Strategy Diet: Leonardo Ribeiro Santos

Perguntamos aos estrategistas mais interessantes do mercado como “alimentam” seus cérebros diariamente e quais recursos consideram imprescindíveis para o trabalho

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
8 min readAug 3, 2021

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Em mais uma das conversas da nossa série que investiga as referências, as técnicas e as dicas do dia-a-dia de trabalho de estrategistas de diferentes recortes do mercado de comunicação brasileiro (você pode ler todas aqui), entrevistamos Leonardo Ribeiro Santos, Strategy and Innovation Manager na Ambev.

"Cresci entre o Capão Redondo e o Jardim Ângela dos anos 90, dois bairros periféricos da cidade de São Paulo, quando a região foi considerada a mais violenta do mundo. Me tornei uma pessoa rebelde e, talvez, o maior ato de rebeldia da minha vida tenha sido estudar. Eu segui cegamente o que alguns rappers diziam", conta. Esta perspectiva o levou ao curso de Publicidade e Propaganda do Mackenzie e, depois, à pós-graduação em Semiótica Psicanalítica pela PUC-SP. Ele resolveu estudar mesmo.

"Minha trajetória profissional não é linear e estou sempre pensando se minhas escolhas são à prova de futuro", destaca Leonardo. Sua carreira traz passagens pelo planejamento de agências como BFerraz, NewStyle (TracyLocke), Y&R, Africa e Publicis. Ele é, também, um dos fundadores do Crias do Plan, programa de apadrinhamento de profissionais negros, periféricos e LGBTQIA+, no qual são oferecidos acompanhamentos técnicos e emocionais para quem deseja trabalhar com estratégia em agências, consultorias ou empresas.

Que características ou habilidades você considera essenciais em um bom estrategista? Como você as desenvolve/alimenta regularmente?

Acredito que bons estrategistas são maestros de processos cada vez mais complexos e caóticos. Por isso, entendo que são duas características principais.

A primeira é dominar os fundamentos. Na minha visão, as mudanças que a indústria da comunicação está passando não alteraram a necessidade de desenvolver e aprimorar essas bases. Ou seja, continua sendo importante entender muito bem sobre processos de investigação, ter clareza do problema e tensão que precisamos resolver e, claro, traduzir tudo isso em um pensamento coeso e uma conversa interessante.

A segunda habilidade é a capacidade de sair do centro para frequentar as periferias da disciplina. Se nos isolamos no centro, nos tornamos autocentrados e fica mais difícil integrar. Na periferia, um lugar plural por essência, é mais fácil as trocas acontecerem. Com isso, começamos a ser mais úteis, mais próximos e a ter mais conversas interessantes com mídia, dados, criação ou — como acontece no meu trabalho atual — , profissionais de biologia, química e engenharia.

Um maestro não precisa tocar todos os instrumentos, mas entender o valor de cada um.

Qual o papel da criatividade no contexto da estratégia e do planejamento? Como você vê esta relação?

Sob diversas óticas ou definições, estratégia está relacionada com criatividade, principalmente àquela que diz que é a capacidade de fazer novas conexões e desenvolver novos olhares. Fazemos — ou deveríamos fazer — isso o tempo todo.

Entretanto, acredito que estrategistas são muito mais úteis ajudando a desbloquear a criatividade do que tentando resolver um problema sozinhos. Briefs e frameworks são modelos que ajudam a organizar o pensamento e — espera-se — deixar as conversas mais interessantes para a criatividade fluir melhor.

Tem alguém que você segue/lê/observa porque gosta de suas opiniões e idéias? Como essa pessoa te inspira?

Eu gosto de acadêmicos que dialogam com o mercado e profissionais do mercado que dialogam com a academia. A academia, nas ciências humanas, provavelmente já pesquisou a respeito de diversas questões que o mercado tem no dia a dia, mas coloca pouco a mão na massa. Já o mercado é direto e reto, mas há pouca reflexão em comparação com a academia.

Por isso, tenho uma admiração profunda por quem frequenta essa fronteira.

Entre esses profissionais, posso citar: Maria Collier de Mendonça, professora da UFPE. Foi minha professora e orientadora na Semiótica Psicanalítica da PUC-SP. Por ter passado por agências e institutos de pesquisa, ela consegue trazer um lado prático para assuntos cabeçudos, mas sem perder o rigor acadêmico em suas avaliações. Vale acompanhá-la nas redes sociais (@maricacmendonca).

