Strategy Diet: Fernanda Kraemer

Perguntamos aos estrategistas mais interessantes do mercado como “alimentam” seus cérebros diariamente e quais recursos consideram imprescindíveis para o trabalho

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
6 min readApr 8, 2021

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Trazendo para o Brasil uma editoria global de conteúdo da Contagious, neste espaço descobrimos as referências, técnicas e dicas do dia-a-dia de trabalho de estrategistas de diferentes recortes do mercado de comunicação — de coletivos a agências full service, de especialistas em negócios a especialistas em conteúdo, passando por diversas nuances da atuação na área.

Quem nos conta, agora, sobre suas perspectivas e métodos é Fernanda Kraemer, diretora de planejamento na W3haus, onde atua com contas como O Boticário, Quem Disse Berenice?, Klabin, Petz e Porto Seguro, entre outras. Formada em Relações Públicas, tem mestrado em Administração — Marketing e, atualmente, cursa Psicologia como segunda graduação e frequenta grupos de estudo de psicanálise. Fê destaca que ama estudar e ensinar, e já ministrou aulas em pós-graduação no Brasil e em graduação no exterior. Além disso, também já trabalhou com pesquisa e foi bolsista do Capes/CNPQ. E tudo isto faz muito sentido para uma estrategista.

Que características ou habilidades você considera essenciais em um bom estrategista? Como você as desenvolve e alimenta regularmente?

Acredito que, pra ser uma boa estrategista, existem duas coisas fundamentais: gostar de gente e de escutar. O nosso trabalho é sempre sobre pessoas, suas necessidades, desejos, diferenças — e isso é maravilhoso! Se você não tem interesse no que as pessoas dizem e fazem, provavelmente vai ser bem difícil criar uma estratégia que faça sentido pra elas. E aqui é importante marcar essa diferença entre só ter acesso a uma informação e escutar de verdade. Acredito que uma boa escuta é feita quando não tentamos direcionar a conversa o tempo todo sobre nós mesmos, nossas referências e nossa história, mas sim quando nos deixamos suspender. Além disso, é sobre ir além do que é dito, tentar buscar o que não foi dito e o que pode estar amarrando diferentes dados.

Também é fundamental ter curiosidade, por mais clichê que isso possa parecer. É a curiosidade que faz a pessoa não se contentar com a primeira resposta e ter um repertório interessante — e aqui me refiro a repertório de estudo, de conhecimento e de vida. Os melhores estrategistas que conheci eram pessoas com quem também era uma delícia conversar, porque sempre apareciam assuntos e temas novos que se cruzavam.

Alimento essas frentes me informando por diferentes fontes (amo jornal, embora hoje seja cada vez mais difícil ler e ficar bem), lendo e ouvindo muito. A escuta pra mim é fundamental em diferentes frentes: da equipe, dos times, dos consumidores, dos amigos e dos pacientes no meu estágio em clínica. Acho que é partindo da escuta que a gente começa a entender a cultura em que vive e as movimentações do mundo.

Qual o papel da criatividade no contexto da estratégia/do planejamento? Como você vê esta relação?

Acho que a criatividade é parte inerente de uma boa estratégia. Todos temos acesso a uma quantidade muito parecida de informações — os mesmos reports, as mesmas notícias, muitas pesquisas parecidas. A diferença do trabalho que um estrategista pode fazer pra outro está na criatividade dele, que é uma forma de manifestar a sua visão de mundo e, por isso, extremamente pessoal. Não se trata de certo e errado, mas de estratégias criadas a partir de lentes diferentes. E é a criatividade que permite que aquilo que talvez sejam os mesmos pontos, mas vistos de formas diferentes, gere um insight.

Tem alguém que você segue/lê/observa porque gosta de suas opiniões e idéias? Como essa pessoa te inspira?

Christian Dunker e Maria Rita Kehl juntos

Gosto muito de ler psicanalistas, como a Maria Rita Kehl, o Contardo Calligaris, o Christian Dunker, a Grada Kilomba e o Adam Phillips. São pessoas que sempre me fazem pensar, trazem um olhar diferente, um ângulo novo pra coisas que todo mundo está vendo. E fazem conexão com a teoria, muitas vezes — que é algo que aprecio demais.

Que conteúdos você consome regularmente para alimentar seu trabalho ou que ajudam você a pensar sobre estratégia de forma geral?

