúdo — e, atenção, estamos falando de conteúdo, não de publicidade.

É a ideia de “história primeiro, marca depois” (ou “story first, brand second”, em tradução livre). O que isto quer dizer? Que a marca precisa sair da frente da conversa, parar de se preocupar com onde vai inserir seu produto ou seu logo, e aceitar sentar no banco de trás por um momento.

Como reforçou a vice-presidente sênior da Shaftsbury, Kaaren Whitney-Vernon, este tipo de projeto é uma oportunidade para as marcas se verem como facilitadoras — de conexões, de criação de comunidades, de ampliação de vozes, de construção de representações positivas de grupos. Não como atração principal ou como donas da história.

“Pare de interromper o que as pessoas estão assistindo e se torne o que as pessoas querem assistir.” Simples assim.

Mas, para fazer isto acontecer, tem mais uma coisa muito importante que não pode ser esquecida (e que foi falada também nos dias anteriores do Cannes Lions: não existe representatividade sem inclusão.

Se a marca quer falar com/sobre um determinado grupo, este grupo precisa fazer parte do processo de criação, construção e produção deste conteúdo. Do contrário, seguiremos perpetuando algo terrível que a nossa indústria faz: se aproximar de comunidades, extrair o que quer, empacotar e vender de volta para elas.

Não nos enganemos: “cause washing” e engajamento superficial são cada vez mais percebidos. E viram crises de imagem.

O terceiro dia do festival também teve Marc Pritchard, Chief Brand Officer da Procter&Gamble, apresentando a palestra “Criatividade como uma força para o bem”.

Ele começou nomeando COVID-19 e racismo como duas pandemias “gêmeas”, que revelaram as profundas rachaduras da desigualdade sistêmica que permanecem na nossa sociedade. Segundo ele, a partir desde momento, o papel dos negócios no mundo foi transformado para sempre.

Pritchard reconheceu duas questões muito importantes que derivam desta situação:

1. Nas crises, a igualdade (de raça e gênero) acaba sendo deixada para trás.

2. Nas crises, são as mulheres quem sempre paga o preço mais alto.

Quando se acrescenta recortes específicos sobre estas questões, fica clara a necessidade de, antes de mais nada, oferecer suporte prático e material às comunidades que mais precisam, mas também trazer estas pautas de volta à superfície do debate público.

Por isso, recentemente a P&G lançou uma nova campanha e relançou outras duas.

Um filme e um conjunto de ações para dar suporte à comunidade hispânica dos EUA, que compõe em grande parte os trabalhadores da linha de frente no combate à pandemia, e é socialmente mais vulnerável.

The Talk, uma campanha super sensível que retrata as conversas difíceis que famílias negras precisam ter com seus filhos para prepará-los para lidar com o racismo estrutural das nossas sociedades.

E The Look, filme que retrata a realidade da estigmatização de homens negros e endereça viéses (às vezes nem tão) inconscientes com os quais eles têm de lidar todos os dias.

Mas, para além de falar de suas iniciativas de comunicação — as duas últimas construídas junto com a plataforma interna da companhia My Black is Beautiful — Pritchard reforçou que as pessoas querem ações específicas, tangíveis e sustentadas das empresas.

Para que isso seja possível, os negócios e as pessoas que fazem parte deles — sobretudo os profissionais de marketing e comunicação, que lidam com cultura, comportamento e sociedade o tempo todo -, precisam endereçar o que ele considera 3 questões-chave.

1. Reservar tempo para aprender sobre racismo estrutural e as demais questões que são causa e consequência desta realidade: história da escravidão, desigualdade social, saúde mental em comunidades negras.

“Quanto mais você sabe, mais você consegue encontrar caminhos para fazer a mudança”.

2. Reconhecer seu lugar e seus privilégios. Ficar desconfortável é parte do processo. E é a empatia que direciona a ação.

E, com relação a isto, a companhia está estabelecendo novas metas internas e externas:

- 40% de representação multicultural dentro da P&G;

- Investimento direto em negócios liderados por pessoas negras, bem como suporte não-financeiro para seu desenvolvimento (parcerias, mentorias);

- Metas de diversidade racial para as agências e produtoras que realizam trabalhos para eles.

3. Fazer retratos precisos e respeitosos de grupos racializados.

Para isto, eles não só estão revendo suas próprias comunicações e conteúdos, como também as plataformas onde anunciam ou publicam suas campanhas.

Ele foi duro ao afirmar que não estarão onde haja a possibilidade de coexistir ao lado de discursos de ódio ou discriminatórios, e que liberdade de expressão é uma coisa, mas respeito e civilidade são outra.

Estão cobrando padrões e critérios de todos os fornecedores para eliminar preconceitos e promover o bem.

