Efetividade Criativa: medindo as relações entre criatividade e negócio

Construindo consenso e linguagem universais sobre a relação entre sucesso criativo e comercial

Rafael Thumé
Contagious Brasil
7 min readJul 2, 2020

--

Esse artigo é parte da cobertura Contagious Brasil sobre Cannes Lions Live 2020, trazendo highlights das dezenas de apresentações, debates, entrevistas e depoimentos de algumas das principais lideranças globais em criatividade, estratégia, marketing e negócios.

Ao longo de 2019, os especialistas James Hurman, estrategista e jurado na categoria Eficácia Criativa no Cannes Lions, e Peter Field, autor e consultor com décadas de experiência em marketing e comunicação, conduziram um estudo com diversas lideranças da indústria sobre o estado da efetividade.

A dupla identificou que a percepção sobre sucesso criativo acontece de forma subjetiva, variando muito entre empresas, times e profissionais. Sem um consenso claro, deixa de existir também uma linguagem universal para discutir a efetividade criativa ou mensurá-la. Isso gera um efeito em cadeia, onde o foco migra de forma obsessiva para as métricas de retorno sobre investimento (ROI), excluindo a criatividade dos indicadores de sucesso para os negócios. É uma tensão artificial, fortalecida pela pressão por resultados a curto prazo. Para reverter essa equação, Hurman e Field buscaram inspiração em alguns modelos de classificação consagrados no mercado, procurando entender como o desempenho criativo pode ser parametrizado dentro de organizações complexas e trabalhado em consenso, sem ignorar as métricas de negócio.

Dois grandes projetos foram selecionados como benchmarks. O primeiro é a escala 7plus, desenvolvida pela Leo Burnett para nivelar o trabalho das 27 agências do grupo e, ao mesmo tempo, delimitar parâmetros claros para a evolução criativa.

Creative Ladder, co-criação Heineken + Contagious

O segundo é a Creative Ladder, desenvolvida pela Heineken sob consultoria da Contagious, em que co-criamos uma ferramenta de marketing que organiza critérios e esclarece expectativas sobre trabalhos criativos à serviço da marca. As equipes da cervejaria ao redor do mundo foram treinadas para utilizarem a escala, integrando-a a um programa de desenvolvimento de excelência criativa dentro da companhia, que passava por todos os níveis hierárquicos e por diferentes iniciativas de debate, estudo e inspiração.

Com base nos aprendizados destes cases e nas necessidades identificadas ao longo do estudo, Hurman e Field lançaram durante o Cannes Lions Live 2020 a Escala de Efetividade Criativa, sua proposta de framework universal para o mercado organizar as diferentes relações entre trabalho criativo e impacto sobre os negócios.

Framework proposto por James Hurman e Peter Field

Entendendo a Escala de Efetividade Criativa —

A Escala é dividida em seis níveis de impacto que combinam marketing e criatividade. Os níveis possuem uma relação hierárquica do menor (1) ao maior (6) impacto sobre o negócio.

1 — Idéia Influente: Usar a criatividade para maximizar o engajamento e o compartilhamento, como sucesso dentro das métricas da própria campanha e na eficiência de mídia.
— Menções espontâneas ao trabalho
— Compartilhamentos em redes sociais
— Mídia conquistada
— Valor estimado de mídia conquistada
A avaliação dos resultados pode acontecer em períodos curtos de tempo, com até três meses de veiculação.

2 — Mudança de comportamento: Usar a criatividade para promover alteração de comportamentos relativos à compra e/ou relevantes para o sucesso da marca.
— Penetração de mercado
— Frequência / quantidade de compra
— Lealdade
— Teste
A avaliação dos resultados também pode acontecer em períodos curtos de tempo, com até três meses de veiculação. Porém, períodos mais longos podem trazer aprendizados adicionais.

3 — Pico de vendas: Usar a criatividade para gerar um crescimento momentâneo e/ou sazonal dos indicadores comerciais.
— Vendas
— Participação de mercado
— ROI
Da mesma forma, a avaliação dos resultados pode acontecer em período curto de tempo, com até três meses de veiculação.

4 — Construção de marca: Usar a criatividade para impactar as métricas de reputação e saúde de marca, incluindo etapas da jornada de aquisição: conscientização, consideração, preferência e compra.
— Awareness de marca
— Preferência de marca
— Intenção de compra
— Atributos de marca
A avaliação dos resultados até pode acontecer em período curto de tempo, mas recomenda-se haver acompanhamento por um período superior a seis meses, para medir o impacto real sobre a saúde da marca.

5 — Triunfo Comercial: Usar a criatividade para impactar positivamente os indicadores comerciais, com sustentação de resultados após a duração da campanha e/ou do trimestre vigente.
— Vendas
— Participação de mercado
— ROI
A avaliação dos resultados não acontece no curto prazo. É necessária uma janela entre seis e 18 meses para se observar a manutenção da performance comercial.

6 — Ícone Duradouro: Usar a criatividade para estabelecer uma estratégia que persista ao longo de três anos ou mais, impulsionando o crescimento de marca e os resultados de negócio de maneira consistente.
— Vendas
— Participação de mercado
— ROI
— Saúde de marca
A avaliação dos resultados sobre marca e negócios precisa ser considerada ao longo dos anos referentes à manutenção da mesma estratégia criativa.