Como falei antes, gosto de jornal — leio a Folha de São Paulo e o The New York Times todos os dias no café da manhã. Não vejo como pensar estrategicamente a conexão entre marcas e consumidores sem saber o que acontece no mundo, sem pensar no impacto que decisões políticas têm na vida das pessoas todos os dias. Tudo é político.

Além disso, sempre busco entender o que a academia já falou e produziu sobre aquele assunto ou problema que estou enfrentando. Não acredito na divisão que muitas pessoas veem entre teoria e prática. Como um professor meu dizia, não há nada para guiar a prática como uma boa teoria. Não vejo o conhecimento teórico e a academia como coisas engessadas. Se a teoria não acompanha o que observamos no mundo, na prática, é uma evidência de que ela tem que ser modificada — e isso pode ser bom. E muitas vezes as respostas pra problemas que temos no mercado já foram trazidas pela academia — só não tivemos acesso.

Tem algum lugar para onde você vai — físico ou virtual — quando está tendo alguma dificuldade com um trabalho ou projeto, ou que parece te ajudar a trabalhar ou pensar melhor? No momento atual, tem como “sair sem sair” pra espairecer e buscar outras conexões?

Quando me sinto estagnada em um trabalho e precisando abrir a cabeça, costumo ir pro sítio da minha família, onde posso ficar isolada e, ao mesmo tempo, conectada com a natureza. Ficar longe da internet sempre me ajuda a fazer novas conexões — é um exercício que gosto de fazer mesmo em casa, ficando longe do celular e apagando os apps de redes sociais, eventualmente. Tem momentos em que sinto que preciso parar de buscar novos dados e informações e deixar as ideias decantarem, para, a partir daí, surgir uma solução. Nesse sentido, sinto que tentar parar de pensar um pouco no projeto pode ser a melhor forma de conseguir encontrar uma resposta.

A que você normalmente recorre primeiro ao trabalhar em um briefing? Pode ser uma plataforma, um canal, um material.

Não tenho uma regra. Algumas vezes ao Google Trends (pra entender se há alguma sazonalidade relacionada ao produto ou problema trazido pelo cliente), outras às redes sociais, pra tentar entender em um primeiro momento o que as pessoas estão falando sobre aquele assunto. Mas sempre tento lembrar que, muitas vezes, tem uma diferença entre o que as pessoas pensam, dizem e fazem. E acho importante sempre usar métodos de pesquisa que busquem cruzar um entendimento dessas três frentes.

Existe alguma fonte ou recurso no qual você acha que os estrategistas confiam demais, mas que talvez não seja tão relevante assim?

A nossa própria bolha das redes sociais, porque precisamos pensar duas vezes antes de concluir que algo que é um assunto para quem trabalha com a mesma coisa que a gente é realmente relevante. (Será que a gente precisa entrar no Clubhouse na semana que é lançado, por exemplo?) Acredito que precisamos ter muito cuidado com a me mentality, a ideia de tentar responder perguntas partindo do que a gente mesmo pensa e sente.

Além disso, sempre tenho muito cuidado com as pesquisas que os próprios veículos de comunicação compartilham conosco, porque são naturalmente enviesadas. É importante questionar e entender muito os procedimentos metodológicos que foram usados pra chegar naquelas respostas. Esse é um ponto que me preocupa especialmente quando os próprios clientes recebem essas informações — que não deixam de ser um material de venda — sem um filtro prévio.

Por outro lado, qual você acha que é o recurso mais subutilizado e que contribui muito para uma boa estratégia?

As pessoas à nossa volta que não pensam como nós: o grupo do WhatsApp da família que mora no interior, dos amigos do colégio com quem já não convivemos, os posts de Facebook de pessoas que você viu há muito tempo mas hoje não se relaciona mais… Se estivermos dispostos a escutar o que quem não é tão parecido com a gente pensa, muita coisa começa a fazer sentido.

Além das referências já citadas, quais conteúdos ou recursos você recomendaria para alguém que está começando sua carreira como estrategista?

O livro O código cultural, de Clotaire Rapaille. Esse ainda é um dos livros que mais relembro no meu dia a dia, por mostrar o impacto que a cultura e o inconsciente têm na forma com que as pessoas se relacionam com as marcas e seus produtos, e como isso muda de contexto para contexto.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.