Extinction Rebellion sobre ativismo, otimismo, emergências e urgência

Estrategista criativo que virou ativista da XR, Will Skeaping encontra esperança apesar da crise

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
9 min readMay 13, 2020

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Este artigo foi publicado originalmente em inglês no nosso blog global, onde discutimos os desenvolvimentos mais relevantes em marketing e inovação. A Contagious dedica-se a fornecer aos seus clientes inteligência criativa e estratégica para ajudá-los a trabalhar de maneira mais inteligente e rápida. Saiba mais em bit.ly/ContagiousBrasil.

Você seria perdoado por sentir que o mundo já tem o suficiente para enfrentar agora. Em algumas semanas, a pandemia do Covid-19 se transformou em uma emergência internacional de saúde em uma escala que poucos poderiam imaginar. Mas, com o mundo em vários estados de confinamento, a necessidade de distanciamento social e seu rápido impacto na vida econômica trouxeram uma proporção significativa da humanidade a uma percepção surpreendente, mas profunda: a mudança pode acontecer, e pode acontecer rapidamente.

Quando o grupo de protesto ambiental Extinction Rebellion (XR) enviou uma carta aberta ao setor de publicidade em maio do ano passado, o movimento estava em alta. O sucesso de um protesto, durante o qual um barco cor-de-rosa ficou estacionado no centro do Oxford Circus em Londres e paralisou a rua mais movimentada da capital durante metade de abril, trouxe visibilidade para o grupo. A carta convidava o mundo da publicidade a “declarar uma emergência climática e ecológica e agir de acordo. Convença seus clientes e o público a fazer o mesmo.”

Quase um ano depois, à medida que o mundo se ajusta ao novo normal de se trabalhar de casa, falamos com o ex-estrategista criativo da McCann London Will Skeaping, agora ativista da XR, para descobrir os impactos do convite aos publicitários e como a crise atual pode influenciar nossa resposta à emergência climática.

Já faz quase um ano desde a sua carta para o setor de publicidade: alguma coisa mudou?

Acho que todo mundo começou a acordar para esse problema, mas vai fazer de tudo para evitar ter que resolvê-lo de verdade. É quase como se eles precisassem de um orçamento de alguém para decidir como abordar isso.

É sempre sobre a embalagem, a aparência, nunca sobre o conteúdo real: as marcas continuam falando sobre seus propósitos, as agências querem falar sobre o propósito de seus clientes. Mas ninguém está preenchendo a parte que falta, que é a substância do que isso realmente é. […] Ninguém quer preencher essas lacunas. É aí que ainda temos muito trabalho a fazer.

“[A indústria da arte] imediatamente chamou a atenção, entendeu isso e está vendo como podem mudar radicalmente grande parte de suas práticas”.

Essa falta de resposta relativa é mais ou menos do que você esperava ver?

É menos. Marcas e empresas continuam falando sobre como estão à frente da curva, como são criativas, como são tão estratégicas — todas as palavras necessárias para ajudar a resolver grandes desafios climáticos e ecológicos. A realidade é que eles não foram estratégicos ou criativos em suas respostas. Eles têm continuado absolutamente na mesma.

Para além do universo da publicidade, existem organizações ou indústrias que estão melhorando?

Começamos a abrir discussões com o mundo da arte — outra das indústrias criativas, que vale US $ 68,5 bilhões, então não é pouca coisa. Eles imediatamente viraram a sua atenção, entenderam a questão e estão vendo como podem mudar radicalmente grande parte de sua prática.

Como começaram neste caminho?

Juntando os líderes de todas as principais galerias e instituições — proativamente, na hora certa -, começaram a realmente abordar o que precisam fazer. Nem precisamos cutucá-los, eles simplesmente entenderam.

Não estou dizendo que eles são mais inteligentes ou que têm melhores ternos: existem analogias entre essas indústrias. A arte pode ser vista da mesma maneira que você vê as marcas de luxo. Mas o setor de publicidade ainda não reconhece até que ponto faz parte do problema e, portanto, não o trata com a urgência necessária.