Outra iniciativa que também acho interessante é a Inesplorato. Conheci a empresa através do Mappa, serviço de curadoria que recomendava filmes, livros e textos baseado na personalidade de cada pessoa. Antes da pandemia, fui um frequentador assíduo da banca. Os melhores livros que li ano passado vieram de lá. Gosto de como deixam a linguagem acadêmica acessível sem perder profundidade.

Destaco também a atuação dos jornalistas de dados e o valor cultural que têm os videoclipes. Para os jornalistas de dados, acho impressionante como estão usando estatística e programação no processo de investigação de suas matérias. É um ótimo exemplo de profissionais que estão na periferia de suas disciplinas. Nesse sentido, a equipe do The New York Times e do The Pudding fazem um trabalho brilhante. Fernanda Campagnucci e Adriano Belisario também realizam um trabalho muito interessante disseminando o conhecimento de dados na Open Knowledge Brasil.

No caso dos videoclipes, é uma ótima oportunidade para ver e entender as contradições de uma determinada época. Estão todas lá. É uma linguagem híbrida que permite diversas experimentações, por isso abraçamos todas as suas contradições.

"É bem simbólico porque foi o primeiro videoclipe transmitido pela MTV", destaca Leonardo.
"A letra em si é a ressignificação de uma expressão racista. É interessante notar que o videoclipe traz essa ressignificação no olhar para pessoas negras e periferia — principalmente quando se compara com os clipes de rap da década de 90, fica evidente a transformação: tem movimento, cor, dança, sorrisos etc."
"Videoclipe dirigido por Jake Schreier, traz uma técnica simula voice-over através das legendas. É impressionante como cria uma nova narrativa para música. Forte, impactante, sem precisar trazer nenhuma cena explicita. Esse clipe fez parte um projeto chamado 'While They Wait', que tinha como objetivo arrecadar fundos para refugiados nos EUA", destaca.

Que conteúdos você consome regularmente para alimentar seu trabalho ou que ajudam você a pensar sobre estratégia de forma geral?

Especificamente para o trabalho, gosto de consumir o conteúdo de estrategistas que admiro, como Heidi Hackemer. No começo da pandemia, ela deu aulas sobre skills importantes que a gente conversa pouco: como dar feedback, como trabalhar com clientes “sem perder a alma” ou navegar em períodos de mudança para marcas e para a vida.

Outro é o Only Dead Fish, blog do Neil Perkin. Leio semanalmente desde a época de estágio. O Google Firestarts, evento organizado pelo Neil, é uma excelente iniciativa que levanta temas importantes para quem trabalha com estratégia.

Além deles, também vejo os conteúdos do Rob Campbell, Chief Strategy Officer da ColensoBBDO, da Nova Zelândia (e minha deixa para falar sobre futebol).

Rob Campbell é torcedor do Nottingham Forest, o São Caetano da Inglaterra, time que saiu da segunda divisão e ganhou a Liga dos Campeões. No Isolated Talks, Campbell fez um excelente paralelo entre o time e o treinador e trouxe aprendizados interessantes para todos que trabalham com criatividade.

Por fim, a newsletter da Sandbox. Sou Fã de Dani e Senise. A escola me ajudou a destravar um ciclo importante da minha carreira. Para mim, é a melhor referência sobre estratégia em português do Brasil.

Tem algum lugar para onde você vai — físico ou virtual — quando está tendo alguma dificuldade com um trabalho ou projeto ou que parece te ajudar a trabalhar ou pensar melhor? No momento atual, tem como “sair sem sair” pra espairecer e buscar outras conexões?

Antes da pandemia, eu costumava almoçar pelo menos duas vezes por semana na comedoria do Sesc Pinheiros. Comida boa, barata e saudável, mas era a experiência de compartilhar a mesa com pessoas desconhecidas — principalmente pessoas mais velhas — que me fascinava.

Agora, durante a pandemia, o Cria dos Plan é um espaço que recarrega minhas energias. Na primeira turma, apadrinhamos 3 meninas incríveis e agora, na segunda, temos 12 pessoas de vários cantos do país. Acredito que me tornei um profissional melhor por causa do programa.