Balanceando visões estratégicas —

Ao reforçar um equilíbrio entre o curto e o longo prazos, a escala toca indiretamente em outra equação complexa: construir estratégias duradouras versus a rotatividade das lideranças de marketing nos seus cargos. Em média, grande parte destes profissionais troca de empresa a cada dois anos, logo, muitos deixarão a organização antes de ver os resultados do trabalho. Também é natural que cheguem aos seus novos cargos procurando mostrar serviço, editando ou substituindo estratégias já estabelecidas para construir seus próprios resultados. Nos dois casos, a estratégia de marca é impactada.

Energia é investida na aceleração de resultados imediatos, que movem o ponteiro comercial, mas reduzem as possibilidades de escopo. Este fator, associado à tensão entre métricas, ROI, eficiência e eficácia que levantamos antes, desprioriza a construção de marca e/ou de relações mais duradouras de consumo.

Os picos de venda continuam importantes, claro. Porém, a Escala e o estudo defendem o espaço para que estratégias criativas de longo e de curto prazo coexistam com papéis complementares. Um equilíbrio, em que relações mais profundas de marca e comportamento são construídas, sem abrir mão das ativações e objetivos comerciais mais imediatos.

Comprometimento e Excelência Criativa —

As pessoas tendem a associar o sucesso dos trabalhos mais criativos da indústria à existência de um grande orçamento, mas, dentro da realidade de uma marca, ter mais verba realmente faria a diferença? Hurman e Field aproveitaram para testar a tese usando o mesmo estudo, avaliando dados de quase dez mil cases disponíveis. Eles identificaram que o número de canais envolvidos, o período de campanha/projeto e a verba podem ser ajustados entre si, extraindo os melhores resultados dos recursos disponíveis. Batizada de Comprometimento Criativo, essa relação de três fatores foi testada em dados de trabalhos com diferentes portes. Ao investigarem trabalhos de porte similar, ficou evidente como uma quantidade maior de canais e períodos mais longos de campanha trouxeram retornos acima dos similares que apenas contaram com mais orçamento. Essa relação de eficácia foi ainda mais evidente dentro dos recortes de menor verba.

Mapeando os efeitos do Comprometimento Criativo, outro fator impactante apareceu: a capacidade que a criatividade tem para suprir parte das restrições de verba, período e canais. Em trabalhos de porte similar, os reconhecidamente criativos superaram os indicadores de sucesso dos seus similares. Esse novo fator, a criatividade “pura”, foi batizado de Excelência Criativa, e é capaz de elevar o trabalho e seus resultados por si só.

Aqui na Contagious acreditamos na relação entre efetividade e excelência criativa. É uma relação que vai além de um departamento ou um perfil, é uma habilidade que precisa ser transversal em todas as organizações e oferece vantagens quase injustas para os departamentos de marketing e as empresas que sabem usá-la. A pesquisa de Hurman e Field reforça isso. Ao longo dos nossos mais de 15 anos de trabalho pesquisando, analisando e interrogando iniciativas, projetos e campanhas de marcas do mundo todo, desenvolvemos pilares práticos para orientar o pensamento estratégico e criativo, resumindo nossos achados nos Contagious Commandments, nossos dez passos para marcas corajosas. O método faz parte dos nossos serviços de consultoria, mas também foi sistematizado e publicado em um livro escrito pelo fundador da Contagious, Paul Kemp-Robertson, e pelo Senior Strategist do nosso escritório dos Estados Unidos, Chris Barth, lançado em 2018 pela editora Penguin.

Para exercitar a Excelência Criativa mencionada pelo estudo, é preciso um olhar claro sobre a essência da marca e uma dedicação ao desafio de renová-la onde necessário, dos princípios aos tipos de relações de confiança que se quer estabelecer dentro da vida das pessoas. Sobre estas relações, é possível construir novos papéis para a marca, suas ofertas e sua comunicação, que envolvem critérios de utilidade, relevância e entretenimento, para então se conectar por comportamentos e interesses com as pessoas, sejam elas audiência, multiplicadoras ou co-criadoras.

O trabalho de James Hurman e Peter Field trouxe de volta ao principal prêmio de criatividade do mundo a necessidade de entendermos como ela impacta os resultados dos negócios e o que é necessário para que isto aconteça — conversa que já havia sido iniciada por Field no Lions de 2019, em que ele apresentou um estudo sobre os impactos negativos do foco excessivo no curto prazo para as marcas.

O investimento em criatividade — seja como crença de uma empresa, seja do ponto de vista financeiro — só deixará de ser uma disputa entre times de marca e times comerciais quando for possível comprovar que ele vale a pena. Por isto o estudo e a Escala de Hurman e Field são tão importantes: criam uma linguagem única que navega da área de branding à sala do CFO, contribuindo para a construção de estratégias que alimentam resultados de curto, médio e longo prazo tanto do ponto de vista intangível do valor de marca, quanto do ponto de vista prático dos ganhos comerciais.

--

--

Rafael Thumé
Contagious Brasil

Estratégia de negócio, transformação organizacional e projetos de comunicação. Strategy Advisor @ Contagious www.linkedin.com/in/rafaelthume