Karen Nelson-Field sobre atenção, ad-fraud e crash de tecnologia
O novo livro da professora Karen Nelson-Field, especialista em mídia e marketing, não esconde nada quando se trata dos mitos publicitários que são tão queridos para os profissionais de marketing. A autora conversa com Phoebe O’Connell, da Contagious UK
Este artigo foi publicado na edição 62 da Contagious Magazine, lançada em março. Para assinar nossa publicação trimestral, repleta das idéias mais criativas e dos insights mais relevantes do marketing, da inovação e da criatividade em mais de 100 mercados globais, envie um e-mail para brazil@contagious.com.
Pelos últimos anos, a professora australiana Karen Nelson-Field e uma equipe de engenheiros da computação e pesquisadores-doutores em marketing têm construído um processo de pesquisa rigoroso e orientado tecnologicamente para medir a eficácia de ações de marketing.
Como professora da Universidade de Adelaide, na Austrália, autora e ex-pesquisadora do Ehrenberg-Bass Institute for Marketing Science, a pesquisa de Nelson-Field sobre marketing em mídias sociais, compartilhamento de vídeo e a mensuração de atenção fez dela uma autoridade global em estratégia de mídia.
Em 2016, ela fundou a Amplified Intelligence, uma consultoria onde a pesquisa de marketing encontra com machine learning. “A organização surgiu da frustração com uma dependência excessiva de questionários de pesquisa e a necessidade de avançar mais rapidamente do que o sistema universitário permitiria”, Nelson-Field conta à Contagious.
Agora, a pesquisa da Amplified Intelligence sobre estratégias de mídia que impulsionam o crescimento de marca deu frutos no livro mais recente da autora, The Attention Economy and How Media Works: Simple Truths for Marketers (A Economia da Atenção e como a Mídia Funciona: Verdades Simples para Profissionais de Marketing). Assim como em seu livro anterior, Viral Marketing: The Science of Sharing (Marketing Viral: A Ciência do Compartilhamento), Nelson-Field atira no mito dos “virais”, nos incita a buscar uma pesquisa mais rigorosa e oferece uma avaliação completa e inflexível de nossa indústria, além das falsidades e erros que perduram.
Como Nelson-Field coloca, em uma era de “fake news e fatos rápidos”, nossa atenção está cada vez mais dividida — mas o que isso significa para os profissionais de marketing? Em The Attention Economy, ela descreve uma receita para pesquisas de mídia melhores, defende os méritos da distinção sobre a diferenciação, explora os dois tipos de atenção e como eles afetam as vendas.
Junto a essas verdades existem avisos que os profissionais de marketing ignoram por sua conta e risco: a natureza insidiosa da fraude nos anúncios, a miopia da medição instantânea e o inevitável crash da chamada ad tech.
Contagious falou com Nelson-Field para descobrir como a moeda da atenção está pronta para moldar o estado da arte do marketing.
Qual é o maior erro que os profissionais de marketing cometem hoje em dia?
Você pode pensar que eu diria: “Você não está pensando no crescimento da sua marca a longo prazo”. Mas acho que isso já foi abordado. O que está abaixo da superfície é o espaço digital — a escala de fraudes que está por trás do mercado digital é inacreditável. Eu sinto que essa é uma daquelas coisas que os profissionais de marketing simplesmente não querem saber.
Existem algumas marcas realmente inteligentes que têm limites reais em torno do que compram e como sabem o que é humano ou não, ou o que são contas duplicadas. Mas, na maioria das empresas, grande parte de sua publicidade é desperdiçada porque não está sendo vista por humanos [mas por bots]. A segunda parte disso é a questão da visibilidade. Mas pelo menos isso está na superfície.
Com relação ao elemento humano, é difícil saber. Eu acho que as pessoas subestimam [as fraudes em anúncios]. Qual é o maior erro? É ser um pouco ingênuo em relação à realidade do que você está comprando. Há coisas que você pode fazer para melhorar suas chances. O mercado programático está repleto de fraudes. Portanto, fale com o comprador da mídia e tente criar um sistema para melhorar o elemento humano.
O que podemos esperar aprender do seu trabalho mais recente?
O tema principal é o que você pode fazer para maximizar a atenção quando vivemos em um mundo em que a maioria de nós caminha em um estado subconsciente: não prestamos muita atenção em geral, muito menos em publicidade. O livro é sobre o tipo de ação que os anunciantes podem fazer para melhorar suas chances. É sobre o que a indústria pode fazer como um todo para melhorar a eficácia da publicidade. Por exemplo, falo da minha intolerância em relação à presença de menos de 100% de pixels na tela [os pixels representam o quanto de um anúncio é exibido na tela], porque podemos ver sem dúvida que isso faz uma enorme diferença tanto para vendas quanto para atenção. O livro explora as razões pelas quais a atenção entra e sai.