A que você normalmente recorre primeiro ao trabalhar em um briefing? Pode ser uma plataforma, um canal, um material.

Antes de utilizar qualquer técnica de investigação ou ferramenta, eu gosto de discutir e ter clareza sobre as regras do jogo. Na minha opinião, a gente pode quebrar, questionar ou até mesmo não seguir as regras. A gente só não pode ignorar que elas existem.

Antes de começar qualquer trabalho, sempre discuto: está claro para todos qual é o objetivo do negócio e seus KPIs? Se a marca ganha desse lado, quem perde? Quais argumentos temos para endereçá-lo? Com quem vamos conversar? O nosso entendimento sobre o assunto é também o que as pessoas entendem?

Ter clareza das regras nos ajuda a fazer perguntas melhores e consequentemente ter um processo de investigação mais direcionado.

Existe alguma fonte ou recurso no qual você acha que os estrategistas confiam demais, mas que talvez não seja tão relevante assim?

Qualquer fonte de informação enviesada pode ser um exemplo. Teremos informação com "bias" sempre que partimos direto para técnica ou ferramenta sem antes discutir com atenção a pergunta que queremos responder, o desenho do problema ou as regras do trabalho.

No início da pandemia, vi pesquisas tentando entender os sentimentos dos brasileiros (no plural) em relação à covid-19. Faço terapia há cinco anos e acho difícil entender alguns dos meus próprios sentimentos, imagina entender os sentimentos de todos os brasileiros com uma única pesquisa? É bem pretensioso. Além disso, as pesquisas que observei quantificaram variáveis que não são comuns a todos — ou seja, não são quantificáveis, pelo menos não da maneira como fizeram.

As pessoas respondem aquilo que a gente pergunta. Então é preciso ter cuidado.

Wiemer Snijders trouxe um exemplo bem interessante, também no Isolated Talks. Perguntou para Dorothy, uma senhora que comemorava 100 anos e segurava um copo de uísque, qual era o segredo da longevidade. Ela, então, respondeu que era beber e fumar 15 cigarros todos os dias.

A gente sabe que esse não é o segredo para uma vida longa e saudável, mas quando se usa dados de pesquisa sem entender sua metodologia ou aquele post com as palavras chaves que queremos como evidência para “provar” uma hipótese, é como se a gente dissesse que o mundo todo vai viver até 100 anos se beber e fumar todos dias.

Por outro lado, qual você acha que é o recurso mais subutilizado e que contribui muito para uma boa estratégia?

Saber ouvir mais.

A gente vive um momento em que é obrigado a falar e ter opinião sobre tudo, mas falar sem ouvir faz com que a gente contribua ainda mais com ruídos e falta de clareza.

Estrategistas não precisam ser quem mais fala em uma reunião, mas sim quem traz pontos de vistas interessantes e faz perguntas que sejam capazes de construir e principalmente mudar opiniões.

Para isso, ouvir é fundamental.

O documentário Laerte-se é brilhante porque [a jornalista]Eliane Brum sabe ouvir e se demonstra muito interessada no que Laerte está falando.

Isso vale também para marcas que tentam participar de todas as conversas. Ao invés de perguntar “posso?”, a pergunta deveria ser “devo falar?”. A gente vai perceber que as marcas podem falar sobre tudo, mas não é sempre que deveriam.

Além das referências já citadas, quais conteúdos e recursos você recomendaria para alguém que está começando sua carreira como estrategista?

Domine fundamentos e treine o seu olhar. O mundo está mudando cada vez mais rápido. Tudo está mudando muito rápido, menos os fundamentos. Dominá-los, inclusive, nos ajuda a nos adaptarmos melhor às mudanças.

Livros como A Arte do Planejamento do Jon Steel, Como Planejar a Propaganda do Alan Cooper e Playing to Win: How Strategy Really Works do Roger Martin, apesar de trazerem exemplos datados, são importantes porque abordam fundamentos.

Por fim, tente treinar o seu olhar. A fotografia ajuda muito, mas se não há essa opção, observar e anotar algo diferente, interessante e novo que viu no trajeto do trabalho, da escola ou rolê que está dando já ajuda bastante.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.