Pritchard, por fim, anunciou a plataforma da P&G para endereçar o tema e incentivar a ação.

Diageo, Unilever (em um talk junto da Edelman) e IBM também fizeram apresentações sobre igualdade, viéses incosncientes e propósito de marca como caminhos para a geração impacto positivo no mundo.

Para não ficarmos repetindo alguns conceitos e falas por aqui, recomendamos que esses conteúdos sejam assistidos na íntegra no site do Cannes Lions — até porque o assunto é claramente uma urgência em nossa indústria. Todos estão linkados no parágrafo acima.

Ouvir como estas grandes corporações estão se posicionando e como estão agindo é fundamental para entender o momento do mercado, como e para onde os debates estão se movendo.

Voltando ao assunto da eficácia criativa, que também foi super presente no Lions Live, o terceiro dia também apresentou uma conversa entre o diretor geral do festival, Simon Cook, com a presidente do júri de Creative Effectiveness, Ann Mukherjee, CEO da Pernod-Ricard nos EUA, sobre seus critérios de julgamento para o próximo ano.

Para conectar com os temas dos quais vinhamos falando aqui, Ann deixou algumas coisas bem claras:

  • igualdade será crucial como critério de julgamento;
  • os trabalhos têm que refletir a sociedade e as questões que estão acontecendo agora, “o tecido social”;
  • ela é bastante atenta ao “viés ocidental” (!);
  • e gostaria de ver que o que fazemos em nosso ofício pode realmente mudar o mundo.

Para além destas questões que permeiam todo o processo, Ann foi muito clara sobre o que ela entende como efetividade: resolveu o desafio do cliente?

Para ela, é obviamente importante estabelecer métricas e atingir um bom ROI (retorno sobre investimento) nas ações de marca, mas é preciso olhar para além destes parâmetros. Qual a ideia? É possível linkar o criativo ao ROI? Uma coisa impulsonou a outra?

A executiva traçou o seguinte caminho: qualidade (criativa) do trabalho -> resolução do problema da marca — > ROI positivo / boa efetividade.

Por fim, uma frase ótima que Ann falou no meio do papo e que vale a pena anotar para lembrar por aí:

“A melhor criatividade começa com histórias atemporais contadas na hora certa.”

Agora, voltando para um dos primeiros talks do dia, mas um dos poucos que puxou a pauta para outro universo, a Unity Technologies, plataforma líder para conteúdo interativo, 3D em tempo real (RT3D) e 2D, apresentou “Mídias imersivas e o renascimento do storytelling”, com a condução de Tony Parisi, Head de AR/VR Ad Innovation.

Há um bom tempo observamos a chegada de tecnologias de realidade aumentada e virtual em nossas vidas, mas não dá para negar que a virtualização forçada que o isolamento físico trouxe está acelerando — e vai acelerar ainda mais — este processo.

Para a Unity, isso representa uma grande mudança na forma como os profissionais de marketing contam suas histórias, com formatos e recursos que não eram possíveis poucos anos atrás. Por isso eles falam de renascimento do storytelling: trata-se, de fato, de outro jeito de pensar e materializar narrativas.

“As pessoas podem fugir de anúncios, mas não poderão fugir de histórias contadas de maneira imersiva”, afirmou Parisi.

Ele trouxe três previsões que embasam sua perspectiva e que impactam diretamente a realidade do marketing e da comunicação.

1. Nos próximos anos, as marcas que adotarem AR e VR estarão entre as 25% mais lucrativas. As oportunidades de negócio geradas por este universo são enormes.

2. O varejo físico se tornará basicamente showrooms (já falamos disso ontem, lembram?) imersivos, focados em upsell e delivery de produtos, com o inventário todo online.

E os recursos de AR/VR serão usados inclusive pelos vendedores.

3. Até 50% da participação em eventos ao vivo ocorrerá virtualmente — e isto significa também que atletas, músicos e celebridades irão interagir muito mais virtualmente com suas audiências do que em situações presenciais.

Em uma pesquisa recente, 40% dos norte-americanos disseram não se sentir confortáveis para ir a show pelos próximos 6 meses.

(E a turnê recente de Travis Scott dentro do Fortnite mostra que é possível criar experiências incríveis com públicos enormes virtualmente.)

“Em uma década, todas as histórias serão contadas e todos os produtos serão vendidos com alguma forma de AR, VR ou XR”, declarou Parisi.

E deixou mais um recadinho: é melhor abraçar estas mudanças, porque elas estão acontecendo rápido.

Para assistir a todos os conteúdos na íntegra, basta acessar o site do Lions Live. Eles seguem disponíveis gratuitamente.

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