Por que escrever esse livro agora?
Não esperávamos que a tecnologia [da coleta de pesquisas da Amplified Intelligence] fosse tão sólida quanto era ou é, mas fizemos um trabalhos suficientes nos últimos três anos para ter descobertas relevantes no espaço da atenção [para o livro]. Originalmente, estávamos analisando a eficácia da publicidade em diferentes plataformas, mas quando você começa a descobrir quais são mais eficazes, obviamente existem perguntas sobre por que isso acontece e, portanto, a questão da atenção entra em cena. Por que você presta mais ou menos atenção a determinadas plataformas? Tivemos todas essas descobertas saindo da composição principal da pesquisa.
Você acha que a atenção deveria ser uma métrica alternativa?
Eu não sou a primeira a sugerir isso: [a agência de planejamento e compra de mídia] PHD Global estava falando sobre a importância da atenção e da “moeda” da atenção há vários anos — mas eu definitivamente sou uma voz falando alto no momento. Todo mundo está tão frustrado com a forma como a mídia é comprada e vendida agora.
Há um verdadeiro push para a reforma dessa moeda. No momento, as impressões e a maneira como compramos mídia são baseadas em um produto muito impuro e não são comparáveis entre plataformas. Portanto, a tensão está definitivamente subindo à tona no sentido de ter a atenção como uma opção de moeda de troca para negociações futuras.
Como em seu livro Marketing viral: a ciência do compartilhamento, você toca novamente no termo “viral”. É um termo que ainda é mal utilizado?
As pessoas estão mais conscientes do conceito de que não há almoço grátis e estão começando a perceber que há muito mais investimento por trás da mídia agora. Não estamos apenas testando coisas na base do “vai que cola”, e esperando que isso conquiste alcance. A maioria das pessoas entende que o viral não é essa grande coisa que todos colocam em um pedestal, e isso é uma mudança, de certa forma, grande. Eu ainda incluí isso no livro porque é um ponto realmente importante a destacar. Se você deseja que sua publicidade seja bem-sucedida, não pode contar com o editor algorítmico do Facebook.
O foco em “tornar-se viral” parece ser um sintoma de pensamento no curto prazo. Por que você acha que os profissionais de marketing são tão obcecados com a medição de curto prazo?
Essa é a área de Les Binet e Peter Field (especialistas em eficácia de marketing), mas o livro estabelece o contexto dos últimos 15 anos dessa mudança sísmica em nosso setor. Por que as marcas são obcecadas pela medição instantânea? Porque você pode ver um resultado instantâneo. Tudo é instantâneo, as pessoas querem saber em tempo real se algo funciona ou não e, se não funcionar, querem seguir em frente.
Com a granularidade digital nesse espaço, você tem acesso a taxas de cliques ou engajamento, curtidas, seguidores ou fãs ou o que quer que seja. A obsessão pela medição instantânea foi provocada pela natureza dos modelos comerciais que estão por trás dessas plataformas. Ainda não há nada parecido na TV. A TV demorou a entrar nesse espaço de eficácia instantâneo — e provavelmente com razão, porque significa que as campanhas são trocadas muito mais rapidamente e se concentram nos compradores pesados de marcas.
Como o curto prazo afeta o que você chama no livro de “factfulness”?
Isso vem do livro Factfulness: dez razões pelas quais estamos errados em relação ao mundo — e por que as coisas são melhores do que você pensa, de Hans Rosling. Ele fala sobre esse conceito de como, enquanto seres humanos, sempre pensamos: “Na década de 1970, era muito mais fácil, ou na década de 1980, era muito mais divertido ou livre”. Rosling diz que os humanos esquecem, vivem em bolhas e só operam no mundo em que vivem exatamente naquele momento.
É o mesmo no espaço publicitário: se você só vendeu o conceito de taxas de cliques e não vê o cenário maior, você acaba migrando para isto. Vivemos nesse estado constante de “factualidade” em torno da compra de mídia. O que, na prática, torna esse comportamento perigoso para os anunciantes? É que isso significa que as marcas focam demais nos compradores pesados [no sentido de leais à marca] e no curto prazo. Elas não estão realmente olhando para o jogo de longo prazo. A maioria dos CMOs dura o que, dois, três anos? As marcas que resistiram ao teste do tempo já existem há centenas de anos. Portanto, na prática, são más notícias para o crescimento das marca a longo prazo.
O que impede os anunciantes de se concentrarem na mensuração de longo prazo?
É caro!
No final das contas, tudo se resume ao custo?
