Strategy Diet: Tallita Alves

Perguntamos aos estrategistas mais interessantes do mercado como “alimentam” seus cérebros diariamente e quais recursos consideram imprescindíveis para o trabalho

Contagious Brasil | editorial
Contagious Brasil
6 min readSep 29, 2021

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Periodicamente, buscamos estrategistas inspiradores do mercado brasileiro para nos contarem quais são as suas principais referências, as técnicas e as dicas do dia-a-dia de trabalho. É nossa contribuição para uma investigação sobre a amplitude e as convergências do fazer na área, e mais uma forma de fomentarmos a troca e os aprendizados compartilhados como maneiras de desenvolver e transformar (para melhor!) o mercado como um todo. (E se você quiser indicar profissionais que gostaria de ver por aqui, é só comentar aqui em baixo ou escrever para brasil@contagious.com.)

Desta vez, nossa entrevistada é Tallita Alves, diretora de estratégia na DAVID São Paulo.

Jornalista com pós-graduação em Marketing pela Universidade Braz Cubas e com passagem pelo curso de Liderança Criativa na Berlin School, em 13 anos de carreira, Tallita trabalhou com marcas como Budweiser, Doritos, Samsung, OLX, Calvin Klein e Diageo, em projetos no Brasil e em outros países por agências como África, dentsumcgarrybowen, CUBOCC, W3haus e We, além de ter passagens como freelancer por J. Walter Thompson, Leo Burnett Tailor Made e LOVE. Em 2020, participou do Strategy Sprint do renomado professor Scott Galloway com um projeto sobre gaming que se tornou benchmark para o curso.

Que características ou habilidades você considera essenciais em um bom estrategista? Como você as desenvolve/alimenta regularmente?

Muitas vezes, estrategistas gostam de apresentar o que fazem como um ofício que beira a perfeição. Escrevemos textos maravilhosos no Linkedin sobre os nossos trabalhos, mas pouquíssimas vezes abrimos a fenda para mostrar como chegamos lá.

Estratégia é caótica. Lidar com a falta de linearidade e entender que essa falta pode ser uma fortaleza é a primeira habilidade que eu acredito ser essencial como estrategista. E isso aparece em pequenas decisões. Ao explorar comportamentos do target em um brief, geralmente olhamos apenas para quem ama a marca. E quem odeia? O que essas pessoas pensam? Vejo a não linearidade como uma forma de trazer novas informações e respostas diferentes das que você consegue encontrar com o caminho mais óbvio. Além de trazer flexibilidade, às vezes você tem que fazer a mesma coisa várias vezes.

Bom senso é outra característica que faz a diferença. Embora o seu repertório seja válido, o brief não é sobre você, é sobre o outro. O bom senso também nos faz entender o trabalho através das lentes de outros seres humanos que foram expostos ao que você está conduzindo, e que isso significa que não existe uma verdade absoluta. Em relação às pessoas, bom senso traz respeito para a mesa.

Qual o papel da criatividade no contexto da estratégia e do planejamento? Como você vê esta relação?

É sobre criatividade o tempo todo. Na forma de resolver problemas e na hora de direcionar o trabalho do briefing criativo até a entrega de fato.

Acho complicado ver criatividade dentro de um departamento ou necessariamente como um dom. Podemos até achar que existem poucos prodígios e depois todos os outros, mas isso não quer dizer que a criatividade é restrita apenas ao primeiro grupo. Considero esse um dos maiores ruídos da nossa indústria.

Tem alguém que você segue/lê/observa porque gosta de suas opiniões e idéias? Como essa pessoa te inspira?

Sinto que tudo que eu consumo, principalmente em horas inconscientes quando não estou pensando em estratégia, acaba esbarrando com o meu trabalho.

Phoebe Waller-Bridge, Michaela Coel, Patti Smith e Joan Didion me inspiram demais. Elas não são apenas contadoras de histórias brilhantes, elas possuem a habilidade de observar coisas simples e retratá-las com temperatura.

Outro nome que eu acompanho bastante é a Rihanna. Seus últimos movimentos desde o álbum ANTI, o início da Fenty Beauty e da Savage, o não lançamento de nenhum álbum até então, tudo tem muita coerência. Acho poderosa demais a forma que ela consegue colocar seus valores na construção de marcas, que é exatamente o desafio de muitos players hoje em dia.

Quando olho para a comunicação e para a indústria como um todo, vou atrás do que a Daniela Cachich diz, vejo os conteúdos do professor Scott Galloway, e abro os livros do Jon Steel. Também gosto de acompanhar a Ambika Pai (que passou pelo Bootcamp USA da Contagious), o Praveen Vaidyanathan e o Group Think.

