Fazendo a diferença: impacto que vai além de posicionamento
Porque mais marcas deveriam evitar campanhas performativas que abordam grandes questões sociais e abrir caminho para um marketing mais transformador
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no nosso blog global, onde discutimos os desenvolvimentos mais relevantes em marketing e inovação, escrito pela estrategista da Contagious, Becca Peel.
Quando questionamos Vicki Maguire, presidenta da categoria Brand Experience & Activation, sobre o que era necessário para vencer no Cannes Lions 2021, ela prontamente nos respondeu: “Se você está trabalhando para tentar ganhar um Leão, você está errado”. “Você deveria fazer um trabalho que vai mudar vidas, mesmo que seja apenas para uma ou duas pessoas”, completou.
Isso é algo que ouvimos repetidamente dos presidentes de júri em todas as categorias do Festival Internacional de Criatividade: este ano, eles queriam ver as marcas fazendo a diferença.
E quem pode culpá-los? Nos últimos 18 meses, pessoas em todo o mundo têm gritado por ajuda. Em resposta, as marcas moveram montanhas, desde a adaptação de linhas de produção e fornecimento até a doação de fundos e equipamentos.
Embora causar um impacto na vida cotidiana das pessoas tenha sido uma prioridade para algumas empresas por muito tempo, sua importância foi elevada pelas circunstâncias da pandemia e a mudança resultante nas expectativas dos consumidores de que as marcas façam mais do que apenas falar.
Isso ficou particularmente evidente nas campanhas que abordaram diversidade e inclusão. Como setor, nossa compreensão destes temas está em constante evolução, e parece haver uma preferência emergente por gerar resultados práticos no lugar de criar mensagens de apoio. Se você olhar para os vencedores dos Grands Prix de 2020/21, 15 das 28 categorias deram seu maior reconhecimento para trabalhos que explicitamente usam o impacto para criar experiências mais equitativas e inclusivas.
Resolva problemas, não questões
As campanhas que levaram os maiores prêmios resolveram, invariavelmente, problemas específicos de suas marcas, produtos ou experiências, em vez de apenas se posicionar ou falar sobre questões amplas como igualdade de gênero ou discriminação racial. Essa abordagem fortaleceu marcas com clareza, foco e determinação para fazer a diferença.
Nas palavras de Tom Richards, presidente do júri de Health & Wellness, “trata-se dessa mudança de comportamento capaz de inspirar as pessoas a fazerem algo ou a realmente se importarem. Às vezes, as melhores ideias não são sobre a melhor técnica, mas sobre os problemas que elas resolvem.”
Acumulando três prêmios nas categorias PR, Media e Brand Experience & Activation, o Illegal Blood Bank da LadBible, criado junto com a Elvis London, ilustra isso perfeitamente. Em vez de divulgar uma declaração de apoio à igualdade LGBTQI+, a plataforma de conteúdo e canais sociais fez uma parceria com o grupo sem fins lucrativos Freedom to Donate para protestar contra uma lei discriminatória do Reino Unido.
A empresa usou seus canais para destacar a regulamentação desatualizada que impede que gays e bissexuais sexualmente ativos doem sangue. Também foi lançada uma campanha de doação de sangue voltada especificamente a esta comunidade excluída, que pedia àqueles que não pudessem comparecer ao local de doação para “prometerem um litro” no Unilad.com, com a finalidade de evidenciar a quantidade de sangue que poderia ser doada se as regras mudassem.
Também foi iniciada uma petição no Change.org para exigir que o risco fosse avaliado com base no comportamento sexual individual, e não apenas na orientação sexual. Em junho de 2021, o National Health Service do Reino Unido revisou suas diretrizes, abrindo a doação de sangue para qualquer pessoa que tenha o mesmo parceiro sexual por três meses ou mais. A LadBible encontrou um problema específico que seu público enfrenta e que era relevante para sua plataforma e posicionamento — que consiste na defesa de atos de bondade, bom humor e coragem das pessoas.
Outra grande vencedora desta edição do Cannes Lions, a Starbucks examinou oportunamente a sua experiência de marca e identificou um problema que alguns de seus clientes enfrentam todos os dias: não serem chamados pelo seu nome de escolha. Como marca, a Starbucks visa criar um espaço compartilhado confortável e acolhedor em suas cafeterias. O ato de escrever nomes em copos contribui para essa conexão emocional e é particularmente significativo para pessoas transgênero e não-binárias.
