Strategy Diet: Eduardo Cabral

Perguntamos aos estrategistas mais interessantes do mercado como “alimentam” seus cérebros diariamente e quais recursos consideram imprescindíveis para o trabalho

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
8 min readJun 18, 2021

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Periodicamente, buscamos estrategistas inspiradores do mercado brasileiro para nos contarem quais são as suas principais referências, as técnicas e as dicas do dia-a-dia de trabalho. É uma investigação sobre a amplitude e as convergências do fazer na área, e mais uma forma de fomentarmos a troca e os aprendizados compartilhados como maneiras de desenvolver e transformar (para melhor!) o mercado como um todo.

Nesta semana, nosso papo é com Eduardo Cabral, diretor de planejamento da WMcCann, pela CommonWealth, unidade que atende globalmente a General Motors. Ele é responsável por todo o planejamento da marca na América do Sul.

Edu tem passagens pelas agências África, Ogilvy Brasil, DM9DDB e SunsetDDB e também tem experiência em mini produtoras de conteúdo digital, startups, clientes e agências, “algumas menos conhecidas e com foco em conteúdo, com budgets desafiadores que envolveram verdadeiras guerrilhas diante de grandes concorrentes”, conta. Já atendeu clientes dos mais diversos calibres, dos gigantes como Itaú, Fiat, Jeep, Magazine Luiza, Claro e Burger King, até iniciativas voltadas para o terceiro setor envolvendo ONGs como GRAAC, CVV e CUFA. “Considero este excepcional segmento um verdadeiro diferencial na minha carreira, uma vez que se liga diretamente ao meu propósito pessoal de contribuir, com minha expertise, para uma sociedade mais sensível e fraterna”, destaca.

Além disso, já teve reconhecimento em alguns dos principais festivais de publicidade do mundo, como Cannes Lions, One Show, El Ojo e ECHO DMA.

Que características ou habilidades você considera essenciais em um bom estrategista? Como você as desenvolve e alimenta regularmente?

Enxergo a área de planejamento da forma mais multidisciplinar possível. Acho que profissionais mais generalistas — na melhor das abordagens — acabam escapando do óbvio e do enquadramento rígido que apenas recria caminhos, contextos, metodologias e briefings. A habilidade de criar e fugir das repetições e dos dogmas que, no decorrer do tempo, costumam viciar nosso olhar, é um dos pontos que mais valorizo para a evolução da área.

Por outro lado, prezo muito pela percepção fértil e ousada dos profissionais que trabalham comigo, seja colocando uma nova ótica sobre uma determinada circunstância, seja provocando caminhos para mídias e discursos inovadores. Penso que quanto mais curiosos e “fora da caixa” formos, mais instigados seremos no sentido de acrescentar originalidade ao trabalho de uma forma integrada.

Desenvolvo minha atividade partindo do mesmo princípio das outras áreas: prestando atenção naquilo que produzem e tentando reproduzir, do lado de cá, utilizando estudos, leituras das fontes mais relevantes e absorvendo o que está na mídia, de uma maneira geral.

Esta prática serve para abastecer minhas referências criativas, que contam também com um bom tempo dedicado a filmes, clipes, livros e pesquisa de campanhas e movimentos por todos os cantos do mundo. É uma “mistura” que consegue me situar em relação a outras áreas, contribuindo para que eu me sinta mais seguro para discutir ideias diversas e colaborar para a realização de trabalhos mais eficazes.

Qual o papel da criatividade no contexto da estratégia e do planejamento? Como você vê esta relação?

Minha resposta pode soar estranha. Sou formado em criação, com pós-graduação em inovação, design e estratégia, a despeito de ter sempre atuado como planejador.

Não enxergo estratégia sem criatividade. Olhar para um objeto e não buscar ser provocado por uma ótica ou uma leitura diferente vai nos fazer alcançar apenas um mero diagnóstico. Portanto, creio que o papel do planejador seja o de “apimentar” as reflexões com propostas de leituras de cenários que já apontem para direção, execução e ação. Isso é criar.

