15.11

Anna Carolina Rizzon
voltas
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2 min readNov 15, 2020

Diário de quarentena vinte e três. Dia quinze do onze. Letícia anda por aí com uma garrafa d’água de um litro e meio. Por quê, eu questiono, meio fascinada; porque, do contrário, ela não bebe o tanto de água que deveria beber ao longo do dia. Sexta-feira, num restaurante, apoiam uma jarra d’água na mesa, tomamos tudo; num rompante de sede e praticidade, Letícia pega sua garrafa de um litro e meio e enche os copos de novo. É lindo e é um absurdo. Queria registrar essa cena de todos os ângulos possíveis, de todas as formas possíveis. Ela não entende eu ser tão fixada nisso. Eu amo Letícia especialmente nessas confusões breves, quando meu corpo trava, afastado, como se para ganhar uma nova perspectiva, e quando Letícia é tanta coisa ao mesmo tempo, tantos pensamentos, tantas expressões, que também ela parece deslocada no tempo-espaço e ficamos, as duas, olhando uma para a cara da outra, questionando, eu, “quem é você e o que você está fazendo comigo?”. É uma revolução, Letícia, desmoronando, berrando, exigindo que o mundo seja amplo o bastante para caber Letícia conforme Letícia se expande, e desmorona, e berra, e exige um novo mundo. Evito falar de Letícia porque não entendo — eu, que me gabo de me esforçar para entender, nem entender eu quero; ora é essa sensação, essa coisa infantil, meio estúpida, inédita, urgente, cômica, ocasional e primeira, sempre primeira, mesmo havendo tantas outras antes e tantas depois; ora não é nem um pouco acidental e ingênua, é confusa, curiosa, expansiva, irresponsável; ora não é algo que conheça, mas, de alguma forma, sei o que é; ora não sei o que é, e quero descobrir; ora é um impulso refreado; ora é querência; ora é estância; ora é fantasia, sonho, história, criação. Mas é sempre leve, é sempre Sol. “Maneiras inovadoras de enxergar e compreender o mundo”. Me causou uma revolução, Letícia, de não saber e não querer saber. De, contudo, estar aqui por querer registrar e não confiar noutra maneira; por querer guardar e por querer que saiba que eu sei de tão pouco quando estou com você.

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