Strategy Diet: Perla Amabile

Perguntamos aos estrategistas mais interessantes do mercado como “alimentam” seus cérebros diariamente e quais recursos consideram imprescindíveis para o trabalho

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
10 min readMay 14, 2021

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Para descobrir as referências, as técnicas e as dicas do dia-a-dia de trabalho de estrategistas de diferentes recortes do mercado de comunicação, que trabalham em empresas diferentes, com atribuições diferentes e skills igualmente diferentes, criamos a editoria strategy diet — um espaço que também existe globalmente na Contagious, e que você pode ler, em inglês, aqui. Periodicamente, conversamos com estes profissionais usando o mesmo roteiro de entrevista, para que seja possível evidenciarmos as semelhanças e as particularidades de cada um dentro da mesma área, mostrando que a estratégia e o planejamento são espaços de perfis muito plurais.

Hoje, nossa convidada é Perla Amabile, diretora de estratégia na W3haus. Ela estava à frente das áreas de Planejamento e BI até 2020, mas deixou a operação da agência no meio da pandemia para lançar a Hopo, o núcleo consultivo da W3haus, que tem como foco ajudar a resolver desafios de negócios em evolução. "O nome já diz tudo: a unidade foi batizada assim para remeter a “batata quente” (hot potato), já que temos a missão de resolver problemas e desafios complexos, usando como recurso a inteligência do grupo como um todo — tenho à disposição especialistas tanto da agência em si, quanto do grupo Stefanini, que adquiriu o ecossistema Haus em 2020", conta.

Seu currículo é extenso, percorrendo quase duas décadas de atuação, na maior parte do tempo, em agências de publicidade e consultorias de marketing e negócios digitais como estrategista de branding, marketing e comunicação. Nesse período, já atendeu a marcas como Bauducco, Google, Toyota, Samsung, Bradesco, Vivo, Arno e Serasa Experian, entre outras.

Como se tudo isso não bastasse, Perla, além de formada em Comunicação Social, pós-graduada em Criação Publicitária e com MBA em Ciências do Consumo, tem especialização em Neurociências e está cursando mestrado na área pela UNIFESP. E esta é uma versão encurtada de sua trajetória acadêmica.

Ela também é palestrante e professora convidada em algumas pós-graduações e MBAs em escolas de negócios, como a FIA, o Instituto Europeo di Design, a Fundação Dom Cabral, a SEDA e o IBN (Instituto Brasileiro de Neuromarketing), onde ministra aulas sobre comportamento de consumo, economia digital e neurociência aplicada a marcas e negócios. Esta especialização em neurociência comportamental e ciências sociais acabou tornando-a uma referência em neurobranding — o que deu vida a uma masterclass online (lançada durante a pandemia), a BraInsights.

Que características ou habilidades você considera essenciais em um bom estrategista? Como você as desenvolve e alimenta regularmente?

Eu acredito muito que a visão multidisciplinar é a essência do estrategista de hoje. É muito mais complexo tomar decisões eficientes atualmente. Repetir os padrões do mercado não funciona mais para quem quer crescer e construir um posicionamento de valor. Assim, entender de tudo que está por trás da economia digital é fundamental (branding, modelagem de negócios, comportamento humano, cultura, tendências, tecnologia, canais, gestão de dados…). Senão, não é possível enxergar nem os desafios, nem as oportunidades, o que é parte fundamental de um trabalho de estratégia, independente do objetivo deste trabalho.

Por isso, um time com visão complementar, perfis distintos e experiências profissionais diferenciadas se torna uma vantagem. Trazer especialistas de diferentes áreas para as análises e brainstorming é uma demanda atual, no meu ponto de vista. E costumo fazer sempre esse exercício nos meus desafios. Inclusive, já trouxe a Contagious, né? rs

Além disso, existem alguns traços de personalidade que acabam favorecendo a qualidade de um estrategista. Ser curioso, gostar de entender as coisas em profundidade e mergulhar em assuntos diversos são a essência de um bom estrategista, na minha opinião. Além disso, este profissional deve ser criativo e empático, para conseguir ler pessoas, entender os dilemas do agora e criar futuros relevantes.

Estrategistas não podem ter preguiça de estudar, nem de pensar, nem de lidar com complexidades. Muito menos terceirizar a criatividade a outro departamento. Têm que ser bons em traduzir um universo de dados monstruoso num caminho que conduza as pessoas de forma simples. E isso não é fácil. É difícil olhar para muita coisa e tomar decisões rápidas e eficientes. O cérebro não foi feito para lidar com tanta complexidade. Então, um bom estrategista tem que governar a própria mente e não ceder à tendência de procrastinar, de ter preguiça e de ser simplista demais para evitar o esforço cognitivo necessário. Um estrategista é questionador e possui pensamento crítico.

Qual o papel da criatividade no contexto da estratégia e do planejamento? Como você vê esta relação?

