Social commerce — parte III: como faz?
Em um momento crítico para o varejo, investigamos como as marcas estão experimentando formas de tornar as compras online mais compartilhadas, ecoando elementos do que acontece nas lojas físicas
Este texto foi originalmente publicado no Contagious I/O, plataforma de inteligência criativa e estratégica para marcas e agências. Para saber como levar esta ferramenta e seu radar global de mais de cem mercados e 30 categorias, escreva para brazil@contagious.com.
Leia a parte I do nosso estudo sobre social commerce aqui e a parte II aqui.
COMO ADOTAR O SOCIAL COMMERCE
Ambientes de e-commerce para envolver amigos e familiares /
Squadded / Com pouco mais de um ano no mercado, a startup israelense é vendida como a Netflix Party voltada às compras. Disponível em modelos B2B e B2C, a extensão de navegador da Squadded permite que amigos façam compras online juntos. As pessoas podem criar um “esquadrão” enviando um link de convite por meio do site de um varejista participante — como Zara, Asos, Zalando e Sephora. O grupo pode pedir opiniões e comentar as listas de desejos uns dos outros, como se estivessem em uma loja física. Segundo a Squadded, 81% dos consumidores confiam mais nas dicas de familiares e amigos do que nas sugestões de empresas.
Para as marcas, a Squadded oferece ainda insights em tempo real sobre tendências e comportamentos — como itens mais procurados e looks populares – com base nas interações da plataforma, que podem ser usadas para impulsionar produtos relevantes.
Pinduoduo / A segunda maior empresa de e-commerce da China também nasceu como uma startup, em 2015, oferecendo no digital a diversão, a interatividade e a personalização das compras offline em um momento em que os líderes de mercado (Taobao e Tmall, do Alibaba, e JD.com) negligenciavam estes aspectos em favor de eficiência e taxas de conversão. A Pinduoduo utiliza jogos integrados para aumentar o tempo de uso da plataforma e recursos que incentivam compras com amigos.
A “compra em equipe”, por exemplo, exige que os clientes formem um grupo para receber descontos, enquanto o “check-in diário” recompensa o uso recorrente da plataforma, emulando a movimentação de uma loja física. O “Price Chop” permite que os usuários obtenham descontos (ou até itens gratuitos) se compartilharem um link personalizado — quanto mais pessoas clicarem, maior o desconto –, um incentivo para que divulguem a plataforma em suas redes sociais.
Há também um programa de cartões para impulsionar o uso social. O Black Brand Card, por exemplo, é concedido aos clientes que deixam comentários, tornando a plataforma mais valiosa para outros usuários. O cartão pode ser usado para resgatar descontos em produtos.
Incentivando a venda peer-to-peer /
Outra maneira pela qual o e-commerce é vinculado aos canais de mídia social é por meio de modelos de franquia. Nesse caso, marcas oferecem aos consumidores a propriedade sobre seus produtos, incentivando-os a impulsionar o engajamento e as vendas. É um modelo testado e comprovado. Em 2012, por exemplo, a Magazine Luiza incentivou seus clientes a abrirem lojas virtuais personalizáveis no Facebook e no Orkut.
Em torno de 20 mil pessoas abriram seus "estabelecimentos" online nas primeiras duas semanas de ativação, com uma taxa de conversão 40% maior do que as lojas virtuais tradicionais. Curiosamente, ao contrário da maioria dos exemplos de e-commerce que se tornam mais sociais, os modelos de franquia foram implementados com sucesso em outros setores além de moda e beleza.
Xbox / Quando a marca de videogames da Microsoft quis aumentar as vendas em sua plataforma Design Lab (que vendia controles personalizáveis), convidou os gamers a criarem seus próprios modelos e ofereceu a eles uma fatia do valor de cada transação sempre que alguém comprasse uma de suas criações — o que gerou um aumento de 350% nas vendas. O então diretor criativo da McCann London, Sanjiv Mistry, observou que “podemos ver essa ideia sendo implementada em outros setores porque é muito centrada nos fãs. Você pode imaginar marcas como Expedia ou Kayak inventando algo semelhante, em que as pessoas montam seus pacotes de viagem e, se os amigos comprarem o mesmo pacote, ganham um desconto. O potencial dessa ideia é o que nos empolga”.