Raj Thambirajah, diretor de estratégia da agência Iris London, explica: “Se você pegar algo bastante profundo e significativo — como deadnaming [que consiste em usar o nome de nascimento de uma pessoa em vez do seu nome de escolha] — e combiná-lo com o ato cotidiano de ver alguém escrever seu nome em um copo de café e chamá-lo em voz alta com o seu pedido, você sem querer descobre que a Starbucks está fazendo algo incrível para as pessoas nesses momentos.”
Com base nesse insight, marca e agência lançaram a campanha What’s Your Name? no Reino Unido. A campanha incluía um comercial de TV contando a história de James, que as pessoas insistiam em chamar de “Jemma” (seu nome de nascimento) durante sua transição e que encontra um senso de aceitação quando vai a uma loja da Starbucks e ouve o barista chamá-lo por seu novo nome. Esta campanha, que levou o ouro em Creative Strategy, gerou empatia e compreensão para a comunidade transgênero. A entrevista completa com os insights e os resultados da iniciativa estão na nossa plataforma, o Contagious Online.
Enquanto isso, no Brasil, um país com um governo abertamente homofóbico, a marca descobriu como pode ser desafiador para pessoas trans mudar de nome legalmente, e como isso exclui e marginaliza a comunidade. Rafael Pitanguy, CCO da VMLY&R Brasil, nos disse que “mudar o nome das pessoas é algo que não só traria dignidade a elas, mas também lhes daria os direitos que merecem. Se você tem um documento oficial, você pode se candidatar a um emprego, você tem a possibilidade de abrir uma conta bancária, de obter um seguro de saúde, de adquirir uma conta de celular.”
Ao reconhecer como esse problema afeta profundamente as pessoas, a Starbucks e a VMLY&R Brasil sabiam que a marca precisava ir além da conscientização e encontrar uma maneira de realmente ajudar as pessoas trans a mudar legalmente seus nomes. E, assim, a marca desenvolveu a campanha Eu Sou para transformar sua principal loja em São Paulo em um cartório para o Dia da Visibilidade Trans no ano passado. Os assinantes da Contagious podem conferir a entrevista com o time responsável pela campanha aqui.
A ação foi reconhecida com o Grand Prix em Glass — a categoria criada para premiar trabalhos que impactam positivamente desigualdades, desequilíbrios ou injustiças de gênero. Desde então, a campanha se transformou em uma iniciativa digital de longo prazo.
Esses exemplos premiados mostram como, ao examinar um produto, serviço ou experiência através da lente da inclusão, as marcas podem identificar áreas para fazer melhorias incrementais que promovam o acesso às mesmas oportunidades.
Amplie sua zona de impacto
Mesmo quando uma solução parece pequena, as marcas podem ter um impacto enorme ao se comprometerem a escalá-la, como evidenciado na iniciativa True Name da Mastercard. Trabalhando com a McCann New York, a marca mudou apenas um pequeno elemento da experiência bancária: passou a permitir que os nomes escolhidos pelas pessoas trans fossem impressos em seus cartões — e isto acabou gerando um impacto global (você pode conferir aqui os bastidores da campanha).
True Name não apenas alivia um ponto de dor profundamente sentido por uma comunidade estigmatizada, mas também melhora significativamente sua vida cotidiana, dada a frequência com que todos nós usamos nossos cartões de crédito. E a Mastercard não fez essa mudança silenciosamente nos bastidores: ela dedicou tempo e dinheiro para tornar seu apoio a esta iniciativa altamente visível — o que, por sua vez, obriga o resto da indústria a correr atrás.
Agora, concorrentes da marca (como a Visa) já lançaram recursos semelhantes. Esta iniciativa ganhou um Grand Prix na categoria Brand Experience & Activation (assim como prêmios nas categorias Creative Business Transformation, Creative Strategy, Direct e PR), porque, como nos disse a presidente do júri, Vicki Maguire, “quando grandes jogadores como a Mastercard se envolvem, você sabe que algo está mudando.”
Mas isso não significa que são apenas os gigantes corporativos que podem mudar o mundo. A fabricante de sabonetes que levou para casa o Grand Prix de Health & Wellness, Beco, é um pequeno negócio de fortes princípios éticos com sede no Reino Unido. É uma empresa social com uma força de trabalho composta predominantemente por pessoas com cegueira ou outros tipos de deficiência visual.
