Como ser uma marca sustentável, segundo Felipe Ambra, VP de marketing da Corona

Há anos lutando contra a poluição plástica, a cerveja Corona lidera a indústria rumo a um futuro mais limpo, afirma o vice-presidente global de marketing, Felipe Ambra

Contagious Brasil | editorial
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9 min readFeb 23, 2022

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Essa entrevista foi publicado originalmente em inglês no nosso blog global, onde discutimos os desenvolvimentos mais relevantes em marketing e inovação.

Em junho de 2018, a National Geographic publicou uma edição marcante, com a pergunta: “Planeta ou plástico?”. A capa mostrava uma sacola plástica flutuando no mar, parte dela emergindo como a ponta de um iceberg — uma metáfora visual impactante sobre a crise dos resíduos plásticos nos oceanos. A imagem viralizou e, naquele ano, as pesquisas por “poluição plástica” no Google dispararam.

Uma marca mexicana de cerveja muito conectada aos momentos à beira-mar já estava à frente dessa tendência. Desde 2008, a Corona (pertencente à AB InBev) combate a poluição plástica por meio de iniciativas como limpezas de praias, campanhas de conscientização e investimento em tecnologia para reduzir sua própria pegada de plástico.

Em 2017, em parceria com a Parley for the Oceans, uma ONG sem fins lucrativos, a Corona se comprometeu a proteger 100 ilhas da poluição plástica até 2020. Em 2018, no Dia Mundial dos Oceanos, a marca apresentou uma série de esculturas feitas de resíduos plásticos, incluindo uma impressionante onda construída com lixo coletado em Londres. No ano seguinte, a Corona aceitou receber plástico em troca de cerveja, como parte do programa Pay With Plastic, voltado a absorver parte dos resíduos que costumam ir parar em regiões costeiras.

Em 2021, após reduzir sua própria pegada de plástico em 4.970 toneladas, limpar mais de 44 milhões de m² de praia, apresentar um programa de aceleração visando soluções para questões ambientais urgentes e lançar embalagens sustentáveis, a Corona se tornou a primeira marca global de bebidas com uma pegada de plástico zero, estabelecendo um novo padrão para a indústria de CPG (sigla para “bens de consumo embalados”).

Para descobrir como a Corona conquistou esse espaço no ruidoso mundo da sustentabilidade de marcas e o que se pode aprender com essa jornada rumo à pegada zero, conversamos com Felipe Ambra, vice-presidente global de marketing da Corona.

Como a Corona obteve a chancela para falar sobre poluição plástica?

Nossa ideia criativa é “Lá fora, vivemos de novo”. Qual o melhor lugar para fazer isso? Na praia. É a nossa terra natal. Proteger lugares ao ar livre está profundamente ligado ao nosso propósito. Se quisermos nos encontrar lá, precisamos proteger esses espaços. Desde 2017, realizamos programas sólidos de limpeza de praias com a Parley for the Oceans, ao longo de três ou quatro anos, e isso moldou muitas as estratégias que implementamos desde então.

Nessa jornada, aprendemos que é preciso encontrar algo que realmente se conecte ao propósito da marca. Se uma marca tentar criar uma iniciativa ambiental desconectada de seu propósito, vai soar como greenwashing para o consumidor. Se não for autêntico, dificilmente se tornará um verdadeiro pilar para a estratégia de construção da marca. Para a Corona, sustentabilidade é um compromisso de longo prazo que demanda continuidade e consistência.

Sustentabilidade costuma ser uma questão complicada para as marcas. Como a Corona aborda esse desafio?

Algumas iniciativas visam aumentar a conscientização. A publicidade desempenha um papel muito importante para alavancar o poder de uma grande marca como a Corona, mostrando aos consumidores que há um problema. Existem outros dois pilares: como garantir que não estamos contribuindo para esse problema? E como ajudar e empoderar os consumidores para que mudem seus hábitos? — esta questão é a que mais toma nosso tempo atualmente.

