Diferenciação em queda indica marcas “sonâmbulas rumo ao esquecimento”

Pesquisa da Kantar mostra que a “diferença significativa” entre as marcas diminuiu por oito anos consecutivos. Dom Boyd, diretor-administrativo da UK Insights da Kantar, explica por que isso é uma má notícia e dá dicas para voltar aos trilhos

Contagious Brasil | editorial
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6 min readNov 13, 2020

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As marcas estão enfrentando uma crise de diferenciação que é uma potencial bomba-relógio para o nosso setor. A BrandZ demonstra como as pontuações de “diferença significativa” — o maior indicador de força de uma marca e o principal impulsionador de crescimento financeiro sustentado — têm caído nos últimos oito anos no Reino Unido e seguem em queda em 2020, atingindo um novo mínimo no Top 75 da BrandZ UK.

Esse declínio continuado sugere que as marcas perderam o rumo no que diz respeito a agregar valor. Uma diminuição nessa escala indica um enfraquecimento da conexão com os clientes, justamente quando eles são menos leais e em que é mais difícil atrair novos consumidores. Isso significa uma redução significativa da capacidade das marcas de impulsionar suas margens e lucratividade. Em outras palavras, as marcas estão agindo como sonâmbulas rumo ao esquecimento.

Com preocupação, vimos como isso pode ter consequências de longo prazo. Basta observar como as marcas de rua do Reino Unido com baixa diferença significativa não sobreviveram.

Ao mesmo tempo, estamos vendo uma espécie de crise de eficácia na publicidade, que ainda é um importante motor de crescimento, mas cujo apreço do público diminuiu. Os dados da Kantar mostram que o número de pessoas que consideram os comerciais de TV irritantes quase triplicou de 16% para mais de 45% nos últimos 20 anos, enquanto o prazer em assisti-los caiu pela metade — de 32% para cerca de 15% desde os anos 1990.

Em parte, isso se explica pelo fato de que os profissionais de marketing foram sugados por um “buraco negro” digital, resultando em investimento excessivo em atividades de curto prazo com foco online, levando a uma redução radical na eficácia criativa. Como revelou a análise do banco de dados IPA feita por Peter Field, as campanhas criativas premiadas são agora menos eficazes do que em 24 anos de análise de dados.

Mas há outro ponto importante. Ao que tudo indica, a diversão também está desaparecendo do trabalho criativo. Hoje é duas vezes mais provável ver um anúncio sem humor do que há 20 anos. Trata-se de um sinal de alerta, já que o humor é uma das armas criativas mais poderosas, responsável por tornar as marcas mais propensas a se destacarem, serem percebidas como relevantes durante a jornada de compra e terem sucesso a longo prazo.

Não podemos esquecer que nossos cérebros são programados para responder às emoções — o ingrediente mágico que nos obriga a fazer coisas. Portanto, não deveria causar surpresa que os anúncios que nos fazem rir são os que ajudam as marcas a resistirem ao teste do tempo — sejam meerkats para a venda de seguros, a Nike vendendo materiais esportivos ou a Snickers vendendo chocolate.

Em resumo, muitas marcas estão perdendo seu encanto. Então o que os profissionais de marketing podem fazer a respeito?

Primeiro, as marcas devem ser mais corajosas ao criarem e articularem suas diferenças. O novo trabalho pioneiro da Kantar com a Said Business School da Universidade de Oxford mostra que a diferenciação é o fator que mais impulsiona um desempenho de destaque no mercado de ações. Portanto, entenda qual é a sua diferença e expresse-a com emoção. Não tente ser “tudo para todos”. O risco de acabar sendo nada é imenso. O que torna sua marca valiosa, especial, diferente?

Um grande exemplo disso é a Dyson, cujo valor de marca tem aumentado constantemente nos últimos anos, alimentado por uma inovação poderosa.

Em segundo lugar, marcas que não aproveitam suas diferenças se diluem rapidamente. É preciso ser implacável ao trazer os ativos mais distintos de sua marca à vida, de forma consistente, em todas os espaços possíveis. Nossos dados mostram que a clareza da mensagem se tornou mais importante do que nunca: marcas que apresentam sua imagem mais clara obtêm um crescimento de vendas 70% maior.

Este é o grande desafio para a próxima geração de profissionais de marketing. Quanto mais pontos de contato, maior é o potencial de que a marca seja diluída, especialmente quando se tem milissegundos para causar uma boa impressão.

Por isso, nunca foi tão importante compreender realmente qual é a diferença significativa — a impressão que a marca proporciona não apenas na cabeça do público, mas também no “instinto”, nas ações que realiza, nas inovações que entrega e na forma como utiliza todos os ativos sensoriais para concentrar seu poder. Se você não tem uma ideia clara do que existe no âmago da sua marca, ninguém terá.

A Greggs, rede de comida de rua do Reino Unido, que inspirou o agora famoso “enroladinho de linguiça vegetariana”, é um ótimo exemplo. Desde 2015, o valor da marca cresceu 46%, impulsionado por inovações significativamente diferentes que criam fortes percepções de marca, além de atenderem a uma necessidade.

Em terceiro lugar, uma comunicação eficaz deixou de ser suficiente. Cada vez mais, o valor de uma marca é construído por ações. Em particular, aquelas impulsionadas por inovação e experiência do cliente, realizadas de forma responsável. Não à toa vimos a responsabilidade — a medida da BrandZ para o impacto das marcas no meio ambiente e na sociedade — se tornar três vezes mais importante nos últimos cinco anos.

Os profissionais de marketing precisam estar atentos a essa questão. O crescimento do valor é criado fora das áreas tradicionais que envolvem outras partes interessadas, e é uma área em que muitas marcas do Reino Unido, em particular, ficam atrás dos concorrentes globais.

Mas há um papel vital em jogo. Para desbloquear o valor real, a inovação, iniciativa ou experiência deve ser adequada à marca e ao contexto da categoria — e isso diz respeito aos pontos fortes dos profissionais de marketing. Marcas como a Ikea, que adotou o digital para construir seu famoso catálogo e atrair nativos digitais, mostram o valor transformador dessa abordagem conectada para a construção de valor.

Por fim, nunca houve um momento mais importante para os profissionais de marketing demonstrarem seu valor comercial falando a linguagem financeira das direções de empresas — e ficarem entusiasmados com o impacto comercial tanto quanto com a criatividade. Não há desculpa para não ser assim. O poder de fogo da análise avançada, estrategicamente orientada, significa que nunca foi tão fácil construir um “scorecard combinado” com as partes interessadas sênior, as quais podem prever resultados financeiros de curto e longo prazo em torno de suas prioridades.

Trata-se de uma oportunidade incrível não apenas para construir o valor da marca, mas também para não ficar preso no quadrado da comunicação e começar a mostrar habilidades de liderança transformadora. E isso é algo pelo qual as marcas — e o mundo — estão clamando.

Tradução: Ricardo Romanoff

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