Apesar da minha formação, reconheço que não sei abrir um Photoshop ou um Illustrator, embora trate cada slide de Keynote como uma peça de impacto, seja no copy da informação que trago, seja no que desejo imprimir e entregar nas apresentações.

Mas o que aprendi da disciplina é que criativos que querem se manter sempre atuais, precisam manter suas boas referências em dia. Então, trago esse hábito cotidianamente.

Tem alguém que você segue/lê/observa porque gosta de suas opiniões e idéias? Como essa pessoa te inspira?

Eu gosto muito do Simon Sinek, não só por conta da sua “arcaica” ideia do Golden Circle, mas, principalmente, pelo que ele escreve sobre gestão e pessoas e no que se refere a como provocar mudanças e liderar de maneira genuína. Me dedico com profundidade a estes aspectos, e acredito que seus livros e sua concepção de mundo contribuíram bastante na minha formação no decorrer dos anos. Foi através dele, e dos novos desafios dentro da carreira, que veio a vontade de me desenvolver no papel de liderança — que nada mais é do que você conseguir evoluir, qualificar e ganhar mais aliados em todo o processo. E, assim, resolvi passar por um processo de aprendizagem de coach. Acredito muito na condição que, como líder, a gente acaba dispondo para formar novos profissionais que, se não soubermos capacitar, seremos capazes até de “traumatizar” — e isto não só profissionalmente.

Também me inspiro muito nos conceitos elaborados por Zygmunt Bauman. Pode ser estranho falar nisso — como me guiar por um sociólogo falecido que, obviamente, já nem escreve mais? Mas seu conceito de “liquidez” é absolutamente genial e calculo que aplicar esta noção sobre todo e qualquer desafio, comportamento ou oportunidade, tem o poder de desconstruir e juntar tudo — e ao mesmo tempo!

Se eu precisasse indicar dois grandes nomes, com certeza seriam estes. Aparentemente dois opostos que, no meu entendimento, são capazes de nos engrandecer enquanto seres humanos — e não só como planejadores.

Que conteúdos você consome regularmente para alimentar seu trabalho ou que ajudam você a pensar sobre estratégia de forma geral?

Imagino que qualquer tentativa de estipular regras ou caminhos preconcebidos é a mesma coisa que apresentar uma metodologia milagrosa. Dados sem interpretações são apenas dados, não dizem nada, não trazem verdades em si.

Um de seus clipes favoritos

Eu bebo de várias fontes e acredito que tudo é estratégia, dependendo da forma como você interpreta, desmonta e monta novamente. Um filme ruim, um lançamento de clipe, um novo meme: de onde veio? A que se destina? Como se construiu diante da audiência? Quem o impulsionou ou foi seu early adopter? Qual a essência daquilo? Acho que esse exercício faz parte do meu dia a dia. Talvez aqui funcione uma mente um pouco inquieta, admito, mas que tem me ajudado bastante a fazer cruzamentos de coisas que observo atentamente, a partir de um olhar mais crítico e analítico. Procuro ver tudo aquilo que gosto e desgosto, não me privando de brincar de “viajar” nas hipóteses. De fato, é um exercício bem interessante e que me nutre muito.

Tem algum lugar para onde você vai — físico ou virtual — quando está tendo alguma dificuldade com um trabalho ou projeto ou que parece te ajudar a trabalhar ou pensar melhor? No momento atual, tem como “sair sem sair” pra espairecer e buscar outras conexões?

