Strategy Diet: Gabriela Rodrigues

Perguntamos aos estrategistas mais interessantes do mercado como “alimentam” seus cérebros diariamente e quais recursos consideram imprescindíveis para o trabalho

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
5 min readOct 7, 2021

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Estratégia é um campo vasto — de perfis, de possibilidades de atuação e de jeitos de fazer, na prática e no dia-a-dia. Por isso criamos o strategy diet, uma forma de investigarmos as referências, as técnicas e as dicas dos profissionais mais interessantes do mercado brasileiro. Para ler as entrevistas anteriores, é só clicar aqui.

E, nesta semana, nossa convidada é uma das estrategistas de maior destaque no momento: Gabriela Rodrigues, Head de Cultura e Impacto na Soko e uma das indicadas a Profissional de Planejamento no prêmio Caboré deste ano.

Depois de passar por agências como Lew’Lara, Artplan, Wieden+Kennedy e Ogilvy e de ajudar na construção de estratégias de marcas como Fanta, Nissan, Bis e Halls, Gabriela chegou à Soko três anos atrás para liderar criativamente e estrategicamente algumas das contas da agência. É também autora do Guia de Linguagem não Sexista na Publicidade e de estudos sobre preconceitos e limitadores criativos que têm por base a neurociência, área em que é especializada. Por seu perfil provocador, híbrido e discussões de impacto social que sempre trouxe para seus projetos, hoje é responsável pela manutenção da cultura da agência e pelas discussões de impacto atreladas aos projetos da Soko.

Que características ou habilidades você considera essenciais em um bom estrategista? Como você as desenvolve e alimenta regularmente?

A neurociência já mostra que criar uma estratégia é reinterpretar ou reorganizar dados e informações para poder criar um caminho novo para chegar em um lugar. Essa é a parte técnica e teórica. Pra mim, não há como fazer isso hoje, dado o mundo em que vivemos, sem sensibilidade e responsabilidade social.

Destaco 3 habilidades:

1) Repertório: não só de técnica, mas também o que você vive, o que você lê, o que assiste, o que conversa entre amigas(os). Tudo.

2) Ponto de vista: o que você pensa sobre as coisas, sobre as marcas, sobre o brief e quais os seus valores que te fazem uma pessoa única no mundo.

3) Visão criativa: o seu potencial para conectar coisas não óbvias e cruzar repertório e pontos de vista de modo a criar histórias inéditas.

Qual o papel da criatividade no contexto da estratégia/do planejamento? Como você vê esta relação?

Não existe bom planejamento de comunicação que não seja criativo.

Pensar criativamente não é só ter boas ideias. É também entender quais dados e informações têm potencial criativo à medida que passamos por eles, saber medir a força de um insight e o potencial de uma tensão cultural ou de um diagnóstico de marca.

O problema é que, ainda hoje, muitas agências e empresas de comunicação seguem um processo ultra departamentalizado, separando as pessoas em uma lógica fordista e perdendo a oportunidade de criar um ecossistema de troca, de colaboração e de cocriação que fariam do planejamento uma área mais criativa — e evitariam o famoso retroplanejamento.

Tem alguém que você segue/lê/observa porque gosta de suas opiniões e idéias? Como essa pessoa te inspira?

Sim, o Emicida.

Eu sou professora na Miami Ad School e sempre digo nas aulas para que a galera busque referências fora da publicidade. Pra mim, ele é uma das pessoas mais brilhantes para estrategistas estudarem, principalmente pela capacidade que ele tem de, usando metáforas, criar conexões não óbvias entre coisas distantes.

É música. Mas também é um bom lugar para estudar insights.

Que conteúdos você consome regularmente para alimentar seu trabalho ou que ajudam você a pensar sobre estratégia de forma geral?

Notícias.

Quem me conhece, sabe: eu só crio estratégias que conversam com o mundo real que vivemos. Publicidade não é arte, por isso acredito que precisamos entender a fundo o que está ocorrendo no mundo, qual o papel da marca que estamos estudando nesse contexto — pro bem e pro mal — pra, só assim, entender o que precisa ser falado em comunicação — mesmo que o briefing não tenha nada a ver com impacto social.

Estamos competindo por atenção. E a chave da atenção é o entendimento do contexto.

Tem algum lugar para onde você vai — físico ou virtual — quando está tendo alguma dificuldade com um trabalho ou projeto ou que parece te ajudar a trabalhar ou pensar melhor? No momento atual, tem como “sair sem sair” pra espairecer e buscar outras conexões?

A sociedade ocidental tem uma visão deturpada das pausas. Mas a pausa não é “estar sem fazer nada”, e sim se preparar para o que está por vir.

Por isso, quando preciso, tento parar pra tomar um chá, andar 5min na rua ou até mesmo tomar um banho no meio da tarde.

Valorizem as pausas de vocês. Não tem nada errado em não fazer nada de vez em quando.

A que você normalmente recorre primeiro ao trabalhar em um briefing? Pode ser uma plataforma, um canal, um material.

Eu começo por 2 extremos:

1) Artigos acadêmicos: para ver as últimas descobertas científicas sobre o tema;
2) Busca avançada do Twitter: para ver as últimas tensões culturais sobre o tema.

E eu gosto desse choque. É nessa diferença que começamos a ver as primeiras oportunidades e curiosidades que merecem ser aprofundadas nos estudos.

Existe alguma fonte ou recurso no qual você acha que os estrategistas confiam demais, mas que talvez não seja tão relevante assim?

O problema das humanas é confiar demais nos números.

Não é porque trabalhamos com pesquisas que precisamos confiar 100% no que cada dado aponta ou então direcionar toda a estratégia com um ou com poucos dados. Em aula, sempre brinco que conseguimos convencer qualquer pessoa que o ovo faz bem ou que faz mal para a saúde usando dados abertos do Google.

Então a dica é: desconfie dos números. Ou, ao menos, faça mais perguntas para entender o que eles realmente significam.

Por outro lado, qual você acha que é o recurso mais subutilizado e que contribui muito para uma boa estratégia?

O brief. Um estudo bem feito e um direcional mais fechado podem levar a estratégia e a criação muito mais longe. Mas mesmo com processos e formatos criados, ainda são poucas as pessoas que sabem escrever um bom arquivo de briefing e tomar, já na largada, algumas decisões importantes dentro da própria empresa.

Um direcional muito aberto tem grandes chances de gerar uma estratégia generalista. E, socialmente, nos engajamos mais no que é mais específico.

Além das referências já citadas, quais conteúdos e recursos você recomendaria para alguém que está começando sua carreira como estrategista?

O maior recurso você já tem: sua história. Fazer estratégia é colocar em slides o seu conhecimento e o seu ponto de vista.

Por isso, antes de tudo, acredite na força da sua identidade e da sua trajetória.

Se seus pontos não forem óbvios, traga embasamento. Mostre estudos, dados, o que você leu, onde leu, quem disse isso, etc.

E se prepare, porque quanto mais diferente for a sua estratégia, mais vão questionar. Mas também será assim que você criará um termômetro seu, interno, para testar se ela é boa.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.