No meu ponto de vista, a criatividade é uma habilidade que deve estar presente em qualquer estrategista. Até porque é preciso muita criatividade para transformar a complexidade das investigações em algo útil e encantador, que seja um fio condutor para as outras áreas da agência desdobrarem, cada uma com sua especialidade. Para mim, criatividade é a capacidade de ligar os pontos e dar nexo para o desconexo, criando novos pontos de vista.

A criatividade também é fundamental para ser possível inclusive investigar cenários. Precisamos sair do óbvio para mergulhar em diferentes mundos e identificar desafios e oportunidades a serem exploradas. A questão é que considera-se, tradicionalmente, a criatividade como um elemento exclusivo da área de criação.

E da mesma forma que os estrategistas precisam ser criativos, os criativos também precisam ser estratégicos.

Até hoje, as agências operam no modelo “passada de bastão”. O trabalho começa no atendimento recebendo briefing, planejamento direcionando insights, criação definindo ideias junto com a mídia, que muitas vezes fica por último nessa rotina — e agora entrou BI, um pouco perdido no meio de tudo isso, entrando cada hora de um jeito. Na minha humilde opinião, isso não funciona. E até gostaria de propor uma discussão maior de mercado.

Como estamos vivendo uma complexidade enorme de dados, tomar decisões estratégicas não é fácil. Na minha visão, o trabalho do criativo é duplar tanto com o estrategista, quanto com o mídia. E BI tem que estar junto com o estrategista e com o mídia. Nos times que liderei, o que sempre propus foi um trabalho de investigação multidisciplinar. Todos analisam os dados e todos buscam referências, para trazer à mesa com seu olhar de especialista. O estrategista amarra tudo. Costura. Transforma em direção.

Passamos por uma jornada de investigação, hipóteses, pesquisas e conclusões. O resultado são os famosos insights. Mas, hoje em dia, não é mais UM insight de que resolve. Continuamos precisando de uma big idea que seja ponto de partida, mas que se desdobre em vários insights de produto, de modelos de negócio, de canais, de inovação, enfim… Qualquer coisa que resolva os desafios mercadológicos (que são muitos) e explore as oportunidades (que às vezes são muitas também).

Assim, os insights se multiplicaram. A inteligência está justamente em saber fazer escolhas com fundamento, sem achismo.

A complexidade também chegou na criação, que precisa conhecer de mídia e de modelo de negócio, bem como saber fazer bom uso dos dados para melhorar as ações durante as ativações. Estamos na era da performance real time. E isso exige um time integrado, num squad de trabalho multidisciplinar.

No fim, cada elemento de uma agência tem que conseguir entender de tudo um pouco para trabalhar bem, focado obviamente na sua especialidade. E todos precisam atuar juntos, fazendo de forma mais ágil o que costuma demorar muito mais (e com muito ruído) nesse modelo de “passagem de bastão”.

Tem alguém que você segue/lê/observa porque gosta de suas opiniões e idéias? Como essa pessoa te inspira?

Tenho muitas pessoas, de muitos segmentos. Costumo abrir minha mente e acompanhar vários experts bons em seus temas, que são complementares aos meus.

Rodrigo Maruxo: ele traz um olhar sensível a questões frias, como gestão de ecommerces, logística e afins, humanizando negócios como ninguém, de forma extremamente focada em resultados tangíveis.

Maytê Carvalho: ela é estrategista, trabalha como diretora de agência na Califórnia, ficou na final do Aprendiz, conseguiu investimento para uma start up no Shark Tank Brasil… enfim, é uma mulher cheia de talentos, dá aulas, tem um livro e é especialista em persuasão e comunicação. Gosto muito dos seus conteúdos e admiro sua trajetória e sua oratória perfeita. Eu a conheci num curso da Casa do Saber e fiquei sua fã desde então.

Karen e Ale Formagio: a Karen já trabalhou comigo, começou com GP e eu tinha certeza que ela era muito mais do que isso, porque tinha todas as qualidades de uma estrategista nata. Dei a maior força pra ela seguir esse caminho. Ela foi, fez seu papel com maestria e hoje é uma empreendedora digital com seu marido, Ale — e muito bem sucedida. Eles são um fenômeno de resultado, desenvolvendo conteúdos e infoprodutos, faturando muito mais que muita marca boa. São um grande exemplo de que, na economia digital, o resultado de cada um é do tamanho do valor que se gera. E eles geram muito por meio do seu perfil no Instagram (@osformagios) e seus cursos online (Escola de Realizadores, Chora da Vince e Chora Freud). Admiro muito o que eles construíram, vivendo em diferentes lugares, com qualidade de vida e muita alegria no seu trabalho, desenvolvendo uma comunidade enorme e uma legião de fãs.

Deixei 3 exemplos distintos que têm muito a ver com minhas buscas e minha trajetória, mas tem muito mais gente que eu listaria, claro.

