Marcas políticas

As marcas estão sendo arrastadas para a briga de questões políticas e sociais por consumidores que compram com seus princípios. Exploramos como elas podem navegar nessa dinâmica e evitar estragar tudo

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
8 min readApr 9, 2020

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Este texto foi originalmente publicado em inglês no Contagious I/O, plataforma de inteligência criativa e estratégica para marcas, agências e negócios de inovação, em 2018. Ele segue sendo relevante — talvez cada vez mais — e por isso publicamos aqui também. Para saber mais sobre os produtos e serviços da Contagious, acesse www.contagious.com ou escreva pra gente em brazil@contagious.com.

As marcas não são nem nunca foram atores políticos neutros. Elas desenvolvem produtos que significam status social e criam mensagens que geram desejo. Além disso, consomem recursos em escala industrial e moldam as leis que orientam nossas vidas.

No entanto, ao longo da maior parte de sua história, as marcas se afastaram de temas políticos — um arranjo que parecia satisfazer a todos. Até agora. Hoje em dia temos redes de hambúrgueres publicando anúncios sobre a neutralidade de rede, empresas de cosméticos protestando contra a atuação de policiais disfarçados e varejistas de roupas para atividades ao ar livre dizendo aos visitantes de seu site: “O presidente roubou suas terras”.

Neste artigo vamos analisar marcas que se engajam em questões sociais e políticas, o que está impulsionando essa tendência e como uma marca pode fazer para não se dar mal ao tomar uma posição.

O lifestyle político /

Provavelmente muitas marcas prefeririam voltar a uma época em que não se esperava da parte delas engajamento em questões sociais ou políticas. Afinal, pode parecer que há muito mais chances de perder do que de ganhar nesse jogo. Mas foram as marcas que começaram a vender seus produtos usando lifestyles, em vez de abordar apenas atributos e benefícios. Também foram elas que diminuíram os limites entre negócios e responsabilidade social corporativa com o conceito de atuações orientadas por um propósito. Buscando vantagens comerciais, as marcas introduziram o “fazer o bem” em suas estratégias de negócio (ou, pelo menos, venderam-se dessa forma) e condicionaram os consumidores a esperar mais em relação ao que elas são ou fazem. Agora que a política se tornou um componente dos estilos de vida, as marcas não podem simplesmente ignorar esse fato ou voltar atrás.

Uma pesquisa da Edelman publicada em 2017 aponta que 57% dos consumidores estão dispostos a apoiar ou boicotar uma marca devido a posições sociais e políticas, e 67% dos consumidores guiados por crenças adquiriram um produto ou serviço pela primeira vez por conta de posições assumidas pelas marcas. Outro estudo de 2017 — da Sprout Social, realizado com 1.022 consumidores norte-americanos — mostra que 65% acreditam ser importante ou muito importante que as marcas se posicionem em relação a questões sociais e políticas.

Entretanto, vale ponderar que: 1) há pesquisas que mostram resultados em outra direção — estudos com consumidores norte-americanos realizados pela 4As e pela SSRS no início de 2017 indicam que 58% dos entrevistados não gostam de marcas se metendo em questões políticas; e 2) as opiniões do grande público, independentemente das nuances de opiniões, são sufocadas pelas vozes nas redes sociais — as quais se mostram influentes de forma desproporcional e menos ambivalente.

“Fique em silêncio e você verá outras marcas passando à sua frente”, diz Latia Curry, uma das líderes da agência Rally, que trabalha assessorando marcas em questões políticas e sociais.

“Você vai perder a oportunidade de se engajar com o público e, se surgir algo negativo sobre a marca ou a empresa, vai ter que se defender sozinho. Você não fez o trabalho necessário para mostrar que aquilo não é verdade ou que sua marca se preocupa com alguma coisa.”

Político ou social /

Agora você sabe que precisa dizer alguma coisa. Mas em quais questões deve se engajar? Não há uma fórmula, infelizmente, pois talvez seja esse o ponto mais difícil e importante sobre o qual ter clareza. No fim, trata-se daquela palavra irritantemente elástica: autenticidade.

“A primeira pergunta que uma marca precisa se fazer é: por que queremos fazer isso?”, explica Latia. “Trata-se de algo relacionado à missão de vida do CEO ou do fundador? Tem a ver com o impacto provocado pela empresa ou por seus produtos? Não estamos falando de uma resposta ao que os outros andam fazendo. É muito mais olhar para o próprio umbigo e analisar por que você quer fazer isso.”

Um conselho bem concreto é evitar que visões político-partidárias orientem o debate.

O alinhamento exagerado de uma marca a um partido ou um político segmenta o público de forma desnecessária. Além disso, é muito mais provável que pessoas e partidos desapontem você do que crenças e valores sinceros. Isso deveria ser óbvio tendo em vista a quantidade ínfima de marcas que assumem esse tipo de postura mais sectária.

O que a Contagious já viu de mais próximo a vínculos político-partidários foi uma iniciativa da Chevrolet na Argentina. A marca criou a campanha “Meritocratas”, que repetia o manifesto do partido de centro-direita então no poder. Ainda assim, ao ser questionada pela Contagious se havia uma afiliação política, a agência da marca preferiu responder de forma evasiva.

A escala de engajamento /

Entre as marcas que deram o salto para se alinhar a questões políticas e sociais, há diferentes níveis de comprometimento e sucesso. A Rally mapeou exemplos dos anos recentes para criar uma escala de engajamento.