KFC / A rede de fast food criou um ecossistema no qual seus clientes podiam vender para amigos no app WeChat. O The Pocket Franchise permitiu que os usuários operassem seu própria KFC virtual, no qual amigos podiam obter descontos para retirar seus lanches nos pontos de venda da marca na China. Mais de dois milhões de franquias pocket foram criadas, e a ativação gerou US$ 6 milhões em vendas diretas ao longo de 120 dias.
Adidas / A marca aproveitou a venda social firmando uma parceria com o aplicativo Storr e permitindo que os clientes abrissem lojas digitais pessoais para vender produtos por meio de seus próprios canais, com uma comissão de 6%. A Adidas aproveitou seus superfãs como vendedores e lucrou com o poder das recomendações peer-to-peer.
Diesel / No início do ano passado, a Diesel ofereceu descontos e outras recompensas aos clientes que promovessem e impulsionassem vendas online por meio de e-shops — pequenos sites de ecommerce vinculados a suas contas e compartilhado com seus amigos nas redes sociais por meio de uma URL dedicada. Foram abertas 37 mil lojas, e a Diesel obteve um aumento de 18% em novos clientes, com um significativo crescimento de 33% em vendas.
Mais uma vez, a venda peer-to-peer demonstra como a confiança do consumidor em amigos ou comunidades se traduz em resultados. Além de ser um mecanismo barato e escalável (usando redes sociais e plataformas de e-commerce existentes), os modelos de franquia atendem a um apetite crescente por experiências mais interativas, compartilhadas e sociais de lojas online.
E-commerce ao vivo para as pessoas desfrutarem juntas /
Shopshops / Fundado em 2016 para ajudar varejistas dos EUA a conquistar o mercado chinês com eventos de compras interativos e transmitidos ao vivo, o Shopshops oferece anfitriões fluentes em chinês e inglês e facilita a entrega de mercadorias no país. Ao permitir que marcas transmitam eventos realizados em lojas físicas nos EUA para o público chinês, a empresa rompe barreiras de diferenças culturais e censura, recriando a experiência presencial — com perguntas aos anfitriões, vendo como as roupas ficam, recebendo conselhos de estilo etc.
PayPal / Algumas experiências offline, entretanto, são mais difíceis de replicar. A desordem e a falta de organização por categorias típica da experiência de vasculhar um mercado de pulgas para descobrir tesouros únicos, por exemplo, é algo que se pode apreciar melhor pessoalmente. Mas, em 2018, a PayPal, em parceria com a fundadora do site Man Repeller, Leandra Medine, e o comediante Matt Okine, para oferecer uma experiência única e trazer famosos mercados de pulgas em Los Angeles, Nova York e Sydney para as pessoas por meio de transmissão ao vivo.
Cada vez que Medine ou Okine pegavam um produto, o item era exibido no hotsite da campanha, dando às pessoas a opção de comprá-lo em tempo real. Quem se conectasse à live podia se comunicar com a dupla através de comentários. A campanha gerou US$ 252 mil em vendas, e as transmissões ao vivo foram vistas cerca de 600 mil vezes — uma prova de que, para o público-alvo da PayPal, formado por consumidores de 25 a 34 anos, a experiência de pesquisar e descobrir produtos é tão importante quanto a compra.
Semana de Moda de Xangai / Quando a pandemia forçou eventos a se tornarem exclusivamente online, a Semana de Moda de Xangai, em parceria com o Tmall, da Alibaba, criou um desfile de moda digital, acessível por código QR. A plataforma de bate-papo do Alibaba, a DingTalk, permitia que os consumidores comentassem as transmissões em tempo real, emulando a agitação e a experiência do evento offline.