O que você acha que eles não estão enxergando?

Que o clima e a emergência ecológica são o novo cenário para todas as histórias. Já chegou, está matando milhões do outro lado do mundo. Este é o próximo grande coronavírus que mudará tudo em nossas vidas para sempre e, no entanto, não é o título de todos os briefs.

“Construção de comunidade é radical em um momento de divisão. Os CEOs precisam ligar para os outros CEOs. Entre em contato com seus concorrentes, rivais e inimigos, e com seus melhores amigos, se junte a eles e descubra como vocês vão mudar uma indústria.”

A indústria já está sob intensa pressão: como eles devem conciliar esse sentimento de ameaça existencial com a sua insistência na necessidade de um repensar fundamental?

Você acertou na mosca. São tempos difíceis economicamente de qualquer maneira — a última coisa que você precisa é ser forçado a ouvir um grupo de ativistas agressivos que aparecem e dizem que ‘tudo isso precisa mudar’. Todos temos hipotecas, todos temos casas e talvez essa seja a primeira vez que fomos testados a pensar a fundo, através do coronavírus, no que isso significa.

Mas o sistema antigo não funciona. Está falindo uma indústria inteira e está começando a se enrolar de qualquer maneira. Se você precisa mudar, é melhor mudar radicalmente e resolver dois problemas de uma vez, ao invés de mudar uma vez e continuar preso na mesma espiral descendente.

Já estamos enfrentando a crise do Covid-19. Precisamos sustentar os bancos e as companhias aéreas e a economia marrom (dependente de combustíveis fósseis) e esperar a emergência climática chegar, ou entramos todos de cabeça e dizemos ‘a coisa toda está falida, precisamos mudar agora’?

O que marcas, profissionais de marketing e agências têm a ganhar tomando a iniciativa e agindo de maneira positiva?

Um novo papel no cenário da mídia do futuro em uma emergência climática e ecológica. Um papel como comunicadores e conectores entre pessoas, governos, negócios e marcas. Qualquer que seja o futuro, a comunicação será vital.

A mediação entre poder e comunidade será um desafio excepcionalmente importante para todos em uma função de comunicação.

Qual é o primeiro passo que você sugere para colocar as coisas nessa direção?

Quando os protestos da Extinction Rebellion são bem-sucedidos, são sobre reunir as pessoas e colocá-las na mesma página, e é isso que precisamos que a indústria faça.

A construção de comunidade é radical em um momento de divisão. Os CEOs precisam ligar para os outros CEOs. Entre em contato com seus concorrentes, seus rivais e seus inimigos, e com seus melhores amigos, se junte a eles e descubra como vocês vão mudar uma indústria.

E se a liderança não fizer esse trabalho, se o seu CEO não mudar, mude seu CEO.

“Você não pode comprar a sua saída dessa emergência e as compras por pânico talvez tenham sido o sintoma — ou um dos suspiros de morte — dessa crença de que você pode”.

E se esse tipo de ação não ocorrer, você continuará tentando fazer as coisas andarem?

Se as agências não mudarem, estamos nos perguntando: até que ponto a cadeia de comando podemos levar isso? Então, agora estamos conversando com a Advertising Association [associação comercial que representa anunciantes, agências, mídia e serviços de pesquisa no no Reino Unido] e analisando como eles podem ajudar a apoiar uma transição vital nessa indústria, que seja justa e funcione para todos, não apenas para os executivos do alto escalão.

Não deveria caber à Extinction Rebellion dizer a uma indústria o que fazer. Mas se as pessoas quiserem discutir isso conosco e ver como podemos trabalhar juntos, estamos prontos e esperando — você só não vai ganhar um prêmio em Cannes por isso.

A experiência da sociedade com a pandemia atual vai afetar significativamente a maneira como nos envolvemos com a crise ecológica e climática?

