06.11

Anna Carolina Rizzon
voltas
Published in
Nov 7, 2020

Diário de quarentena vinte e dois. Dia seis do onze. “Outono” é um livro epistolar onde Knausgärd tenta descrever o mundo à filha ainda não nascida. Já há uns meses eu venho lutando contra a ideia de fazer o contrário: escrever uma longa carta — um livro — ao meu pai sobre o mundo que ele deixou para mim — ou que levou consigo, quando morreu. E é curioso que embora sempre soubesse, lá no fundo, que era isso o que queria escrever, nunca tenha, até agora, conseguido definir que é isso o que quero escrever. São outros os desafios, naturalmente: essencialmente, o mundo é o mesmo que ele viu enquanto esteve aqui; por outro lado, o mundo é outro a todo momento, e passados sete longos, arrastados, cabalísticos anos, não há — não pode haver — quaisquer vestígios do mundo que ele viu. Há, porém, por toda a parte, escombros do mundo que construiu. Ao contrário de Knausgärd, eu não preciso descrever o outono — meu pai viveu muitos. Mas agora quem usa sua camisa verde de manga longa no outono é Miguel, e ela fica grande nele, e ele gosta, porque fica grande. O livro de Knausgärd começa assim: “now, as I write this, you know nothing about anything, about what awaits you, the kind of world you will be born into. And I know nothing about you” — e penso que, fosse começar da mesma forma o meu, começaria “agora, enquanto escrevo, você sabe tudo sobre tudo, o que te esperava, que tipo de mundo te recebeu. Mas não sabe mais nada de mim”. Só que não quero começar assim.

--

--