A campanha foi criada em reconhecimento às mais de 1 milhão de pessoas com deficiência no Reino Unido que lutam para encontrar trabalho. Sabendo que não poderia resolver este problema sozinha, a Beco apelou a outras empresas da região para adotarem as mesmas práticas de contratação inclusiva.
Criada com a TBWA\London, a campanha #StealOurStaff (#RoubeNossaEquipe) colocou os currículos reais da equipe da Beco nas embalagens de sabonete vendidas nos principais varejistas do Reino Unido. A marca também escreveu uma carta aberta que questionava as atitudes sociais em relação à contratação de pessoas com deficiência, usou malas-diretas para chamar a atenção de grandes líderes de negócios (como Richard Branson) e colocou anúncios de mídia externa perto dos escritórios de grandes empresas (como Dyson e HSBC) convocando-as para “roubar a sua equipe”.
A campanha foi complementada com um filme bem-humorado estrelado também pelos funcionários da Beco. Assim, eles ampliaram sua zona de impacto ao convidar outras empresas a seguirem seu exemplo. Nas palavras de Andy Jex, CCO da TBWA\London, “estamos acostumados com empresas e marcas dizendo muito e fazendo muito pouco. E aqui está esta pequena marca, fazendo tudo isso. Se eles conseguem, em uma pequena fábrica no leste de Londres, por que essas outras empresas multinacionais não podem fazer o mesmo?”
#StealOurStaff gerou uma diferença real para o próprio negócio da Beco e, mais importante, para as pessoas com deficiência que buscam um emprego. A campanha levou a um aumento de 96% nas vendas em relação ao ano anterior e a um aumento de 1.500% no tráfego web da Beco. Também resultou em mais de 40 marcas entrando em contato para “roubar seus funcionários” (se você quiser saber mais sobre a campanha, confira na nossa plataforma uma entrevista com o time da TBWA\London). Essa iniciativa provou que você pode fazer uma grande diferença, mesmo como uma pequena empresa, se convocar outras pessoas para segui-lo.
Compartilhe seus valores
Às vezes, para causar impacto, as marcas precisam ajustar seu produto ou serviço, como fizeram Mastercard e Beco, mas as comunicações tradicionais também são capazes de incitar mudanças.
Em novembro de 2020, após o ressurgimento do movimento Black Lives Matter, a marca de fones e equipamentos de áudio Beats By Dre lançou You Love Me, um filme sensível que celebra a cultura negra enquanto critica a indiferença das pessoas em relação ao racismo, explicitamente chamando a atenção para a hipocrisia da fetichização da cultura negra pelos não-negros e a simultânea desconfiança com relação às pessoas negras. Em cada cena, o elenco (incluindo a tenista Naomi Osaka, o rapper Lil Baby, o piloto de corrida Bubba Wallace e a ativista Janaya Khan) desafia os espectadores a considerarem o que significa o seu amor por esta cultura enquanto os negros ainda precisam lutar por igualdade e justiça todos os dias. O filme foi ao ar durante o Draft da NBA, o jogo de Ação de Graças da NFL e outros grandes eventos esportivos, para evidenciar ao grande público essa desconexão.
Não houve um apelo óbvio à ação em You Love Me e, por isso, inicialmente alguns dos jurados de Cannes rejeitaram a campanha como sendo apenas “um belo filme”. Mas o trabalho conseguiu emplacar um Leão de Titânio em reconhecimento à importância de uma mensagem que leva as pessoas a reavaliarem seus valores e comportamentos. Ao comentar sobre a razão primordial para a criação dessa a campanha (a entrevista está na nossa plataforma), Steve Horn, redator sênior da Translation LLC, Nova York, explicou: “Sentimos que era importante criar algo que pudesse levar as pessoas a pensarem sobre seu lugar na sociedade e incitá-las a tomarem uma atitude.”
Todos nós podemos fazer mais
Mais marcas deveriam levar em conta como seu trabalho pode gerar mais inclusão, porque, conforme demonstrado por essas campanhas e iniciativas, o tamanho de uma marca, sua categoria ou seu orçamento de mídia não limitam o tamanho do impacto que se pode alcançar quando se escolhe fazer a diferença. Se muitas organizações focarem no que elas mesmas podem fazer melhor, essas melhorias incrementais resultam em progresso real.