Sim, eu realmente espero que sim. Este é um momento de mudanças muito surpreendentes e o que ele mostra é a plasticidade do pensamento humano: as pessoas são capazes de mudanças realmente radicais e substanciais na sociedade quase da noite para o dia, e a normalização chega muito rapidamente.

Vimos uma mudança drástica na maneira como todos vivemos. Estamos todos começando a perceber que outras maneiras são possíveis — e que precisamos ser mais humanos e menos Kardashian. As coisas que nos deixam felizes ou assustados não são necessariamente as que estão à venda.

Você não pode comprar a sua saída dessa emergência e as compras por pânico talvez tenham sido o sintoma — ou um dos suspiros de morte — dessa crença de que você pode.

Temos que ser corajosos o suficiente para encontrar esse público onde eles estiverem, contar a verdade sobre a crise ecológica e climática para nós mesmos e um para o outro e saber que, se não fizermos todos essa mudança, tudo estará acabado.

A resposta massiva [embora profundamente debatida] ao coronavírus é o exemplo que parecemos precisar para o que significa tomar ações significativas?

Sim. A visão de Gordon Brown [ex-primeiro ministro britânico] sobre isso realmente ressoou. Ele disse: “Isso não é algo que possa ser tratado em um país. Tem que haver uma resposta global coordenada.”

Todas as comparações com a mobilização em tempo de guerra, a idéia de tratar isso como uma verdadeira emergência global, ouvindo cientistas, fazendo mudanças radicais, reconhecendo que vidas estão em risco… Você poderia substituir ‘coronavírus’ por ‘emergência climática e ecológica’ para ter uma noção da urgência e manifestar uma mudança nos negócios “como de costume”.

É assustador que os líderes tentem passar a responsabilidade para o indivíduo nas duas crises, quando deveriam liderar com ações radicais para todos. O clima, a crise ecológica e essa pandemia exigem que as pessoas ajam juntas como uma comunidade, o que infelizmente é considerado radical. No momento, estamos sozinhos, mas juntos; em algum momento estaremos de volta às ruas em milhões.

“Há tanto ativismo que pode acontecer de casa, tanta campanha e tanto planejamento de como vamos mudar quando passarmos por isso.”

As sociedades mais ricas desfrutaram dos benefícios da sociedade de consumo: é justo negar às pessoas das economias em desenvolvimento a aspiração — e acesso — ao mesmo estilo de vida?

Talvez tenhamos a capacidade de redefinir a aspiração no mundo desenvolvido? O clima e a emergência ecológica já são uma realidade nesses lugares — para muitos, é quase tarde demais. Essa transição deve ser positiva para todos.

O outro aspecto da justiça climática é que o que fazemos no presente afeta todas as gerações futuras. Falamos sobre, em termos de publicidade, “atraente para o público da Geração Z”. Bom, você simplesmente não pode falar sobre o que o público da Geração Z quer ou sente sem abordar a emergência ecológica e climática. Essa é a parte mais simples dessa conversa sobre justiça climática para anunciantes.

Atualmente, toda a indústria de publicidade está sentada em casa tentando descobrir como responder a alguns meses muito diferentes e desafiadores…

Eles provavelmente estão se preocupando com os seus empregos…

Provavelmente estão mesmo. Que conselho você daria a eles?

Todos teremos que mudar, então é melhor que tenhamos certeza de que acertamos dessa vez e ajudemos a construir algo que seja adequado ao propósito, que funcione para todas as pessoas da sociedade — e isso inclui você.

Há tanto ativismo que pode acontecer de casa, tanta campanha e tanto planejamento de como vamos mudar quando passarmos por isso. Pense em como você pode fazer uma diferença positiva. Se junte a pessoas de todo o mundo, da sua comunidade e da sua indústria, mesmo que tenhamos que fazê-lo digitalmente.

Vamos construir essa comunidade e essas conexões agora, enquanto temos tempo.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.