Jingdong / Neste mesmo mês, o rival da Alibaba Jingdong (JD.com) uniu-se ao Taihe Music Group (TMG) e às marcas Budweiser, Rémy Martin, Carlsberg e Pernod Ricard para criar uma experiência online de casas de shows, voltada a clientes em isolamento social decorrente da pandemia. Em apresentações semanais de três horas de um dos DJs do TMG, várias bebidas de marcas parceiras foram promovidas. Em um dos shows, por exemplo, uma das empresas obteve aumento de 70% na venda de uma marca de uísque.
Ao preencher uma lacuna na vida social dos consumidores com uma programação semanal online, a ativação imita aspectos de eventos musicais presenciais para encorajar consumidores a comprarem bebidas como fariam em uma balada ou em shows.
APRENDIZADOS
Quando e onde o e-commerce pode ser mais social? /
Como vimos, a relevância das redes sociais combinada com os efeitos do boom do comércio ao vivo na China estão nos levando a uma versão mais social do e-commerce. Seja por meio de compras em mídias sociais, pelo uso das redes para descobrir e pesquisar produtos e serviços ou em experiências de compra ao vivo ou em grupo, esses novos comportamentos estão transformando o comércio eletrônico em algo que deixa de ser um processo estático e meramente transacional. A chave está em decidir onde e como abraçar essa tendência.
As marcas de moda e beleza estão liderando a corrida, mas é fácil enxergar como essa estratégia poderia ganhar espaço em outros setores. Transmissões ao vivo podem ser realizadas em lançamentos de livros, por exemplo. Academias podem oferecer descontos a amigos que completam juntos um desafio de treino virtual. Ou seja, o potencial para interações mais ricas é enorme.
A história de sucesso do e-commerce ao vivo na China nos diz que trazer a espontaneidade das compras offline para o online resulta em taxas de conversão mais altas. Ver um produto em tempo real, interagir com alguém em quem se confia e desfrutar dessa experiência na companhia de outras pessoas são características das compras presenciais que o comércio eletrônico pode e deve imitar.
Mas tenha cuidado — alguém que está comprando um tratamento para pés de atleta deseja se conectar com outros compradores desse produto? Alguém adquirindo uma extensão de tomada ou um novo carregador de escova de dentes elétrica gostaria de compartilhar sua compra com amigos e familiares? Em alguns casos, jornadas diretas e avaliações de clientes são suficientes.
Os benefícios são mútuos /
Como demonstra a campanha do mercado de pulgas da PayPal, há aspectos da compra offline que o e-commerce não compreende. Embora os sites de varejistas sejam projetados com a UX em mente (com filtros de produto, preço, tamanho e cor, por exemplo), rastreadores de página e algoritmos de compras relacionadas e ofertas limitadas não conseguem imitar elementos como a descoberta, a pechincha e a conversa com os vendedores.
Se puderem incorporar esse tipo de experiência, as marcas aumentarão o valor da experiência dos consumidores, que terão mais incentivos para comprar. Como apontou a Pinduoduo, avaliações de clientes são um caminho valioso para a confiança do consumidor. Sabemos que essas avaliações influenciam decisões de compra, portanto, incentivar as pessoas a deixarem avaliações em sua plataforma de e-commerce a tornará melhor e mais útil, impulsionando as vendas. O modelo da Pinduoduo mostra que mais valor para o consumidor também significa mais valor para o varejista.
Alinhe-se com novos comportamentos, mas de forma autêntica /
Com qualquer tendência prometendo conversão impressionante e maior engajamento, pode ser tentador simplesmente adotar uma extensão de navegador para permitir compras em grupo ou fazer uma live para o lançamento de um novo produto. No entanto, as melhores iniciativas de adoção do social commerce são iniciativas que têm, de fato, relevância com as marcas.
Faz sentido promover bebidas em um evento musical, como no caso da JD.com, ou então transportar pessoas para mercados distantes, como fez a PayPal. Assim como a Xbox aproveitou a oportunidade de monetizar a criatividade dos jogadores, transformando-os em empreendedores, a primeira linha de ação para adaptar uma plataforma ou estratégia de e-commerce deve levar em conta o vínculo a comportamentos de consumo, de modo coerente com a atuação da marca.
Nosso mergulho no social commerce já teve outras duas partes. Clique abaixo para ler:
Tradução: Ricardo Romanoff