Que conteúdos você consome regularmente para alimentar seu trabalho ou que ajudam você a pensar sobre estratégia de forma geral?

Como eu disse, horas inconscientes têm um papel muito importante. Mesmo. Uma série que eu acompanho e gostaria de dividir aqui é American Horror Story, do Ryan Murphy. Minha esposa me recomendou anos atrás e, desde então, o que eu percebo é como o Ryan consegue entregar construção de narrativa e de cada personagem. Ratched, Pose e The Politician só confirmam isso. AHS não é um caso isolado.

Tem dois outros lugares onde eu passo um tempo para observar fenômenos culturais, ao invés de audiências:

TikTok — o vídeo do Nathan Apodaca andando de skate e tomando suco fez o Fleetwood Mac entrar no top 10 da Billboard depois de mais de 40 anos. A plataforma abriu a janela para creators brasileiros como Ademara, Kaique Brito e Vittor Fernando.

Spotify — revela o poder do contexto x o demográfico. Essa peça é ótima para ilustrar isso. Mais pessoas ouvindo “Total Eclipse of the Heart” da Bonnie Tyler na semana do eclipse solar e “All I Want For Christmas” da Mariah Carey no Natal.

Tem algum lugar para onde você vai — físico ou virtual — quando está tendo alguma dificuldade com um trabalho/projeto ou que parece te ajudar a trabalhar ou pensar melhor? No momento atual, tem como “sair sem sair” pra espairecer e buscar outras conexões?

Música é o meu lugar preferido. Durante a quarentena, notei que passei a ter dois comportamentos. Ouvir apresentações ao vivo e ASMR. Já tinha levado ASMR como referência um par de vezes em alguns jobs, mas nunca tinha parado para consumir com atenção.

Também gosto muito de videogame. Meus jogos preferidos são Mario Kart, Sonic The Hedgehog e FIFA. Tenho um console em casa que roda a versão original dos anos 90, meu filho estranhou os gráficos, mas depois começou a gostar também. Acho apenas o máximo ver como gaming conseguiu furar a fila das gerações e se manter na linha de frente.

A que você normalmente recorre primeiro ao trabalhar em um briefing? Pode ser uma plataforma, um canal, um material.

Papel. Preciso passar tempo na mesa analógica escrevendo e rabiscando para depois levantar alguma coisa, é uma forma de organizar o pensamento depois de ler o brief, materiais do cliente e pesquisas. No início, faço isso sem filtro. Às vezes, escrevo algo que acho a maior bobagem e depois de um tempo enxergo algum valor.

Existe alguma fonte ou recurso no qual você acha que os estrategistas confiam demais, mas que talvez não seja tão relevante assim?

Dados sem profundidade. Falamos muito sobre interpretar e traduzi-los, mas falamos tão pouco sobre o que está por trás desses dados. Ou melhor, quem está por trás desses dados. E parar no dado pelo dado é raso demais.

Outro recurso que pode ser complicado é o Google. Se a sua principal aposta é o que apareceu nas suas pesquisas, você está se baseando apenas no que você está querendo encontrar e no que a plataforma quis te sugerir de acordo com o seu padrão de navegação.

Por outro lado, qual você acha que é o recurso mais subutilizado e que contribui muito para uma boa estratégia?

Eu vejo muitos estrategistas interessados na construção das apresentações e com o play do Keynote para o cliente. Por outro lado, não sinto o mesmo gasto de energia com o exercício de escrever, e escrever é intrínseco ao nosso trabalho. Mais do que um exercício, é uma tarefa que vai acompanhar qualquer estrategista para sempre. Da escrita de briefs criativos aos e-mails.

Construção de headline e Pirâmide Invertida, técnicas da faculdade de jornalismo, me acompanham até hoje. Assim como uma comparação que ouvi de uma professora: esse copy se aproxima de “a cobra mordeu o cachorro”, ou seja, o que todo mundo espera, ou “o cachorro mordeu a cobra”, algo inusitado e que chama a atenção?

Além das referências já citadas, quais conteúdos/recursos você recomendaria para alguém que está começando sua carreira como estrategista?

Buscar estar perto de pessoas que pensam diferente. Se todo mundo concordar com o que você está dizendo tem alguma coisa errada. Atritos geram novos pontos de vista, melhoram e refinam o trabalho.

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Perfil do time editorial da Contagious Brasil. Publicando reflexões, análises e referências para excelência criativa e estratégica.