Como as cicatrizes da pandemia vão moldar a geração Z

Diretor de estratégia do grupo VIRTUE, Jonny Hawton reflete sobre os efeitos da pandemia de coronavírus entre indivíduos de 16 a 22 anos

Contagious Brasil | editorial
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5 min readOct 28, 2020

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Este artigo foi publicado originalmente em inglês no nosso blog global, onde discutimos os desenvolvimentos mais relevantes em marketing e inovação. A Contagious dedica-se a fornecer aos seus clientes inteligência criativa e estratégica para ajudá-los a trabalhar de maneira mais inteligente e rápida. Saiba mais em bit.ly/ContagiousBrasil.

Podemos dizer com segurança que 2020 ficará gravado em nossas memórias para sempre. Uma cascata de crises — pandemia, recessão e um ajuste de contas global e atrasado com o racismo sistêmico — mudou o nosso mundo. Embora essa enxurrada seja extremamente desafiadora para todos — grandes e pequenos negócios incluídos –, a história mostra que esses momentos também podem desencadear grandes inovações e invenções.

Com isso em mente, exploramos quais podem ser os efeitos a longo prazo de tudo que aconteceu neste ano. Assim, à medida que marcas e produtos nascem ou são redesenhados para uma nova realidade, podemos capacitar marcas para a construção de iniciativas relevantes e duradouras — não apenas como tática de sobrevivência à crise nos próximos 12 meses.

Mas quais seriam esses efeitos a longo prazo? Embora uma crise acompanhada de recessão possa paralisar planos pessoais e alterar o consumo habitual, a maioria de nós voltará a seus comportamentos anteriores assim que a economia der sinais de melhora. No entanto, uma pesquisa da Severen & van Benthem mostra que, se tivermos o azar de enfrentar uma recessão no período de formação que vai dos 16 aos 22 anos de idade, esse período pode deixar cicatrizes que influenciam vidas inteiras.

A crise do petróleo do início dos anos 1980 é um exemplo: quem aprendeu a dirigir naquela época continua usando menos veículos particulares e mais transporte público. Mais recentemente a Grande Recessão de 2007–2009 deixou cicatrizes de insegurança nos millennials, especialmente no que se refere a emprego e renda. Essa ansiedade persistente vinculada à instabilidade financeira pode ser percebida em decisões de adiar momentos importantes da vida, como ter filhos e comprar um imóvel.

Hoje quem enfrenta a crise de 2020 em seus anos de formação é a geração Z. Esses jovens terão que lidar com marcas profundas que vão impactar a sociedade, a cultura e os negócios pelo resto de suas vidas — um processo com o potencial de desencadear mudanças culturais marcantes às quais a população ainda mais jovem dará continuidade.

Nosso relatório “Scar Tissue” faz cinco previsões de mudanças a longo prazo no comportamento da geração Z, catalisadas por grandes choques vividos por esse segmento populacional: o fechamento global de muitas empresas desde março; o experimento forçado de home office massivo (para aqueles de nós que têm esse privilégio); a devastadora crise de saúde causada pela Covid-19; o desemprego generalizado tendo como efeito um mercado de trabalho mais agressivo; e os protestos globais contra o racismo estrutural. Já vemos sinais que indicam como a geração Z seguirá em frente, adaptando-se a esses choques e mudando a sociedade para melhor. Vejamos uma de nossas previsões.

“Rurmoto”: rural + remoto /

Mesmo antes da pandemia, um êxodo urbano havia começado entre jovens adultos, com mais pessoas deixando grandes cidades do que indo viver nas metrópoles. Essa tendência ganhará força enquanto locais de aglomeração — escritórios, transporte público, entre outros — seguirem provocando desconforto. Também vemos a maioria das pessoas considerando positiva a experiência de trabalhar em casa, manifestando o desejo de fazer isso com mais frequência ou, inclusive, aspirando o teletrabalho em tempo integral. Embora implique desafios — principalmente para os pais que se desdobram para educar os filhos e manter a vida profissional –, esse experimento massivo ajudou a erodir muitos dos mitos de menor produtividade e criatividade que sempre impediram a consolidação desse tipo de atuação profissional. Será muito difícil deixar de lado certa flexibilidade de horários e o tempo com os entes queridos que o trabalho remoto permite. Por último, nossa pesquisa mostra que os indivíduos da geração Z apreciam ficar sozinhos, mas não solitários, pois estão conectados aos amigos e à cultura pela internet — o universo digital de Animal Crossing, Snapchat e Youtube sempre esteve na ponta dos dedos dessa geração.

Observando esses sinais, prevemos que, em vez de correr para as grandes cidades após se formarem, como fizeram os millennials, muitos da geração Z podem decidir que nunca serão urbanos, reconhecendo benefícios oferecidos pela vida fora das metrópoles — custo de vida mais baixo, mais espaço e menos estresse, entre outros. Se levarmos em conta a teoria de que demoramos em média 66 dias para desenvolvermos um hábito, quando voltarmos aos escritórios o tempo de adaptação relacionado à pandemia pode ter sido cinco vezes maior. Imagine, por exemplo, ter a liberdade do trabalho remoto no primeiro emprego e, 12 meses depois, ser convocado de volta ao confinamento da vida no escritório. Um retorno nada fácil.

No entanto, essa liberdade tem suas implicações. O caos e a densidade das cidades têm crédito em termos de inovação desde a Revolução Industrial. Portanto, com mais pessoas trabalhando remotamente, precisaremos encontrar novas maneiras de cultivar a criatividade. Já estamos tendo um gostinho de como será o futuro desse “Metaverso” virtual com o Fortnite X Travis Scott; a explosão do Animal Crossing; e as últimas atualizações de lentes de realidade aumentada do Snapchat, as quais permitem que você experimente de forma virtual um par de tênis Gucci no conforto do seu sofá.

As consequências dessa mudança podem ser inovadoras, influenciando questões abrangentes que vão da arquitetura — projetos com espaço dedicado ao home office em uma garagem, por exemplo — até a redistribuição de riquezas e da política em áreas mais bucólicas. Essas transformações também permitirão que as empresas contratem uma diversidade maior de funcionários que antes não tinham condições ou não queriam morar perto de seus escritórios.

Esse último ponto é particularmente estimulante para as agências criativas, pois nos permite furar a bolha dos centros urbanos. Entretanto, vale destacar que, embora tenhamos nos concentrado em cinco mudanças de comportamento que acreditamos serem prováveis e com potencial de grande impacto na sociedade, na cultura e nas empresas, esse fenômeno não é de forma alguma universal.

Por fim, também haverá grandes mudanças em relação a viagens e ao ensino superior — a propósito, 98% da geração Z já se sentia transformada antes mesmo de terem que desistir da experiência no campus.

Para mergulhar mais fundo na previsão sobre o trabalho rurmoto e nas outras quatro, confira o relatório “Scar Tissue” completo aqui.

Tradução: Ricardo Romanoff

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