Por isso, a certificação de pegada zero foi tão importante. Queríamos garantir que os consumidores não vissem a Corona como uma marca que não faz o bastante daquilo que prega. Aprendemos que os consumidores querem fazer a coisa certa, mas se sentem impotentes, porque há problemas muito grandes para enfrentarmos sozinhos. Por isso, ajudamos as pessoas a evitarem o consumo de plástico, por exemplo, com a ferramenta Plastic Reality, que lançamos em 2021 [permitindo que os usuários calculem sua pegada anual de plástico por meio de realidade aumentada, mostrando o consumo em suas casas e sugerindo formas de usar menos plástico].

Tentamos focar mais na solução. O que amo na campanha Plastic Fishing [em que pescadores foram incentivados a recuperar resíduos plásticos da costa do México] é que ela é muito criativa. Parece um truque, mas envolve uma parceria de longo prazo com a empresa de reciclagem México Recicla. Esse é o ponto ideal que buscamos encontrar, mas é claro que precisamos de singularidade e criatividade, caso contrário, não funciona. Ainda estamos no negócio de construir marcas.

A Corona é envasada em garrafas de vidro e latas. Por que focar no plástico?

De fato, não usamos plásticos na embalagem primária do nosso produto. Mas dissemos: “sabe de uma coisa, mesmo que não sejamos quem mais contribui para o problema, temos a responsabilidade de liderar a indústria”. Não podemos esquecer que a sigla CPG envolve “embalagem”, uma parte muito importante de qualquer marca desse segmento.

Pense na garrafa de vidro da Corona. Você vê algum plástico? Em alguns mercados, a etiqueta traseira é um adesivo muito fino — estamos removendo isso completamente. E há outro pedaço de plástico sob a tampa das garrafas, aquele forro que impede a entrada de oxigênio — provavelmente a pior coisa que pode acontecer a qualquer cerveja. Ainda não encontramos uma solução para isso, mas estamos investindo em pesquisa.

Até o final do ano, 100% de nossas latas exportadas estarão livres de plástico — investimos mais de 7 milhões de dólares no México para garantir que todas as latas exportadas sejam embaladas em papelão em vez de plástico. Parece algo pequeno e técnico, mas garantir isso é um grande compromisso.

Outra questão é que toda marca de CPG precisa transportar produtos em paletes cobertos por filme plástico. Por isso, atualmente estamos investindo em uma startup chamada Solutum, que produz um filme resistente o bastante para o transporte, mas também 100% compostável em aterros sanitários [a Corona vai testar o material no Canadá antes de implementá-lo no negócio como um todo]. O grande problema com os plásticos compostáveis é que a maioria das soluções precisa ir para uma instalação de compostagem específica, o que não é realista.

Quais outras medidas a Corona tomou para reduzir seu impacto? Elas são escaláveis para outras marcas de CPG?

A AB InBev estabeleceu metas ambiciosas para embalagens — queremos ter mais de 70% das nossas vendas em retornáveis ou embalagens em que 50% da matéria-prima seja de origem reciclada. Na Alemanha, por exemplo, já estamos reutilizando garrafas. Você ouve falar de empresas como a Loop [plataforma que oferece itens do dia a dia em embalagens reutilizáveis, criada pela empresa de reciclagem TerraCycle em parceria com marcas globais] ajudando empresas a recuperarem suas embalagens. Nós fazemos isso há décadas. Acredito que essa medida se tornará obrigatória para as marcas de CPG dentro de alguns anos.

No início de 2021, lançamos o Barley Pack. Em vez de fibras virgens, utilizamos palha de cevada, um subproduto do processo de fabricação de cerveja. Pretendemos expandir essa iniciativa para o restante dos negócios da AB InBev. Também usamos vidro reciclado para criar a icônica garrafa da Corona. Ela é transparente e tem um vidro muito puro, um dos melhores para reciclagem em qualquer indústria, não apenas de cervejas. Por isso, trabalhamos para garantir que as garrafas de Corona sejam recicladas.

Produzir a Corona em seus maiores mercados foi outra ação importante que tomamos há mais de dois anos. Ter 100% da produção no México não era a maneira mais ecológica de fornecer o produto ao mundo. A pegada de carbono do transporte para a Ásia é enorme.

Sustentabilidade para marcas se tornou um tema muito habitado. Como a Corona comunica suas metas de sustentabilidade com autenticidade e distinção?