_Jogando verde: marcas que adotam uma única ação expressando uma visão de mundo. Não apresentam histórico relacionado ao tema em questão e apenas observam o que acontece.

Essa definição talvez soe depreciativa, mas campanhas de uma única ação podem resultar em impacto considerável. O Burger King recebeu aplausos por abordar um amplo leque de questões. A Contagious mapeou duas dessas iniciativas: uma campanha anti-bullying e uma “pegadinha” em prol da neutralidade de rede.

“O interessante é que eles não têm absolutamente nenhum vínculo com as questões que estão abordando”, explica Curry, “mas demonstram muita fluência e convicção a respeito. Dizem coisas sobre uma questão e onde você deve se posicionar, e o fazem de modo muito inteligente. O orçamento de marketing é gigante e inclui anúncios. Esse é um jeito de influenciar as pessoas.”

O risco presente nesse nível de engajamento é errar o tom. Não ter experiência com uma questão ou algo que possa ser mostrado para indicar boa-fé, caso uma campanha seja percebida pelo público como insensível.

_Assumindo a posição: “O próximo passo”, diz Curry, “é realizar diversas ações consistentes que mostrem a marca ‘assumindo sua posição’”.

Para ilustrar esse nível da escala de engajamento, Curry traz o exemplo do aplicativo de táxi Lyft. A marca protestou publicamente contra medidas do governo Trump e, aproveitando a onda do veto migratório, anunciou que doaria 1 milhão de dólares, ao longo de quatro anos, à ONG American Civil Liberties Union. A marca ainda ofereceu transporte gratuito aos manifestantes do protesto March For Our Lives, organizado por estudantes que reivindicavam leis de restrição ao acesso de armas.

Para ser categorizada como “assumindo uma posição”, além de demonstrar consistência e conhecimento aprofundando, a marca também deve colocar um pouco de carne e osso na jogada. No caso da Lyft, por exemplo, executivos de alto escalão deram depoimentos pessoais em apoio às questões com as quais a marca estava lidando.

“Não se trata apenas de colocar uma ação na rua e cruzar os dedos. É preciso dar a cara à tapa e defender o ponto de vista”, explica Curry.

_Seguindo a cartilha: o nível mais alto da escala é definido pela fluência em relação às questões.

“É onde a marca sabe por que está fazendo o que está fazendo e de fato representa os princípios daquela reivindicação em alguma medida. Se luta pela diversidade no mundo, ela é diversa, e mergulha em suas próprias questões. Portanto, não se trata apenas de tirar vantagem. A marca comunica ao consumidor: ‘Estaríamos fazendo isso de qualquer forma. Não importa se você compra ou não nossos produtos, realmente acreditamos profundamente nessa posição’”.

A Patagonia, marca de roupas e acessórios para atividades ao ar livre, segue a própria cartilha. Tem uma missão clara (“usar os negócios para inspirar e implementar soluções para a crise ambiental”) e construiu sua marca de forma proativa em torno dessa perspectiva.

Esse nível de fluência em uma questão ajuda nos resultados das empresas, mas geralmente de forma indireta. “A Patagonia tem clientes que compram somente Patagonia. Eles não compram por preço, mas por compartilharem crenças com a empresa. Isso é algo realmente poderoso para a estabilidade de uma marca.”

_Purgatório da marca: empresas que mandam mensagens contraditórias ou negligenciam riscos, confundindo e desagradando consumidores em ambos os lados de uma questão: esse é o purgatório de uma marca.

“A esse respeito, a NFL [Liga Nacional de Futebol Americano] é um exemplo complicado, mas valioso, pois ela fez o contrário de tudo que eu disse”, observa Curry. “Agiu de forma reativa e não foi consistente, prejudicando a autenticidade e confundindo o público. Ao fim do dia, não sabe exatamente o que quer ser ou não comunicou isso tão bem”, completa.

“Veja pelo exemplo contrário. Ninguém fala que a NBA está perdendo consumidores por permitir que os jogadores usem camisetas da [mobilização] Black Lives Matters, isso porque os fãs da NBA são tão unidos que têm uma voz muito mais forte. A NFL é tão fragmentada que você consegue ouvir todas as vozes, e a audiência caiu entre espectadores liberais e conservadores da liga. Uma confusão total para a marca. Por isso, penso que ela é um exemplo perfeito de uma marca no purgatório por não ter sido proativa. Não sabe quem é, por que faz o que está fazendo e é inconsistente”, explica a especialista.

Aprendizados /

Em uma dimensão mais ampla, os comportamentos que compilamos ilustram uma mudança: de marcas levando a cabo iniciativas não partidárias de responsabilidade social corporativa até o ativismo. Por fim, isso levará ao que Curry chama de um “mundo nichado” de marcas: “onde os consumidores estão segmentados em torno de marcas que correspondem aos seus valores de forma mais profunda e duradoura.”

Para uma marca não ficar sem chão nessa transição, ela sugere três focos principais:

1) Olhe para o seu umbigo. Verifique sua própria autenticidade.

2) Seja proativo e não espere. Não seja responsivo.

3) Certifique-se de que você tem algum colega ou pessoa a quem consultar que entenda essas questões e possa ajudar a minimizar tropeços quando você estiver, ao mesmo tempo, construindo e divulgando as crenças de sua marca.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.