Que conteúdos você consome regularmente para alimentar seu trabalho ou que ajudam você a pensar sobre estratégia de forma geral?

Nossa, essa pergunta é difícil. Sou daquelas que tem 200 abas abertas. Eu sei, isso é péssimo. Mas, com certeza, tem algumas coisas que são rotina. Inclusive, os próprios reports e conteúdos da Contagious, pois gosto muito do olhar de vocês e confio na visão estratégica das reflexões que realizam. Tenho alguns grupos de Whatsapp com gente do mercado que funcionam como uma curadoria requintada, pois são mentes brilhantes trocando informações e reflexões de alto nível, em cima do que está rolando no mundo. Além disso, canais de notícia, pesquisas específicas por demanda, estudos científicos (afinal, sou professora também e faço mestrado), etc.

Tem algum lugar para onde você vai — físico ou virtual — quando está tendo alguma dificuldade com um trabalho ou projeto ou que parece te ajudar a trabalhar ou pensar melhor? No momento atual, tem como “sair sem sair” pra espairecer e buscar outras conexões?

Acabei de ter um bebê, então não estou conseguindo mais ter essas válvulas de escape tão frequentes, rsrsrs. Mas, em geral, eu penso melhor em movimento. Vou correr, nadar, pedalar, caminhar. Alguma atividade desse tipo, que me permita ter a mente livre. Esses momentos fazem minha mente fluir e chegar a insights mais facilmente, ainda mais se eu puder estar no meio da natureza. Aí é matador!

A que você normalmente recorre primeiro ao trabalhar em um briefing? Pode ser uma plataforma, um canal, um material.

A primeira coisa sempre é mergulhar numa imersão no próprio cliente. Sugo tudo que puder da empresa, conversando com pessoas diversas e analisando pesquisas e dados internos. No paralelo, uso muito o Google de ponto de partida, para abrir tudo que está relacionado ao tema que vou me aprofundar. Isso me ajuda a organizar a minha investigação e definir os subtemas. Para eu saber algo específico, vejo matérias recentes, interpreto os resultados de busca do Google (porque demonstram relevância de marcas e temas), e assim vou lapidando o meu foco para não ficar tão abrangente.

Tivemos que puxar a brasa pra nossa sardinha, né?

Depois, uso muito o Contagious I/O e listening insights para me aprofundar. São as minhas principais fontes. O resto é para lapidar dados e verificar hipóteses e insights já gerados. Nesse momento, uso TGI, data insights, pesquisas com consumidores, etc.

Existe alguma fonte ou recurso no qual você acha que os estrategistas confiam demais, mas que talvez não seja tão relevante assim?

Ah, difícil responder isso. Se quem investiga não tiver senso crítico ou não compreender o que está por trás do comportamento humano e do dado explícito, toda fonte pode ser ruim. Uma das que acho menos confiáveis é o TGI, que é um banco de dados de respostas a questionários quali/quanti, com um acervo enorme de respostas e respondentes de todo o Brasil. Digo isso por várias razões: muitas perguntas são sugestivas e, pelo volume, muita gente deve responder de qualquer jeito — além do fato de depender muito da qualidade de pensamento de quem busca as informações na plataforma, porque se você não construir um bom racional de busca, os resultados são enviesados.

Por outro lado, qual você acha que é o recurso mais subutilizado e que contribui muito para uma boa estratégia?

Um deles é o Contagious I/O, que realmente tem uma qualidade de informações surreal, porque já estão filtradas, com reflexões de altíssimo nível, facilitando o caminho do estrategista. Mas tem outras possibilidades, como Google Trends, por exemplo, e as próprias redes sociais, que são um oceano de insights se você souber fazer um trabalho netnográfico.

Além das referências já citadas, quais conteúdos ou recursos você recomendaria para alguém que está começando sua carreira como estrategista?

Acredito que estar antenado com o mercado digital, com as tendências sociais e discussões emergentes em geral é a base de qualquer estrategista.

BraInsights, masterclass online ministrada por Perla

Quanto ao conhecimento técnico, existe muita coisa ultrapassada e muita coisa nova surgindo com diferentes abordagens — desde metodologias ágeis, como lean startup, até metodologias de planejamento de comunicação e de branding em masterclasses com profissionais da área (eu mesma tenho um curso online sobre isso) e método canvas para desenhar modelos de negócios.

Também acredito muito na necessidade de ser bom em design thinking, para poder transformar complexidades em um pensamento lógico simples, de forma ágil. Então, fazer algum curso que ajuda a organizar pensamentos complexos é importante para lidar com os desafios do dia a dia, pois normalmente temos pouco tempo de trabalho e muita complexidade envolvida.

De qualquer forma, não há melhor maneira de se preparar do que exercitar o raciocínio estratégico, executando trabalhos na prática. Quanto antes começar a atuar num estágio, com gente experiente, melhor.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.