Sim, boas métricas são difíceis de medir, por isso é caro. É realmente simples assim.
Sempre foi assim ou o pensamento de curto prazo é um sintoma da crescente pressão sobre agências e CMOs nos anos mais recentes?
É uma combinação de medidas de longo prazo que são caras, mas também plataformas que fizeram um trabalho incrível no marketing de suas próprias oportunidades comerciais. As plataformas que vendem essas formas de medição têm dinheiro para vendê-las. Nos últimos 15 anos, todas as plataformas digitais cuja moeda é a taxa de cliques, a velocidade de rolagem ou o que quer que seja, as venderam como métricas, sem nenhum fundo empírico.
Neste livro, você dedica um capítulo ao que faz uma boa pesquisa. Você poderia explicar por que a replicação é a chave do rigor?
No meu doutorado, fui treinada em Ehrenberg-Bass, onde toda a receita para uma boa pesquisa é sobre generalização: trata-se de identificar semelhanças entre vários conjuntos de dados, em vez de significância em qualquer conjunto de dados.
Quando você vê padrões aparecendo em muitos lugares — em diferentes fusos horários ou em diferentes categorias ou em diferentes países — é quando você sabe que há realmente algo lá e não é apenas por um acaso que você encontrou um resultado significativo em um conjunto de dados.
Com a prevalência de notícias falsas e desinformação, você acha que nossa disposição de aceitar “de cara” pesquisas não confiáveis é um sinal dos tempos?
Sim. [Resultados de publicidade] não são regulamentados, certo? Se você estiver na área médica, são necessários sete anos de testes para que o FDA lhe dê aprovação. Em nosso campo, estamos apenas vendendo coisas, então não há regulamentação [consistente]. As pessoas querem poder promover resultados rápidos: “Encontrei um resultado aqui e não vou passar os próximos dois anos da minha vida nisso. Já encontramos, vamos ao mercado, vamos seguir em frente.”
O que você quer dizer quando diz que a publicidade não é convincente?
Sabemos que há regularidades estatísticas por trás de vendas ou escolha da marca. A natureza dessas leis de crescimento e as regularidades que podem ser vistas dentro delas mostram que não somos leais a uma determinada marca, somos leais a muitas. Além disso, a publicidade não vai necessariamente nos fazer mudar de marca. A publicidade não é persuasiva.
A literatura mostra que a publicidade não é a força formidável que a maioria das pessoas diz que é. Você tem um repertório de marcas, é bastante habitual em suas compras e é improvável que você pule da sua cadeira, saia correndo e compre algo diferente só porque está na TV. Há muita pesquisa por trás disso desde a década de 1950. E isso foi replicado até hoje.
A regra geral é que a publicidade te dá um empurrãozinho em direção ao que você já compraria de qualquer maneira e talvez leve você a experimentar algo. Portanto, esse conceito de que a publicidade é fraca ou forte talvez não seja a melhor maneira de encará-la. A publicidade existe para lembrá-lo de que está na categoria, mas não necessariamente o fará mudar de idéia.
O livro também aborda por que as marcas devem ser cautelosas ao priorizar a lealdade sobre o crescimento.
Se você deseja aumentar a participação de mercado, há uma proporção maior de compradores leves que você pode potencialmente conquistar, mesmo uma vez por ano. Quando você tem muitas pessoas e um pequeno número delas compra mais uma vez, tem a capacidade de fazer crescer a marca. Existem muito poucos compradores pesados em relação ao número de compradores leves.
Como você diz na conclusão do livro, “Não há como negar a escala da transformação que está vindo em nossa direção […] As mudanças que estamos prestes a ver serão uma perturbação fundamental na maneira como compramos e vendemos coisas.” O que o futuro reserva para a indústria?
É provável que isso seja um pouco controverso, porque sinto que viemos dependendo do trabalho que existe há mais de 50 ou 60 anos, mas acho que há mudanças vindo. Muitas pessoas estão prevendo isso, mas vejo que haverá um crash na tecnologia de anúncios e a ascensão dos gigantes do e-commerce mudará a natureza das regras que estão por trás dos comportamentos dos consumidores. As pessoas deveriam estar bastante interessadas em como você vai operar como marca em 2030, porque as coisas vão ser diferentes.
Os defensores da ciência do marketing dirão: “Não, não, não, isso não mudou há 50 a 60 anos, então nunca vai mudar”. Errado. Nossa indústria nunca viu uma mudança tão significativa. A natureza dos algoritmos de publicidade — projetados para curar nosso gosto pessoal, ou seja, fazendo os consumidores serem expostos a menos produtos — mudará a maneira como compramos. Haverá menos acaso e tudo será mais direcionado.