Muitos. Na pandemia, infelizmente, não tem sido mais possível ir ao teatro ou frequentar orquestras ou cinemas — que aprecio muito. Deste jeito, meu refúgio foi e continua sendo a música. Ouvir álbuns antigos, sons que revisitam sensações, épocas e sentimentos ou experimentar novas melodias tem ajudado bastante. Nestes tempos de “retomada”, juntar meu gosto pela música com a experiência de pegar uma estrada, por horas a fio, visitando lugares novos e inusitados, também tem sido um bom abrigo para a minha sanidade. E aí, tanto faz se for para apreciar uma paisagem esplêndida por um dia ou para pisar, com os pés descalços, na areia de uma praia deserta, com ou sem meus velhos amigos. Pegar o caminho de volta usando meu carro como uma caixa de karaokê gigante e livre tem me permitido desconectar em tempos tão difíceis.

Playlist criada por Edu na quarentena

A que você normalmente recorre primeiro ao trabalhar em um briefing? Pode ser uma plataforma, um canal, um material.

Por mais estranho que pareça, meu primeiro canal de consulta é o Google, que utilizo para fazer todo e qualquer levantamento do conteúdo público acerca do que estou explorando: o que é, de onde vem, dados de mercado, lista de concorrentes, campanhas passadas, fiascos, social listening e até o Reclame Aqui. Levanto quem atendia enquanto agência, qual era o profissional responsável, enfim, tudo que está disponível para entender o “ecossistema” no qual estou me inserindo. Depois disso, amplio essa busca a nível global, se for aplicável, e analiso os resultados. Então, começo a aplicar ferramentas que estejam ao meu alcance para conectar caminhos e insights que surgiram nesse primeiro diagnóstico. Este é sempre um bom começo.

Existe alguma fonte ou recurso no qual você acha que os estrategistas confiam demais, mas que talvez não seja tão relevante assim?

O status quo. Sim, parece meio Apple a resposta, mas, explicando: suponho que, por vezes, nos balizemos muito pelo que já funcionou. Isso vale para metodologias, práticas e cases de outros planejadores. No entanto, sabemos que tudo aquilo que está num “pedestal” ou é um “modelo” pode ser alterado e até melhorado. Do contrário, acabamos fazendo daquilo uma espécie de zona de conforto onde nos sentiremos mais protegidos — mas, ao mesmo tempo, engessados.

Não precisamos nos satisfazer com o que parece seguro e inquestionável. Toda metodologia pode partir de outras perspectivas que visem novas formas de leitura de um determinado insight, por exemplo. Não precisamos comprar tão cegamente concepções de outros planejadores, líderes de criação ou diretores de negócio que, com vastos anos de casa, parecem ter descoberto tudo sobre como as coisas e o mercado funcionam.

Essa, no meu ponto de vista, é a receita para repetirmos padrões de campanhas à exaustão. Edificar algo novo é realmente desafiador.

Por outro lado, qual você acha que é o recurso mais subutilizado e que contribui muito para uma boa estratégia?

Sabe aquelas reuniões de reports de parceiros e veículos onde, muitas vezes, o invite corre solto e poucas pessoas da agência de fato se engajam? Trata-se de uma subutilização da prática. Seja Globo, Facebook, Google, Twitter, Snapchat, a profundidade e os recortes de informações, sejam eles de cases, de período, de expertise ou de target, são sempre muito ricos.

Além das referências já citadas, quais conteúdos ou recursos você recomendaria para alguém que está começando sua carreira como estrategista?

Converse com as pessoas da área, sem se importar com o crachá, sem formalidade: envie um direct no LinkedIn, no Instagram, questione o meramente formal e óbvio. Às vezes é fundamental entender que a principal característica da maior CSO Global em estratégia é ter empatia. Esta é uma qualidade ímpar que não se encontra simplesmente lendo todos os autores de planejamento ou trazendo trinta metodologias na manga. Este nível de sensibilidade faz com que você tire cobranças inúteis das costas e passe a produzir e vivenciar a área com mais leveza, criatividade e pulso para sentir o que cabe fazer. Humanizar a disciplina e dialogar com outros pontos de vista com certeza vai permitir um caminho onde mais profissionais talentosos surgirão para fortalecer nossa área e quebrar paradigmas.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.