Existem duas maneiras de obter chancela nesse espaço. Uma delas, por meio de iniciativas impactantes. A outra é ser consistente nas mensagens. Se você quer ser reconhecido por algo, não pode simplesmente dizer: “Olha, estou fazendo isso e aquilo”. As pessoas vão esquecer. Você precisa que elas vejam e digam: isso é Corona. Basta olhar para a instalação Wave of Waste, que fizemos em 2018; a ação Pay with Plastic, de 2019, na Semana Mundial dos Oceanos; e a campanha Plastic Fishing, de 2021. Essa distinção faz parte do nosso processo de briefing atemporal.

O maior desafio é encontrar o momento certo para falar sobre sustentabilidade aos consumidores. Os objetivos que temos para a Corona mudam conforme o nível de maturidade que a marca tem em cada mercado. Se acabou de ser lançada, o objetivo é aumentar o reconhecimento e a consideração. Não faz sentido dizer “vamos proteger as praias” se as pessoas não enxergam a relação com o produto.

Em 2019, a Unilever revelou que suas marcas focadas em propósito estavam crescendo 69% mais rápido do que o restante dos negócios e eram responsáveis por 75% do crescimento da empresa. O que a ação ambiental da Corona faz pela marca?

Entre as grandes marcas globais da AB InBev, a Corona é a que mais cresce em termos de expansão internacional. A sustentabilidade é um dos nossos maiores pilares desde 2016. Também temos muitas evidências quantitativas e qualitativas de que, em mercados onde a marca está bem estabelecida, sempre que implementamos iniciativas relacionadas à sustentabilidade, o crescimento em termos de atributos da marca — como afinidade — é tão bom ou muitas vezes melhor do que o alcançado com campanhas básicas.

Os consumidores apoiam muito, e isso nos ajuda a impulsionar o consumo. As pessoas esperam que as marcas façam o bem para o mundo, para a sociedade, para o meio ambiente e priorizam aquelas que compartilham seus valores. Se elas sentirem que estão ajudando ao apoiar uma marca, elas farão essa escolha. Sabemos que as marcas de CPG geralmente dependem mais de penetração que de frequência, mas é importante ter um posicionamento com um bom nível de diferenciação e gerar afinidade com o consumidor. Esse é o papel que a sustentabilidade desempenha para nós.

É difícil controlar o que acontece após a compra. Como a Corona completa a lacuna entre a intenção do consumidor e a ação?

Nosso negócio principal é cerveja, mas há coisas que estamos começando a fazer em negócios adjacentes para permitir que os consumidores façam boas escolhas. Por exemplo, lançamos uma linha de óculos de sol chamada Clean Waves with Parley. Cada item está ligado por coordenadas a uma área costeira. Ao comprar, você ajuda a proteger aquele pedaço de terra, assim como a Parley faz a limpeza. O projeto foi financiado pela Corona desde o seu início, mas não é vinculado a uma marca.

Qual o impacto que as marcas podem ter nas questões ambientais globais?

As marcas são a peça mais poderosa da equação. Podem abraçar desafios e levar soluções a outro patamar. A Corona está liderando o fluxo de embalagens. A Budweiser é líder em energia — em abril de 2021, no Reino Unido, tornou-se 100% eólica e solar — e a Stella lidera em água (desde 2015, a marca doou mais de 21 milhões de dólares para a ONG sem fins lucrativos Water.org). Mas nem todas as marcas encontram a abordagem correta. Portanto, se você trabalha com marcas, concentre-se naquelas que têm um propósito autêntico e se vinculam à causa. Então você terá sucesso.

Qual é a ambição final da Corona para suas ações ambientais?

Internamente, temos o desafio de que a Corona se torne referência. Queremos influenciar a indústria de CPG. Não estamos fazendo tudo isso apenas para nós mesmos. Fazemos porque acreditamos que é a coisa certa para a indústria, o meio ambiente e o consumidor. É um compromisso: temos uma equipe inteira gerenciando a sustentabilidade da Corona em termos de logística, cadeia de suprimentos, compras, marketing, vendas… Todos avaliam como a Corona pode ser reconhecida como a marca mais sustentável da indústria de bebidas.

[tradução: Ricardo Romanoff]

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