O antídoto do adblock

Chegou o momento de o Festival de Cannes se tornar realmente sobre criatividade? Gabriel "Sukita", Creative Data Leader na SOKO, reflete sobre a edição 2021 do evento

Gabriel Silva Matos
Contagious Brasil
3 min readJul 23, 2021

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Opinião impopular: eu não sou fã do “Cannes Lions".

Entendo todo o apelo, os desdobramentos consequentes, a celebração, os prêmios, a visibilidade; mas como um fã do conceito de criatividade e inovação, eu apenas não acho que o festival seja “sobre isso” (utilizando a, pra lá de saturada, expressão/meme sem vergonha nenhuma, ok?!).

Se criatividade é a capacidade de olhar pra mesma coisa que todo mundo e conseguir enxergar algo diferente, como um mercado que se utiliza há anos das mesmas réguas de avaliação social — ou das mesmas lentes para se enxergar o cotidiano — tem a cara de pau de se autoproclamar “festival internacional da criatividade”? É essa presunção — de um mercado feito por publicitários padrão para premiar visões de mundo padrão — que me afasta (como pessoa física e jurídica) da premiação que aquece o setor.

Com a pandemia da Covid-19 afetando países imperialistas — e deixando boa parte dos habitantes da Terra na mesma página no quesito “estar atordoado por uma situação muito muito muito doida que poucas pessoas previram que pudesse acontecer, mas que mudou a vida e a rotina de boa parte dos seres humanos do planeta” — , imaginei que agora as marcas teriam que “se virar” para falar com o público de uma maneira arbitrariamente relevante.

Ou seja, o Festival de Cannes, agora, poderia de fato ser sobre criatividade — além de todas aquelas palavras bonitas e expressões em inglês que colocamos no keynote, mas que nunca veem a luz do dia. Finalmente.

Esse ano, olhei mais de perto para o evento e fui surpreendido positivamente!

Vi coisas interessantes sendo premiadas e não apenas um compilado de vídeos na vertical (simulando a "vida real") com materiais de banco de imagem ou mensagens inspiradoras dizendo que “isso tudo vai passar, vamos sair juntos dessa e voltaremos, melhores e fortalecidos, ao que era antes” — sem citar os filmes que simplesmente ignoraram o período pandêmico, mas que tinham o poder de um lobby corporativo por trás para serem realizados e premiados.

Depois de escrever cinco parágrafos reclamando do festival, aqui vão algumas das ideias que mais gostei e que mais senti que lembraram do fato de que deveríamos criar para o outro e não para nós mesmos:

Esse do The Big Issue com o LinkedIn, que acerta na mosca:

O Travis Scott fazendo um show ABSURDO no Fortnite:

Esse jogo perfeito do Tinder:

A propaganda do Reddit no Super Cumbuca (Bowl é muito metido a besta):

Esse da Warner Music, que é violentamente fofo:

O da Dove que é super simples — sendo que não tem nada mais difícil do que ser simples:

E o meu favorito de todos que é esse case da Heineken:

A edição 2021 do festival reforça minha crença de que ainda dá pra ser relevante da porta pra fora das salas de reunião das agências, mas o remédio é amargo. Ter a humildade de admitir que não temos todas as respostas é difícil, mas é essa curiosidade sincera sobre a vida real que pode ser a cura para o adblock.

Do contrário, o negacionismo publicitário pode levar ao seu próprio fim.

Este texto é assinado por Gabriel "Sukita", que já foi diretor de arte, motion designer, coordenador de social media, planner, redator, diretor de criação e de audiência. Dá aulas sobre criação de comunidades digitais e sobre criatividade. Atualmente é Creative Data Leader na SOKO, mas já foi campeão paulistano de Pac-Man.

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